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quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O fim de todas as utopias: um mundo novo nada admirável


Durante o Iluminismo, o ser humano se deslumbrou diante de sua própria capacidade intelectual. Gênios das artes, das ciências, da filosofia se proliferaram pela Europa, confiantes de que, através do bom uso da racionalidade, um novo mundo poderia ser criado.

Este anseio por um mundo perfeito é antigo. Podemos rastreá-lo desde manuscritos religiosos pré-cristãos, primeiro situando-no num mundo anterior ao surgimento da Humanidade, ou em reinos após a morte, como o Jardim do Éden, o Nirvana, o Moksha do hinduísmo, ou a Nova Jerusalém. Platão situa uma civilização utópica no meio do oceano, representada pelo mito de Atlântida. Thomas Moore imortaliza o termo em sua obra "Utopia", um ilha imaginária com um governo perfeito. Francis Bacon acreditava que a "Nova Atlântida" seria na América, também perfeita, regida por sábios cientistas.

No entanto, os avanços tecnológicos e como o ser humano os utilizou abriu margem para o oposto da utopia: as distopias, nas quais, ao invés de perfeição e harmonia, a sociedade se tornaria insuportavelmente sistemática, repressora, ou brutal.

Costuma-se dizer que não é possível acreditar em utopias no século XX, após duas guerras mundiais, a bomba atômica, o holocausto. A barbárie aniquilou qualquer esperança no futuro, qualquer sentimento de que a razão poderia nos levar à perfeição.

É neste contexto que surge "Admirável Mundo Novo", do britânico Aldous Huxley. O romance foi escrito uma década antes da Segunda Grande Guerra, mas já possui um pessimismo tecnocrático que pretendia anteceder os extremos da racionalidade.

A trama se passa no futuro, numa sociedade estratificada a partir de manipulações genéticas. Existe uma pirâmide social e o grau de liberdade e autonomia depende de qual classe genética um indivíduo nasce. A divisão de tempo é feita em dois momentos: trabalho e lazer. Como método de alienação, o trabalhador de cada função só possui conhecimento de suas especificidades, sem noção do todo; nos momentos de lazer, e também como forma de controle social, cada indivíduo recebe sua cota de "soma", uma droga imbecilizante.

O protagonista de "Admirável Mundo Novo" é Bernard Marx, um membro do estrato mais alto. A referência de seu nome ao filósofo Karl Marx é evidente, assim como todos os demais personagens, todos eles vinculados à figuras proeminentes do capitalismo e do socialismo. O mundo no qual Bernard Marx vive é um capitalismo socialista, se é que estes opostos podem ser reconciliados. Capitalista porque fundamenta-se sobre o princípio de produção em massa e, provavelmente, da mais-valia; socialista porque, por mais que haja estratos sociais, todos são iguais no interior de cada casta, inclusive, em alguns casos, geneticamente idênticos.
O deus idolatrado neste futuro é o "Ford" (trocadilho com "Lord", ou "Senhor [Deus]") e remete-nos a Henry Ford, o criador do primeiro automóvel fabricado em série.

Bernard possui um comportamento anômalo; ao contrário dos demais indivíduos de seu tempo, ele não está satisfeito, é oprimido por uma angústia que não consegue explicar.
Para se exibir para uma garota, ele a leva até um reserva selvagem, onde homens primitivos vivem uma vida rudimentar - provavelmente como nós vivemos hoje. Lá, ele encontra John "O Selvagem", que é filho duma mulher duns dos altos estratos sociais, mas que se perdeu na reserva muitos anos antes. Este encontro entre Bernard e John será a causa dum conflito interno muito maior para o protagonista, que vê num mundo primitivo uma alternativa para sua contemporaneidade.

"Admirável Mundo Novo" é a obra mais conhecida e acolhida de Aldous Huxley, que sempre foi uma figura controversa - descendente duma ilustre família inglesa e defensor do uso de LSD -, no entanto, foi o romance mais fraco que li dele.

Só que serve de exemplo de que uma sociedade perfeita pode ser insuportável.

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2 comentários:

Eu li a obra e achei do caralho!
Imagino agora os outros romances do Huxley...
Mas penso que a obra não prova que um mundo perfeito seria insuportável. Apenas demonstra que o perfeito conforme uma minoria pode ser doentio e imperfeito para a maioria, ou pelo menos muita gente.

Acredito num utópico mundo sim. Um mundo onde a perfeição é inalcançável, mas que podemos nos aproximar dela quanto mais a felicidade coletiva for maior ao tempo em que as liberdades individuais são conciliadas com as coletivas, sem o soma Huxleano, claro.

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