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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

SAMIZDAT 20

SAMIZDAT20


Por que Samizdat?, Henry Alfred Bugalho

COMUNICADO
SAMIZDAT Especial de Mistério e Suspense

ENTREVISTA
Selène D’Aquitaine

RECOMENDAÇÕES DE LEITURA
Como me tornei estúpido, Guilherme Augusto Rodrigues

AUTOR EM LÍNGUA PORTUGUESA
A cigarra e as duas formigas, Monteiro Lobato

MICROCONTOS
Éder Ferreira

CONTOS
Jey Fyu e a floresta das almas tortas, Carlos Alberto Barros
O coelhinho medroso, Joaquim Bispo
Voz da consciência, Wellington Souza
A menina que não queria crescer, Jú Blasina
O pé de macaca, Jú Blasina
Ursinho Joca e os pardais, Volmar Camargo Junior
A última fada, Volmar Camargo Junior
O pergaminho esquecido, Henry Alfred Bugalho
Do reino da carochinha, Simone Santana
Arrependimentos, Guilherme Augusto Rodrigues
Esmeralda, Jade e Rubi, José Espírito Santo
As Amaranthas, Sheyla Smanioto Macedo
Um lugar para viver, Léo Borges
Casal Moderno, Mariana Valle
Remorso, Barbara Duffles
Um conto de fadas, Giselle Sato

Autor Convidado
Ensaboando a minha cabeça, José Guilherme Vereza
Poemas, Tatyanny Nascimento

TRADUÇÃO
Como o camelo ganhou sua corcova, Rudyard Kipling

TEORIA LITERÁRIA
Os desafios da autopublicação, Henry Alfred Bugalho

CRÔNICA
A faixa branca, Joaquim Bispo
Brasiléiros e brasiléiras, Volmar Camargo Junior
Repaginando as Havaianas, Henry Alfred Bugalho
Criança tem cada uma..., Maristela Deves
Adolescentes (não) leem, Marcia Szajnbok e Amanda Szajbok de Faria

POESIA
Laboratório Poético: Limericks, Volmar Camargo Junior
Poesias bestas, Ju Blasina
Asas, Marcia Szajnbok
Noé em sua arca, Wellington Souza

SOBRE OS AUTORES DA SAMIZDATSAMIZDAT 20 - visualização online (Calamèo)
SAMIZDAT 20 - download





quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Blog para amantes da leitura

Um novo blog acaba de nascer, voltado a quem gosta de livros: o Palavra Escrita.
Ele traz resenhas, lançamentos e notícias do mundo da leitura. Confira em www.pioneiro.com/palavraescrita.





segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Criança tem cada uma...

(Maristela Scheuer Deves)

Fofinhas, bonitinhas, sapecas, espertas... Vivemos rotulando as crianças que conhecemos, sem nos darmos conta, no entanto, de que não as conhecemos tão bem assim - quando menos esperamos, lá vêm elas a nos surpreenderem.
Tomo como exemplo os meus sobrinhos, Rafael e André. Rafa, o mais velho, agora já tem 17 anos, mas quando pequeno sempre teve tiradas de deixar a todos com a boca aberta. Certa vez, quando eu fazia faculdade em Santa Maria ele devia estar com seus quatro ou cinco anos , liguei para minha mãe e ela me contou a mais recente aventura do neto: enquanto meu cunhado fazia compras em um mercado, ele pediu licença para brincar com a priminha que morava ao lado. Quando o Alemão foi buscá-lo, surpresa, o Rafael não tinha sequer aparecido lá.
Procura daqui, procura dali, de repente teve a inspiração de olhar dentro de um ônibus que saía rumo ao interior do município. E lá estava, sentado quietinho no último banco, o Rafael. Mesmo com a bronca, nada de ele dizer o que fazia ali. No outro dia, o pequeno foi passear na avó, e de repente largou: "Ontem peguei o ônibus para ir na tia Téia." Estava explicado: depois de me acompanhar várias vezes à rodoviária, ele sabia que eu entrava num ônibus para ir a Santa Maria, e julgou que, embarcando em um, chegaria até mim!
Anos depois foi a vez do André, hoje com 14 e na época com seis anos, fazer algo parecido. Quando fui me despedir dele para viajar, no final das férias, nem me deu bola, emburrado. Meu pai, que me acompanharia, teve o mesmo tratamento. Uma semana depois, soube que, depois de o carro já ter dobrado a esquina, ele caminhou até a casa próxima, olhou para trás, onde estavam minha mãe, minha irmã e o Rafa, e desatou numa corrida desenfreada pela rua. Ao ser alcançado, três quadras adiante, contou que "estava indo buscar o vovô e a tia Téia de volta."
O vocabulário desses danadinhos também é algo digno de análise. Aliás, quando o Rafa era pequeno, cheguei a fazer um "dicionário" de suas palavras. 'Vavau' era cachorro (afinal, eles fazem 'vau-vau'...). 'Teta' era mamadeira, mas também servia para designar a avó onde ele buscava leite e a priminha que ali morava (e que odiava ser chamada assim). Mas o mais engraçado foi quando ele resolveu falar apenas a primeira sílaba de cada palavra. 'Prato' virava 'pra', 'mesa' virava 'me', e assim por diante. E nós que adivinhássemos o que ele queria dizer.
Um dia, quando o André era bebê, chegou o Rafa lá em casa. "E o maninho?", indagou minha mãe. "O pá tá fá pê dô", respondeu ele. "O quê?", espantou-se minha mãe. "O pá tá fá pê dô", tornou. Somente depois de repetir várias vezes e ver que não tinha jeito de a avó entender, é que ele resolveu explicar, ressaltando as sílabas: "Mas vovó, eu já disse que o pa(i) tá fa(zendo) o pe(queno) do(rmir)!"





domingo, 23 de agosto de 2009

Um conto de fadas- Giselle Sato

Um Conto de Fadas – Giselle Sato


Amanda estava triste. Na hora do recreio ia para o balanço, longe das outras meninas. Não brincava de pular corda ou amarelinha. Esqueceu as bonecas e a troca de figurinhas.
Tudo começou duas semanas após o início do ano letivo. Apesar dos esforços dos professores, a pequena aluna não contava o motivo da mudança de comportamento. Os pais de Amanda estavam preocupados. Eram médicos e trabalham no Hospital Municipal da pequena cidade do interior, cercada de montanhas e lagos.
Sempre revezavam os turnos para que a menina não ficasse sozinha na casa grande:

– Querido, o que esta menina tem? Está calada demais.

– Pode ser ciúmes do bebê a caminho, já conversamos sobre isto com ela mas, quem sabe, está com receio perder as atenções?

– Não acredito, ela estava tão contente e animada. Amanda escolheu a decoração, as roupinhas da irmãzinha, fez questão de participar de cada detalhe.

– Querida, ela só tem cinco anos, é normal sentir um pouco de ciúmes.

– Não é o caso querido, precisamos descobrir o motivo verdadeiro.


– Está bem querida. As professoras estão observando com atenção, vamos redobrar as atenções e aguardar um pouco mais.

A piscina na casa de Amanda era o ponto de encontro das amiguinhas nos finais de semana. Todas adoravam as brincadeiras com Chocolate, o alegre “labrador’’, que amava água e bagunça. Agora andavam todas com saudades do cãozinho levado:

– Amanda, podemos visitar o Chocolate?

– Vou sair com mamãe, vamos ver uma tia doente.

– Que tia?

– Você não conhece.

– Conheço toda sua família, sou sua melhor amiga, que tia é essa?

– Esqueci o nome, que coisa, Julinha.

– O que está acontecendo? Não somos mais amigas?

– Não é nada. O ônibus chegou. Vamos embora?

Amanda sentou no último banco do transporte. Antes dividiam a carteira na sala de aula e voltavam juntas para casa conversando lado a lado. Eram vizinhas e estavam sempre juntas. Mal desceu do transporte, Amanda correu para casa sem se despedir da coleguinha. Entrou apressada, beijou a mãe e subiu as escadas do segundo pavimento da casa.

O quarto da menina era um sonho, bonecas lindas enfeitavam a cama e várias prateleiras. Muitos jogos e brinquedos. Amanda espiou pela fresta da janela da casinha de bonecas. Uma luz piscou várias vezes e a menina sorriu:


– Oi, Agnes, como você está?

A luz rosada brilhou suavemente na forma de uma fadinha. Tão pequena que caberia na palma da mão da menina. Uma fadinha com asas transparentes e longos cabelos azuis caminhou pela sala repleta de móveis em miniatura, sentou-se na mesa e piscou para Amanda:


– Olá amiguinha, como foi na escola?

– Tudo bem. Ainda não acredito que você está aqui, parece uma história do livro que a mamãe conta todas as noites.

– Estou aqui porque perdi meus poderes e não consigo voar. Ainda bem que caí na casa de uma menina boazinha.


– Obrigada, fadinha Agnes, mas precisamos descobrir uma maneira de trazer seus poderes de volta.


– É verdade, o tempo está passando e ainda não encontrei a solução.

– Vou até à biblioteca do meu pai, ele sempre diz que tudo está nos livros. Volto logo, fique escondida. Cuidado com Chocolate, ele come fadinhas.

As estantes repletas de livros exalavam um cheirinho gostoso. O sofá confortável, paredes inteiras repletas de obras de todos os lugares do mundo. Amanda nunca se cansava de olhar as prateleiras. Havia muitos livros de Contos de Fadas, cada um mais bonito que o outro. Folheou alguns, o tempo foi passando, acabou pegando no sono.

Sonhou com Agnes voando livre no mundo de faz de conta com outras fadinhas. Havia alegria, como se uma grande festa estivesse acontecendo, muitas crianças brincando e rindo. Conforme a garotada brincava e as fadinhas ganhavam brilho, muitas luzes piscavam no ar, formando desenhos em torno do parque do bairro. Aos poucos, tomavam conta da cidade. Mais adiante e o país inteirinho vibrava em tons alternados.
Finalmente o planeta transformou-se em milhares de cores fortes, lançando jatos de luz em todas as direções. Um sorriso surgiu no rostinho da menina adormecida. Acordou renovada, cheia de ideias e muito inspirada. Encontrou Agnes sentada em uma caixa de lenços perfumados:


– Tive um sonho lindo, parecia de verdade.

– Querida menina, sonhos podem ser recadinhos especiais. O que sonhou?

– Que estávamos juntos, fadas e crianças. Havia muitas luzes e o mundo inteiro participava. E as luzes acendiam e brilhavam....

– Amanda, encontrou a solução. Podemos juntar suas amiguinhas?

– Não quero festas, estou muito triste, Agnes.

– Por quê, querida?

– Não percebeu que meus pais não são meus pais de verdade?

– Como assim? Eles não cuidam bem de você? Não te amam?

– Cuidam sim, mas sou adotada. Sou negra, eles são brancos e eles terão um bebê em breve.

– Amanda, seus pais te adotaram e te amam muito.

– Não sei, o Pedro contou que quando o bebê chegar, tudo será diferente.

– Querida, você precisa decidir se acredita no Pedro ou pergunta a verdade para seus pais.

– E se for verdade? Tenho medo.

– Medo? O amor é mais forte que o medo Amanda, você tem muito amor, precisa confiar no seu coração.

Amanda saiu do quarto correndo, acabou tropeçando no tapete e sofrendo uma queda em frente ao quarto dos pais. Os dois correram para acudir à menina:

– Filha, você está bem? Onde está doendo?

Amanda deixou-se abraçar pela mãe e começou a chorar. Tão surpresa quanto o marido, a mãe ficou longo tempo ninando e acalmando a garotinha. Sentiu saudades daquele carinho:


– Filhinha querida, está tudo bem, foi só um susto, estamos aqui meu bem.

– Mamãezinha.

– O que está acontecendo Amanda? Porque está chorando assim?

A menina contou pela primeira vez o motivo da sua tristeza. Um menino soube que ela era adotada e para implicar passou a contar histórias de pais que mandavam crianças embora quando tinham outros filhos. O que antes era motivo de alegria transformou-se em um enorme pesadelo para a menina.


– Filha, nós te amamos muito, foram dias muito difíceis, vê-la tão triste sem saber a razão.

– Eu queria contar mamãe, não tive coragem...

– Filha, de agora em diante, se surgir alguma dúvida, pergunte à sua família. E você precisa ensinar tudo isto para Agnes.

– O nome que eu escolhi venceu? Que maravilha!!!

– Isto mesmo!

– Papai, vamos terminar a arrumação do quartinho da minha irmã?


– Claro, filha, mãos à obra garotinha.

Agnes, que tudo observava, parecia feliz com o desfecho da situação. O dia amanheceu ensolarado e a mãe de Amanda fez algumas ligações. Chocolate parecia adivinhar que alguma coisa estava para acontecer, porque não parava de correr e fazer todos os truques que conhecia.

A cozinheira preparou delícias e o cheirinho bom de cachorro-quente e bolo encheu a casa. Logo as meninas chegaram, rindo e correndo pelo gramado. Cinco amiguinhas vestindo maiôs coloridos pularam na piscina, falando sem parar, esquecidas do período em que estiveram afastadas:


– Jú, venha depressa, preciso te contar um segredo.

Julinha estava contente outra vez, era a melhor amiga de Amanda e partilhavam segredos. Juntas olharam a casinha de bonecas que os pais da menina haviam colocado no gramado, a fadinha havia sumido.


– Não entendo, onde ela está?

– Quem? Alguma boneca nova?

– Não, minha amiguinha Agnes, ela é uma fada.

– Amanda, fadas não existem...

– Olhem bem, estão chegando, são muitas, milhares...

Mal havia terminado a frase e mil pontinhos começaram a brilhar em volta das duas meninas. Todas correram para admirar o espetáculo das luzes; eram tão pequeninas e lindas. Brincalhonas, faziam mil piruetas para encanto das crianças. Flutuando e pousando no nariz de cada uma delas. As meninas cantavam e riam, batiam palmas e dançavam como se ouvissem uma música especial.


– Agnes, como você está linda!

– Obrigada querida, você também está radiante, preciso confessar que nunca perdi meus poderes, desculpe a mentira amiguinha.

– Então por que ficou comigo tanto tempo?

– Não adivinha? Precisamos de você para existir. É a menina mais alegre da cidade, está sempre animada e de alto astral. Sua energia é maravilhosa querida...

– Oba! Que bom. Sou a menina mais feliz do mundo.

Os pais de Amanda abraçados na varanda admiravam a alegria das meninas:


– O mundo da imaginação não é maravilhoso? Olhe como estão rindo com aqueles insetinhos.

– Querido, são pirilampos coloridos piscando em pleno sol de meio-dia.

– Um pequeno milagre da natureza. Que dia esplêndido, há muito não me sentia tão feliz.

Amanda, Julinha, Camila, Aninha e Isabel assistiram à despedida das fadinhas e à coroação de Agnes. Doravante uma fada madrinha.
Enquanto existir alegria e felicidade nos corações puros das crianças, as fadas estarão sempre próximas. Mesmo que não possam ser vistas, são sentidas em sentimentos felizes e inexplicáveis que acontecem o tempo todo e mal nos damos conta.





sábado, 22 de agosto de 2009

Remorso

Barbara Duffles

Saiu da festa transtornado, álcool no sangue e remorso no peito. Pegou o carro feito doido que nem viu. Aquela maldita, por que ela fez isso, ele estava tão bem. Mas acabou deixando a festa alucinado, tão doído ele estava que pegou a estrada febril. O cachorro veio distraído, cachorro bobo, de família. Freou com força, mas era tarde. Sentiu o baque, o carro passou em cima do bichinho. Que merda, ele chorou. "Matei o cachorro, sou um criminoso, sou um assassino". Tão transtornado ele estava quando saiu da festa, aquela putinha tanto fez que o levou para o banheiro. Sorte que ele despertou antes do fim, mas foi o suficiente pra sentir culpa, ele tinha tanto amor e não era por aquela vagabunda. Cheio de remorso, pegou o carro, e aí veio o cachorro, por que aquele bicho atravessou a rua justo naquela hora? Bandido, matou um cachorro e traiu a mulher, no mesmo dia, na mesma noite. Estacionou o carro no acostamento, pegou o animal no colo. Estava inerte, não se mexia, ele o havia matado, assim como matou o respeito pela mulher, tudo por uma desfrutável que não valia um centavo. Aquele cachorro era ele mesmo, morto por um carro desgovernado, morto pelo inesperado, pela vagabunda insaciável. Resolveu enterrar com o cão aquela noite inútil, o sentimento doloroso foi junto para a cova, feita sob lágrimas no matagal ao lado de casa.

Texto originalmente publicado no blog Não Clique





sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Asas





Marcia Szajnbok


Vivia um lindo pássaro em confortável gaiola.
Pelas manhãs espalhava no vento canções de paz e alegria.
E assim ia vivendo, a seu modo feliz, em seu lugar, com seu alpiste.
Para além dos limites da gaiola, de nada sabia.
Nem sequer supunha que fora do alcance dos olhos um pouco mais de mundo existia.
Certa vez, com boa intenção, quis alguém mostrar-lhe o horizonte.
Puseram-no junto à janela para que se alegrasse.
O que todos esperavam era que, ali posto, ele ainda mais cantasse.
No entanto, surpresa geral, calou-se o pássaro, tornou-se mudo.
Nem um pio sequer de canto, nem bater de asas, nada.
Não comia, não bebia.
Qual estátua, petrificado, simplesmente olhava.
E quanto mais olhava, menos compreendia.
O que era, afinal, tudo aquilo?
Céu, plantas, montanhas ao longe...
O sol laranja a iluminar auroras...
Luar e estrelas brilhando na noite...
E os pequenos olhos mal piscavam. Olhavam, olhavam, olhavam.
Como se fosse possível pelo olhar absorver a infinitude do mundo.
Como se fosse possível pelo olhar chegar ao fim do espaço que não tinha fim.
E assim ficou, calado, estático, por incontável tempo.

Num final de tarde, de repente, deu-se o suposto milagre.
Ninguém mais se lembrava de como era doce seu canto,
Por isso demoraram a descobrir a origem de tão divina música.
Um de cada vez, em silêncio, pé ante pé, se aproximaram de onde a gaiola estava.
Perplexos confirmaram: era ele mesmo que cantava.
Mas foram apenas os olhos argutos de um menino pequeno
Que naquela cena viram o que ninguém mais viu.
No parapeito da janela, suspensa em puro enlevo, outra ave lá pousara.
Mal se movia, escutava, entendia, a canção mais bela – poesia! –
Que aquele pássaro jamais cantara.
Era uma ave apaixonada.
Não durou muito - uma pena! – aquele idílio de melodia e olhares.
A tarde findava, escurecia, e a visitante voou -
Não sem antes hesitar, como quem fizesse um convite.
Calou-se novamente o cativo.
E foi mais uma vez pelos humanos esquecido.
Mas não por todos, uma exceção:
Na madrugada, o menino que desvendara o mistério foi lhe fazer companhia.
Chegando junto à gaiola viu o que depois contou, mas entre os adultos ninguém acreditou.
O lindo pássaro, mudo, chorava.
Lágrimas silenciosas nos pequenos olhos atentos.
Quem já viu passarinho chorar? Nunca! Imaginação de criança...
Mas o que ficou mal explicado foi o ainda mais estranho fato:
No dia seguinte, gaiola intacta e pássaro ausente.
Como saiu? Ninguém jamais soube...
Todo o cenário intacto...
Seria preciso olhar bem de perto o garoto, e ser muito observador
Para notar-lhe no canto do lábio um sorriso discreto,
A expressão muito viva, o orgulho disfarçado.

Desse dia em diante, quem quer que chegasse à janela
Ouviria, ao sol poente, um canto ao longe, inspirado,
Um dueto de pássaros livres, uma canção de amor.





quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um lugar para viver

Léo Borges

O silêncio de uma noite amena no Monte Kofa, sudoeste do Arizona, Estados Unidos, era novamente cortado por estampidos penetrantes. Com as folhagens das árvores próximas sacudidas pelos tiros, o terror mais uma vez entrava pelos ouvidos sensíveis daquela criatura.

Outrora caçadora de subsistência, a onipotente aquila chrysaetos se via agora encurralada por assassinos frios, que a desejavam apenas como um portentoso troféu empalhado, da mesma forma como já haviam feito com outros de sua família. Ainda que aquele fosse seu habitat, um lugar de paisagens belas, não obstante considerado hostil pelos invasores, lhe escapava motivos para permanecer. Seu espírito guerreiro e perspicaz não encontrava defesa contra armas de fogo de cruéis caçadores e seus cães farejadores. Os pares da linhagem accipitridae já haviam sido dizimados e de sua espécie ela era uma das únicas em Sonora.

Voou. Um voo longo e sem rumo. Não sabia para onde ir, apenas queria fugir, encontrar um lugar que a acolhesse. Sentia-se agora como uma de suas presas, perdizes ou pequenos lagartos, que corriam assustados quando viam a sombra ágil planando por perto. O mergulho da ave de rapina era uma morte quase certa para qualquer um desses seres. No entanto, agora era ela quem experimentava a sensação de fragilidade e medo. Cada quilômetro que se afastava das colinas era um pouco mais de pânico para suas asas carregarem. Seu porte nobre e magnânimo cedia lugar a um semblante de ave comum, e isso a irritou profundamente.

Lembrou-se do que certa vez um camaleão, que fora uma de suas refeições, lhe havia dito pouco antes de virar almoço: “Você não passa de um pombo rupestre! Queria ver se manteria essa pompa numa cidade como Nova York! Lá você morreria de fome, pois na Big Apple as aves comem pipoca dos turistas e você não teria uma única lagartixa para se servir!”. De certo foram as últimas palavras do réptil audacioso, mas que feriram fundo a ave de garbosa penugem amarronzada.

“Ora! Comparar-me com um pombo! Uma ave repugnante, primo em sexto grau que vive à mendicância nas metrópoles!”. Aquela pitoresca conversa com o bicho gelado voltou com força em sua mente. Se pássaros tão inferiores se adequaram a tal situação desfavorável, por que ela não conseguiria passar por semelhante mimetismo?

Decidiu que iria voar milhares de quilômetros em direção à costa do Atlântico e que se estabeleceria exatamente na chamada Capital do Mundo. Não sabe se seria algo inédito em termos ecológicos, mas se os homens invadiam seu território para caçar indiscriminadamente, por que ela não poderia fazer o inverso? O caminho era longo e extenuante, porém, a águia real estava disposta a provar que poderia vencer o desafio e, para isso, teria de utilizar uma característica com a qual monitorava suas vítimas: a paciência. Em alguns trechos ponderou se não seria melhor tentar viver caçando pequenos mamíferos no Texas ou em Oklahoma, mas ela estava obstinada pelos ares do extremo Leste, lugares que só conhecia pelas conversas das gaivotas andarilhas.

Frio e calor intensos não perturbaram a ave solitária tanto quanto o que ela viu. Seu aguçado mecanismo visual passou a enxergar fatos e objetos que antes ela não percebia (ou que ela nem sabia que existiam). Casas, fazendas, estradas, prédios, parques, indústrias, shoppings, fumaça e barulho. Tudo lhe parecia muito estranho, ainda mais quando viu multidões de humanos andando de um lado para o outro, como formigas operárias. Enfurnados em veículos em autovias ou entalados dentro de trens e ônibus, eles fervilhavam no solo; foi nessa hora que a ave agradeceu a natureza por suas asas. “Devem estar felizes”, pensou a águia, sem muito crer. “Mas, se vivem bem nesse caos, por que alguns se desgarram e vão nos matar lá nas montanhas?”. Viu letreiros luminosos com as palavras coloridas “burguer” e “grill” e estas informações a fizeram juntar as peças: “então, essas pessoas comem vacas e bois assados, mas não águias".

O pensamento intrigou a águia por duas razões: entendeu que sua carne não era tão especial como alimento e, assim sendo, as mortes de seus familiares no Kofa seriam mesmo para fins de diversão. “Um reles camaleão tem carne mais nobre que a minha na escala de predadores. Ele serve para minha subsistência e eu sirvo apenas para embelezar ambientes. Coisa mais fútil eu sou!”. Antes que uma crise existencial se instalasse definitivamente na cabeça da ave, e ela acabasse por encontrar um ponto em comum com os renegados pombos nova-iorquinos, resolveu arrumar um canto para descansar, achando que, pela enorme quantidade de arranha-céus, já houvesse chegado ao seu destino.

– Uma águia perdida no centro de Chicago! – comentou um surpreso pardal com outro de maneira brincalhona.

– Aqui não é Nova York? – perguntou a ave, tentando manter o ar majestoso.

Eles riram da pergunta e, antes de se debandarem em clara fuga, escarneceram:

– Claro que não! E nem pense em ir para Nova York! Com esse senso direcional, se não morrer de fome por lá vai virar bibelô em zoológico!

Essa declaração só serviu para deixar a águia real ainda mais decidida em sua jornada. Iria não apenas migrar à Grande Maçã como conquistaria seu espaço na metrópole. Talvez não fosse uma entre tantos, conforme apregoava a cunhagem nas moedas – e pluribus unum –, onde sua imagem aparecia vistosa como o grande símbolo yankee que era, mas certamente já era vitoriosa apenas por ambicionar algo tão desafiador. Com o tempo, acreditava que homenagens seriam rendidas como fatos que se sucedem e, então, sua pequena ação migratória teria efeitos fortíssimos em outras áreas no país, quem sabe no mundo. A partir daí, viveria bem e sem muitos esforços para alcançar outras de suas metas. Por enquanto, o que ela estava sentindo mesmo naquele instante era fome. Muita fome.


* * *


Aquela pequena sacola estava mesmo difícil de abrir. Já encontrara outras assim, mas normalmente suas presas não demoravam muito para rasgar o lixo. Quando finalmente conseguiu, viu uma sombra agigantando-se e do céu um pássaro se engalfinhou com ele na luta pela comida.

– Ei, o que é isso?? – perguntou o vira-lata, ainda sem saber bem quem era seu rival.
O pássaro, faminto e sujo, pulava e tentava bicar o que encontrava dentro da sacola.

– Eu que pergunto. Que comida é essa? – disse a ave referindo-se ao que encontrara.

Quando viu se tratar de uma águia real, o cão de rua ficou perplexo.

– Uma águia em plena Madison Square?!

– Sim. Sou uma legítima aquila chrysaetos linnaeus e vim de longe conhecer, com pretensões de morar, em Nova York – disse o pássaro procurando mostrar nobreza no falar.

– Já vi falcões no Central Park, mas não uma águia real. Seu porte é mesmo nobre, mas essa sua penugem empoeirada e esse seu ataque esfomeado à minha sacola lembrou-me mais um desses pombos de marquise.

– Cheguei há pouco tempo e ainda não encontrei nada para comer. Desculpe-me pela possível falta de educação – retrucou a ave, torcendo o bico ao ouvir nova comparação com pombos. O insólito encontro acabou marcando uma amizade entre ambos.

– Qual seu nome, pássaro?

– Samiz. E o seu?

– Não tenho. Mas, algumas pessoas me chamam de Beethoven. Enquanto alguns cachorros ficavam parados em restaurantes finos, esperando sobras da janta, eu preferia ficar na porta de saída da Broadway!

– Hum... você é mesmo um cão sofisticado, hein? – disse Samiz, lembrando dos agradáveis sons agudos que o vento fazia quando zunia pelas fileiras de cactos no Kofa.

– Apenas leio jornais, livros e revistas rasgados e amassados que as pessoas jogam fora. Não sou nenhum beagle, chow chow, poodle ou schnauzer, mas nem por isso fico fora do que acontece no mundo. Viver na rua tem algum charme – disse o cachorro com uma melancolia disfarçada. – Venha, Samiz, serei seu guia aqui. Vou mostrar-lhe as melhores partes de Nova York sem gastar nada além de penas e patas.

Beethoven sabia que a ave real poderia visitar os pontos turísticos por vários ângulos justamente por sua condição alada, mas mesmo assim gostou da possibilidade de ser um anfitrião. Samiz admirava aquele mundo novo que se descortinava em sua frente. Conheceu Manhattan, voou e pousou no ponto mais alto do Empire State, deslumbrou-se com a Estátua da Liberdade, deu rasantes pela elegante Fifth Avenue, brincou com o touro de bronze na Wall Street e se impressionou com as luzes de Times Square. Enquanto curtia os endereços que Beethoven apresentava, Samiz percebeu, do alto, que a vida de seu amigo era feliz apenas em aparência. Num dos rasantes, viu quando um menino, com uma sacola com comida, atirou um objeto na direção do cão, que empinava o focinho, tentando captar algum aroma agradável.

Vendo aquilo, a águia, desceu como um raio e infernizou o garoto que, ao correr, abandonou a sacola no chão.

– Os pássaros estão me atacando! – vociferou, despertando olhares curiosos para a águia, que, então, pousou sobre a haste de uma bandeira americana, aprumando as penas.

Beethoven, apesar de não ter aprovado o ataque, aproveitou para rasgar a embalagem largada. Para sua alegria, encontrou batatas-fritas em profusão, além de uma fina barra de chocolate.

Samiz quis crer que aquele garoto iria passar a respeitar os animais depois de sua firme atuação, que lembrava até alguns de seus pares no célebre filme de Hitchcock.

– Sabe, Samiz, o que eu mais queria na minha vida era encontrar um dono. Alguém que gostasse de mim, como acontece com esses cachorros de raça. Eles saem, passeiam, andam pelas ruas com bonitas coleiras, voltam para suas casas e não são apedrejados.

– É, mas também não devem comer Hershey’s com avelã em seus lares... – brincou a ave, tentando suavizar a prostração de Beethoven.

– Nossa amizade não deve durar muito. Como não tenho um lugar para viver, logo serei recolhido pelo serviço sanitário da cidade e você terá de ir morar na copa das árvores mais altas do Central Park, se quiser garantir uma vida por aqui.

A águia se entristeceu com os dizeres de seu amigo, pois sabia que aquilo significava o que ela também achava, mas tinha medo de admitir.

Andavam já pensando no fim da bonita amizade entre uma águia real e um cão de rua, quando Beethoven chamou sua atenção para uma pequena matéria no The New York Times, ainda fechado dentro de um daqueles newspaper dispensers na calçada.

– Olhe, Samiz! “Governo do Arizona proíbe caça em Sonora”!

A ave pousou sobre a máquina e pôs-se a ler, interessadíssima, a matéria que lhe era de total importância. Ao final, ao invés de comentar sobre ela com Beethoven, chamou seu amigo e indicou outra, ainda menor, logo ao lado: “Garoto prodígio promove hoje oficina no Ground Zero”.

– Sei quem é essa criança – disse o cachorro. – Seus avós vieram do Brasil, trabalharam no World Trade Center e sobreviveram ao atentado quando o garoto ainda tinha dois anos. A família dele foi solidária todo o tempo com as vítimas e, desde então, ele aparece no Espaço Zero. No local há uma escultura provisória chamada Monumento da Paz, pertinente aos acontecimentos com o WTC. Este garoto é incrível, pois produz belos versos e escreve ótimos e reflexivos textos, além de conversar com as pessoas sobre seu método criativo. Nenhuma editora ainda se interessou em publicar, pois acham que é um material que não vende, que são apenas inócuas mensagens de perseverança. Preferem algo que contenha violência, como os livros sobre os acontecimentos que vitimaram as pessoas do onze de setembro. Mas, por que isto te criou tanto interesse?

– Está dito, nas letrinhas menores sob a manchete, que ele está à procura de um cão para ser seu companheiro!

– Um cão?! E você acha mesmo que ele iria escolher um vira-lata como eu? Claro que não! E isso é tudo brincadeira sua, águia piadista. Afinal, como você conseguiria ler letras tão minúsculas?? Ainda mais através do vidro!

Não daria para Samiz explicar o quão perfeito era seu mecanismo visual em tão pouco tempo. Ao invés de tentar responder, a ave pediu apenas que o cão lhe dissesse onde ficava esse monumento conhecido como Esfera.

O cão apontou e Samiz voou na frente:

– Agora sou eu que serei o cicerone. Come with me!

Ao tempo em que corria, Beethoven se sentia cada vez mais feliz. Samiz era o primeiro ser a se preocupar com ele, a participar com ele de alguma coisa, ainda que fosse um pequeno evento de um desconhecido garoto que surpreendia as pessoas com sua arte.

Ao chegarem perto da obra de Koenig, se surpreenderam com a canção que a envolvia.

– Que música é essa? – perguntou a águia, também estimulada pelo som penetrante e ao mesmo tempo suave.

– Não reconhece? É uma das sonatas do meu xará menos ilustre: Waldstein! – exclamou Beethoven, explicando para Samiz que o nome daquele menino era H. Datson, mas que praticamente todos só o chamavam de Dat.

O som guiou-os até o menino. As pessoas que sabiam do evento ofereciam akitas, collies, chiuauas, todos muito bonitos e bem nutridos. E a todos ele acariciava e brincava com sinceridade. Mas, quando viu o vira-lata Beethoven ao longe, misturado às pernas dos curiosos, tentando ali permanecer sem ser enxotado, não teve dúvidas: era aquele cão que ele queria ter!

Pediu que todos abrissem passagem para o cachorro que, em princípio, não entendeu que era com ele. Mas, quando viu que não havia mais ninguém atrás de si, tomou um susto. Será mesmo que o menino queria tocá-lo? Queria conhecê-lo? Queria se tornar seu dono?

Beethoven caminhou com receio, olhando as pessoas a sua volta, pessoas que antes eram sérias e, agora, afagavam sua cabeça e mexiam em seu focinho. Ao chegar próximo, recebeu um repentino, agradável e honesto abraço do menino, que fechou os olhos ao envolvê-lo. Beethoven sentiu algo que nunca sentira antes, um carinho especial que lhe trouxe profunda felicidade e, então, retribuiu com uma lambida no rosto.

– Qual será o nome dele? – alguém perguntou.

– Ele possui nome desde sempre: Beethoven.

O cão levou um susto: “como ele sabe meu nome?!”. Mas, lembrou-se que aquele era um menino especial e que provavelmente já havia depreendido, de alguma forma, que seu nome só poderia estar relacionado com o mestre da música que ali servia como fundo.

Dat, que já havia inclusive arrumado uma coleira para o seu novo companheiro, levantou-se e paramentou o cão com o acessório. Beethoven mesclava felicidade e incredulidade, pois sempre apreciou o menino e sua oficina mambembe, mas nunca imaginou que pudesse tê-lo como dono um dia.

O garoto abriu passagem entre as pessoas que ali estavam sob aplausos destas para o cão escolhido. Beethoven estava mesmo impressionado com os elogios que agora lhe eram dirigidos e se esqueceu momentaneamente de Samiz. A ave, pousada sobre o monumento, acompanhava com satisfação o desenrolar do episódio. Seu amigo encontrara um companheiro e ela considerou ser melhor não romper aquele laço harmônico entre ambos.

Viu que seu jeito, outrora prepotente, havia mudado com Beethoven e toda aquela saga. A humildade do cão havia lhe tocado. Os momentos alegres ao lado de um cachorro vira-lata lhe deram nova perspectiva e, agora, mesmo os basset hounds farejadores do Kofa não lhe pareciam ameaçadores. Aquela aventura havia sido mesmo muito boa, talvez o “marco zero” de sua vida, como o nome daquela bela escultura sugeria. Gostara enormemente de Nova York, mas era hora de voltar. Lembrou-se da notícia sobre Sonora, de que não haveria mais caça na região, e resolveu que iria partir. Deu um último giro pela ilha de Manhattan, observando pela última vez seu amigo canino e, com a saudade já apertando seu coraçãozinho, seguiu, ainda naquela noite, rumo ao seu habitat natural no oeste do país.

Beethoven lembrou-se da história contada por Samiz sobre escolhas e decisões. “Um entre tantos”: o escolhido entre vários fora ele. Mas, e o amigo de penas que o acompanhara em toda aquela jornada? Onde estava? Preocupou-se. Não o viu mais desde que estivera em transe com o ocorrido. Começou a olhar para todos os lados, para o topo dos edifícios, mas já era praticamente noite e, como não possuía a mesma incrível visão da águia, só o que enxergava era a esplendorosa iluminação da Rockefeller Park. Dat percebeu o agito do amigo e parou o passeio para confortá-lo. A criança era detentora de uma sensibilidade nata na compreensão de animais.

– Sei que está aflito um amigo seu. Mas acredite que ele está bem, pois sabe que você está feliz agora. Estaremos em casa em breve e logo ele também vai estar.

Beethoven impressionou-se com Dat. Viu nos olhos do garoto o mesmo brilho flamejante que havia nos de Samiz. O cãozinho estava não apenas intimamente feliz como teve certeza de que naquele entardecer ocorrera alguma simbiose entre Samiz e Dat. E que isso, de alguma forma, foi provocado por sua perseverança, e a do amigo alado, em querer encontrar um lugar para viver.





quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Como me Tornei Estúpido

Guilherme Augusto
PAGE, Martin. Como me Tornei Estúpido. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005.

Como me Tornei Estúpido conta a história de Antoine, um jovem de 25 anos que leva uma vida modesta, gosta de filosofia, artes e tem amigos que o adoram. Desiludido e sabendo que admirar a simplicidade, a amizade e as artes não trará nada de vantajoso para si, resolve investir em sua idiotice.

Depois de fracassar ao tentar o alcoolismo e o suicídio, para finalmente curar-se da doença: a inteligência; tem a brilhante ideia de ganhar muito dinheiro. Determinado, consegue um excelente emprego na empresa de um velho amigo do tempo de escola, o Raphi, e com ele aprende as artimanhas do mundo dos negócios. Simplesmente, esquece-se dos livros, do cinema, da filosofia que tanto adorava e era profundo conhecedor e dos queridos amigos: Ganja, Charlotte, Aslee e Rodolphe. Ganha muito dinheiro, aprende a investir na Bolsa para duplicar sua fortuna, compra carro importado e muitos utensílios de última moda que nunca usará. Antoine vira um exemplo, um homem de sucesso, invejado e, enfim, aceito pela sociedade. Porém, entre doses de Felizac, remédio para deixá-lo na estupidez, e a realidade, Antoine se torna uma criatura vulnerável de sua inteligência e espírito crítico, e a volta à vida de antes se dá num momento mágico, inspirador e surrealista.

O escritor francês Martin Page escreveu o livro após ter lido o Eclesiastes – cuja autoria é atribuída a Salomão por muitos relatos se corresponderem aos da sua vida – que conta a história de um filósofo em conflito existencial, comenta sobre suas desilusões e do materialismo epicureu de que não há nada melhor que o gozo carnal dos prazeres mundanos.

O livro de uma leitura agradável nos induz a profunda reflexão sobre a superficialidade da sociedade, dos sentimentos e da vida que levamos. Aparentemente simples, irônico e recheado de piadas que produzem inúmeras risadas, é na verdade uma grande bofetada na cara ao mostrar que o verdadeiro valor é saber apreciar as minúcias do cotidiano, coisas a que não damos valor, como um dia de outono, os pássaros, as flores ou um amor simples e verdadeiro, que para tal efeito, Page em certos momentos abusa dos detalhes.





Os desafios da autopublicação

(Este é o segundo artigo de uma série sobre publicação independente na era digital. Para ler o primeiro texto: Publicação independente ontem e hoje)

Frustrações iniciais


Assim como a maioria dos escritores, o meu sonho também já foi o de ser publicado comercialmente. Ao concluir o meu segundo romance, “O Rei dos Judeus”, perfiz a via crucis do autor iniciante: imprimi suas 200 páginas, tirei 3 fotocópias, pus num envelope e mandei para quatro editoras.

Três responderam rapidamente, recusando o original. A Cia das Letras, por exemplo, conseguiu a proeza de responder-me em uma semana, ou seja, das 200 páginas, não devem ter lido nem dez. Por sua vez, a Rocco demorou onze meses para enviar uma resposta, igualmente negativa.
As rejeições, que para alguns autores podem chegar às centenas, fazem parte desta etapa inicial de inserção no mercado. Daquele momento em diante, confesso que fiquei um pouco descrente com a possibilidade de ser “descoberto” em meio a outros milhares de autores que, como eu, também enviavam seus livros para serem avaliados. Aliás, até hoje duvido que a leitura de manuscritos seja o principal processo de seleção de novos autores; pode até acontecer, mas as chances devem ser muito pequenas para valer a pena o tempo e o dinheiro investidos.

O que me restava então?

Eu mesmo publicar meus livros. Fiz orçamentos com várias gráficas, mas o custo era surreal. Para uma tiragem de mil exemplares, seria necessário desembolsar três mil reais. Convenhamos que, para um investimento sem perspectivas de retorno, isto é queimar dinheiro.

Seria necessário vender 100 livros a R$ 30 para recuperar o dinheiro gasto. Para um autor iniciante, vender 100 livros é tão insólito quanto vender 100 mil. Se ninguém conhece o seu talento, ninguém se interessará em conhecer; é o ciclo oposto do sucesso, no qual, quem vende mais, vende mais porque vende mais.

Excluídas as duas opções mais óbvias, restou-me dedicar ao que me parecia ser o mais promissor: o blog.


A internet como forma de autopublicação

Publicar significa “tornar público”. Neste sentido, pouca diferença faz em ter um livro publicado, um blog, ou um distribuir na esquina os textos impressos em folha sulfite; tudo isto são formas de publicação, de tornar público o seu trabalho literário.
Poucos autores darão valor a outras formas de publicação se desconsiderarem o princípio básico da literatura — ser lida por alguém.

Desde os primórdios da civilização ocidental, o importante para os escritores/narradores era chegar a seu público, estivesse ele num anfiteatro na Grécia Antiga, estivesse ele na sala duma família burguesa, estivesse ele diante da tela dum computador.

A remuneração foi, por muito tempo, um problema periférico. Vários escritores tiveram de dividir seu tempo entre uma outra ocupação e a Literatura; em alguns casos, até conseguiram sobreviver das Letras, mas sob extrema penúria, enquanto alguns poucos, especialmente durante o século XX, chegaram a fazer fortuna com a escrita. No Brasil, o primeiro a autor a viver exclusivamente de direitos autorais foi Érico Veríssimo, isto apenas na década de 1930.

Este fato nunca comprometeu a qualidade da escrita, nunca significou um demérito para os autores — inclusive, alguns dos mais influentes escritores da modernidade não obtinham renda alguma da escrita, tais quais Franz Kafka e Fernando Pessoa —; apenas recentemente que viver da escrita, ou enriquecer através dela, se tornou uma meta, uma proposta de carreira.

A existência do “escritor profissional” é recente, e aparentemente terá vida breve, se depender da internet.

Por isto que o retorno a uma escrita descompromissada, livre da necessidade monetária me atraiu. Através do blog, eu poderia tornar público meus textos — contos, crônicas, críticas cinematográficas —, sem a mínima necessidade de me enquadrar em parâmetros mercadológicos, sem o compromisso de produzir algo vendável.

No entanto, o número de leitores era relativamente pequeno, isto até 2007.


Ficção X não-ficção

Sempre ouvi relatos de que obras de não-ficção costumam fazer mais sucesso do que ficção. As razões para isto me parecem evidentes: vivemos numa era utilitária, tudo precisa ter uma serventia, o conhecimento precisa ser aplicado em alguma função.

A ficção é inútil por sua própria natureza. Por mais que retrate a realidade, ou apresente problemas sociais, ou instigue mudanças, pelo fato de não ser verídica, ela não tem a mesma serventia que uma obra de não-ficção, que visa estar de acordo com a verdade.

Em 2007, criei o blog “Nova York para Mãos-de-Vaca” (http://www.maosdevaca.com), para falar de coisas baratas na cidade. De maneira espontânea e inusitada, o blog se tornou um sucesso e, um ano depois, virou um livro.

Nenhuma outra obra literária minha chegou nem perto da repercussão deste blog, nem antes, e, por enquanto, nem depois.

Foi mais ou menos nesta época que conheci a lulu.com, uma editora sob demanda que caiu como uma luva para minhas necessidades como autor. Nesta editora, bastava você carregar os arquivos com o texto que o seu livro estava publicado. Não há estoques, não há tiragens iniciais, não há gasto algum para o autor. Simplesmente, o leitor acessa o sítio, encomenda o livro, eles imprimem e mandam pelo correio para a casa do comprador. Melhor, impossível!

E o mais surpreendente para mim foi que, apesar de todo o conteúdo do livro estar disponível de graça no blog, em um ano o guia havia vendido mil exemplares, sendo que 70% ou 80% deles haviam sido de exemplares digitais (e-books).

“Se houve tanta procura, não teria sido melhor tê-lo publicado por uma editora comercial?”, você me pergunta.

Talvez, e até houve um editor que se mostrou interessado. Todavia, numa editora comercial, o autor ganha 10% do preço de capa, ou seja, se um livro custa 30 reais, o autor ganha 3 reais, sendo que o restante do valor se esvai na distribuição, para a livraria, em impostos e para a editora.

Já no caso do autor independente, e este é o meu caso, o lucro inteiro é meu, já que fui eu quem preparou a diagramação do livro e sou eu quem negocia, às vezes, com o comprador. O e-book do guia é vendido a 12 reais, ou seja, para ter o mesmo lucro por uma editora comercial, eu precisaria vender 4 mil exemplares, o que é um número considerável.

Por fim, ao estar à frente da publicação, fica a meu critério quando atualizar o livro, quando aumentar ou reduzir o preço, quanto do conteúdo eu posso distribuir gratuitamente, ou seja, tudo relacionado ao meu livro está sob meu poder de decisão.

E este modelo pode ser reproduzido para ficção?

Possivelmente, mesmo que eu ainda não tenho conseguido. Até o momento, na minha experiência pessoal, a repercussão e o sucesso do meu livro de não-ficção em comparação às minhas obras de ficção reproduziu, em menor escala, a dinâmica do mercado editorial.

Quase todos os meus romances estão publicados independentemente, do mesmo modo que o meu guia de viagem, porém as tentativas de torná-los rentáveis não deram certo e, atualmente, todos eles estão disponíveis de graça na internet.

A não-ficção envolve a questão de credibilidade do autor, no entanto, isto não é tão fácil de se estabelecer para a ficção. Para saber se um autor duma obra de referência sabe do que está falando, basta investigar sua formação e de onde ele está falando, mas para se certificar se um autor de ficção possui competência, é preciso ler a obra inteira, às vezes, várias de suas obras, e este é um esforço que poucos leitores estão dispostos a empreender para um autor desconhecido.


As dificuldades (e algumas soluções) da publicação independente

Assim, a publicação independente reflete exatamente o que ocorre na publicação comercial: não-ficção de autores com credibilidade costuma vender muito mais do que ficção; e ficção de autores desconhecidos tende a encalhar nas prateleiras, isto até estes autores atingirem determinado grau de notoriedade.

Perceba que não estamos realizando nenhum juízo de valor, como se publicação comercial fosse melhor do que a independente, ou vice-versa; estamos apenas falando em magnitude. Uma grande editora comercial tem acesso a canais de distribuição que o autor-editor independente não tem, como livrarias, bancas de jornais e revistas, supermercados, etc. Além disto, a mídia costuma acolher com maior descrença obras independentes, principalmente porque por detrás duma editora comercial há uma equipe interessada em promover seus livros, assessores de imprensa e de marketing.

A dificuldade de distribuição é o calcanhar de Aquiles da publicação independente. Se a obra não chega ao leitor/comprador, é muito improvável que consiga atrair atenção para si.
É neste ponto que a internet acaba servindo como a maior aliada do autor autopublicado.

As editoras comerciais utilizam a internet de maneira pouco eficaz, por enquanto. Para estas editoras, a internet possui o papel simples e único de uma livraria virtual. Você, leitor, acessa o catálogo online da editora, procura seu livro de interesse e o compra, repetindo quase o mesmo procedimento que faria numa editora física.

Mas o autor independente tem de fazer da internet não apenas a sua livraria, mas a sua vitrine. É através dela que ele pode vender seus livros, mas também é através dela que ele estabelecerá sua reputação como escritor e criará vínculos com seus leitores.

O que eu percebo é que ainda há um certo menosprezo quanto a capacidade de um blog cativar leitores, mas já temos alguns exemplos de autores que se lançaram na internet para depois chegarem ao mercado editorial.

Já no meu caso, o grande problema é encontrar o caminho para me estabelecer como autor independente, sem a necessidade de considerar uma editora comercial como Meca literária.

“É possível consolidar uma carreira literária independentemente do mercado?”, é a pergunta que proponho, ainda sem ter muita certeza de qual é a resposta.





terça-feira, 18 de agosto de 2009

A faixa branca

Joaquim Bispo

Ah, a Irlanda! – a ilha que tem o permanente verde dos campos na bandeira. Há quem diga que a faixa alaranjada no outro extremo da bandeira é a cor do uísque. Ah, os pubs, a festa, a herança celta. E a faixa branca, a meio, significa o quê – pureza?
Um relatório agora divulgado revela que durante sessenta anos – desde 1930 até 1990 –, pelo menos duas mil crianças carenciadas, que tinham sido acolhidas por instituições religiosas católicas, foram objecto de violência e abusos sexuais. O facto choca, sobretudo porque os acontecimentos tiveram lugar em abrigos infantis, reformatórios e orfanatos geridos pela Igreja Católica, largamente maioritária no país. Pensamos sempre que os homens e as mulheres da Igreja estão, tendencialmente, acima dos «pecados» da carne, só porque o potentado religioso que os enquadra a isso aspira, ou pelo menos apregoa. Grave erro: as pessoas que o integram são da mesma carne e pulsam com o mesmo desatino hormonal que as que festejam o corpo e a vida fora dos espaços religiosos. Refugiaram-se nas instituições católicas pelas mais variadas razões, quase nunca para renunciarem ao apelo das sensações lúbricas. Nem tal lhes é exigido. Mesmo aos padres, a Igreja proíbe-lhes o casamento, não pela subjacente implicação de mais difícil acesso ao sexo mas – diz-se – por um mais prosaico programa de evitar o forçoso sorvedouro de bens, necessários para alimentar e vestir cônjuge e filhos.
Não é a Igreja que faz os pedófilos; também nas instituições governamentais sucede o abuso. O ambiente colectivo nos locais de acolhimento, onde os mais velhos dispõem de ascendente sobre aqueles que estão à sua guarda, proporciona a oportunidade adequada às práticas do pedófilo. A proximidade, o espírito de ajuda, de protecção, cria, por vezes, aquela intimidade perturbadora a que o pedófilo não resiste. A evolução é progressiva. Um dia, ajuda a criança a vestir-se, sente-lhe o morno da pele, a suavidade do cabelo; outro dia, observa-lhe a cor límpida dos olhos, a forma germinante dum corpo a meio caminho da floração; recorda o seu próprio corpo e as emoções perturbadoras da puberdade, às vezes, como um adulto o iniciou nessas emoções. Aos poucos, sobrevém a oportunidade de masturbar a criança. Quer desvendar-lhe esse mundo maravilhoso, que o seu corpo encerra, onde reside um prazer insuspeito. Ele próprio segue o que entende como o desejo da criança, que chega a perceber como uma provocação ao gozo mútuo. Desencadeia e deixa-se enredar, consciente e maliciosamente, numa crónica teia de relacionamento furtivo, sabendo que é um comportamento censurável, a esconder, um segredo para dois. Sente na criança uma aceitação e uma ausência de reprovação que, apenas em algumas raras vezes, julgou encontrar na aproximação a outros adultos, mas que sempre redundou em rejeição e dor. Chega ao sexo oral e à penetração.

A criança gosta de quem mostra querer-lhe bem, de quem a defende nas inúmeras situações de controlo e poder que surgem numa instituição com muitas crianças desenraizadas. Às vezes, encontra nesse adulto o amigo que a ouve e lhe afasta as inquietações. Fica perturbada com as sensações que o adulto ensinou o seu corpo a proporcionar-lhe, aceita responder às carícias como retribuição pedida e justamente merecida. Não domina o jogo das relações sociais; mesmo quando se sente desconfortável, evita denunciar quem sempre parece querer-lhe bem. Afinal, os outros adultos estão emocionalmente muito mais afastados. Sente que é culpada de ter ido tão longe, tem dificuldade em dizer «não». Envergonha-se; sabe como tais situações, quando reveladas, são motivo de escárnio. Isola-se e tenta sobreviver até um dia sair da instituição.

Vamos a contas: no referido período, passaram pelas 250 instituições em causa, entre 30000 e 40000 crianças. No inquérito realizado nos últimos dez anos, 2000, algumas com mais de cinquenta anos, declararam ter sofrido abusos de vários tipos. Outras terão já morrido, certamente.
«Ah, o horror! Inaceitável!», dirão alguns, alarmados com os números. «Danos colaterais. Inevitáveis.», dirão outros, argumentando que se fossem só estas 2000, estaríamos a falar do valor «confortável» de apenas 2 ou 3 crianças abusadas, por instituição, por ano.

Há tanta coisa inaceitável que temos de engolir, infelizmente, desde a miséria nos bairros periféricos das grandes cidades, à invasão arrasadora de países soberanos. Em todas essas situações, há inocentes apanhados nas redes da animalidade humana e traídos pelo bocejo da indiferença social ou internacional. É tão difícil alertar as pessoas, embrenhadas nos seus pequenos problemas. E, mesmo quando alguém para para pensar, o máximo que sente é uma sensação angustiante de impotência. E vai desforrar-se no frigorífico…

Não se sabe o que desencadeia as tendências pedófilas. Nem sempre os abusadores foram abusados, nem sempre os abusados se transformam em abusadores. Há pedófilos violentos, mas, a maior parte das vezes, são apenas o que a palavra indica: gostam mesmo de crianças. Não aceitam que o que fazem é prejudicial à criança, que representa um abuso, uma humilhação que a vai acompanhar pela vida inteira. Se tiverem oportunidade – e é impressionante como são atraídos por relações, actividades e profissões que os aproximem das crianças – vão repetir comportamentos pedófilos, Pelas crianças, que serão adultos magoados, a sociedade tem o dever de tentar minorar as oportunidades de acesso dos pedófilos às crianças, seleccionando criteriosamente quem lida com elas e mantendo uma observação activa sobre o funcionamento dessas instituições. Para que as Irlandas deste mundo sejam apontadas apenas pelos bons motivos: belas paisagens e bom uísque.





Adolescentes (não) lêem

Marcia Szajnbok e Amanda Szajnbok de Faria
Adolescentes não lêem. Essa frase feita era repetida há trinta anos, quando a suposta culpa pelo afastamento dos jovens das páginas literárias era a televisão. As décadas foram passando e a tecnologia se sofisticou. Hoje, quem está no banco dos réus são os jogos eletrônicos, o computador, a internet, os chats.
Quando me deparo com esse tipo de afirmação, adolescentes não lêem, sempre me pergunto de quais adolescentes, afinal, estão falando. Por que nós todos, adultos que agora escrevemos e lemos esta e outras revistas literárias, e que produzimos blogs ou participamos de oficinas, nós já fomos também, há mais ou menos tempo, adolescentes. E líamos.
Além disso, nos últimos anos, a literatura mundial conheceu um fenômeno chamado Harry Potter que, a despeito de quaisquer discussões que questionem seu valor como obra literária em si, teve o grande mérito de conduzir milhares de jovens em todo mundo às portas das livrarias para, ávidos, comprarem o mais novo volume da série. Esse fenômeno, pude observá-lo de perto, não como leitora, mas como mãe de leitores. E, a propósito do tema, dei a palavra a uma dessas milhares de criaturas sub-vinte que, contrariando preconceitos, lê sim, lê bastante, aliás, e tem o que dizer acerca do que lê. Em resposta à minha pergunta, o que é que te faz ficar interessada num livro?, minha filha me entregou um texto, que reproduzo aqui:

Quando se trata de literatura juvenil, o primeiro livro que me vem à cabeça é o famoso Harry Potter. O bruxinho tem sua história contada em sete livros e conquistou fãs no mundo todo. Um dos aspectos mais interessantes do personagem é que Harry não é o mocinho, tem suas falhas e seus lados obscuros e isso o torna mais real. Além disso, J.K. Rowling soube equilibrar romance e experiências adolescentes comuns com um pouco de aventura, que nos deixa com vontade de saber o que vai acontecer com o bruxinho e seus amigos. E é possível interpretar o texto de inúmeras maneiras, escolhendo pra quem torcer: Harry ou Voldemort. É interessante o fato de que o bem e o mal não estejam tão fortemente separados. J.K. Rowling criou um garoto normal, mas venceu o mal com ele.
Por outro lado, Crepúsculo e seus sucessores têm a linha entre bem e mal bastante clara, até que se apresenta um vampiro que se apaixona por uma humana. A história cativou várias garotas ao redor do mundo por causa do romance impossível e do conflito interno de Edward, o ser aparentemente perfeito. Stephanie Meyer colocou um pouco de aventura, mas o assunto que mais arrecadou fãs foi, com certeza, o vampiro que queria ser bom. Milhares de garotas se apaixonaram por Edward e não perderam um livro da saga. A história prende porque a autora soube trabalhar o mistério e a sensualidade em sua história muito bem.
Existem também os vários diários que atraem outras milhares de garotas que de alguma forma se identificam com a personagem que relata sua vida para as leitoras. Em Diário da Princesa, Diário de Débora, Diário de Tati etc., durante toda a história, a personagem principal passa por momentos desagradáveis, comuns a todas as jovens, mas no final ela acabará encontrando uma solução, cresce, amadurece e aí o livro acaba. Para todas que fazem essa leitura, existe aquela esperança de que seus próprios problemas tenham solução, é um tipo de terapia.
O último dos livros juvenis que vale a pena comentar é a coleção Desventuras em Série. O livro é divertido de ler, é escrito como se um pesquisador contasse a história infeliz dos três órfãos; mas, de alguma forma, ele está relacionado com o que acontece, e quando se lê, se começa a questionar a relação entre Lemony Snicket e a história exageradamente trágica dos três irmãos, como se o escritor fosse um dos personagens. No meio das aventuras há memórias e alguns delírios do personagem-escritor, e só mais perto do fim é que se consegue conectar tudo. Os onze livros prendem a atenção, e cada vez que um acaba não se pode esperar para ler o próximo. Nesses livros, o aspecto de Mocinhos versus Bandidos, assim como em Harry Potter, não é tão claro. É mais fácil acreditar e se envolver em histórias onde não há a perfeição, onde existem os dois lados da moeda, e é principalmente por isso que o livro dá aquela sensação de que não se consegue largar dele, e só se percebe que horas são ao ver o sol bater na janela!





Repaginando as Havaianas

Havaianas eram coisa de pobre, na época em que eu era criança.

Todo menininho de periferia ou do interior usava uma, quando mais detonada, melhor. Para muitas pessoas, era o único calçado na vida: pedreiros, lavradores, camelôs, todos caminhavam sobre Havaianas.
Lembro-me muito bem de quando corríamos — e criança sempre está correndo, mesmo que não haja razão — e, subitamente, algum de nós ficava para trás. Era a tira da Havaiana que havia se soltado, então, o piá agarrava a chinela e, com uma maestria de anos de experiência, reinseria a tira e voltava a correr.
Isto quando a tira já não havia se rompido muito tempo antes, e fora substituída por uma de outra cor, provavelmente de algum outro par que, talvez, havia se arrebentado pela metade na sola, outro problema comuns com tais chinelos.

As Havaianas também eram um sucesso nas partidas de futebol.
Quem precisa de uma luva de goleiro quando tem um par de Havaianas?
Bastava encaixar o chinelo nos dedos da mão e se jogar para agarrar a bola sem medo das espalmadas.

E qual moleque no interior nunca perdeu uma de suas Havaianas ao saltar um riacho ou se enfiar no banhado? Meter o pé num lodaçal era o fim definitivo do chinelo, mas logo ele apareceria com o pé de outro tamanho ou cor, emprestado do pai, da irmã, ou encontrado esquecido na beira (ou boiando) num córrego.
Pois Havaiana era quase um bem coletivo, passava de pés em pés, usava-se para tomar banho e evitar o choque no registro do chuveiro, para ir à praia e se encontrava em qualquer lojinha popular.
Eram tão queridas, que surgiram as imitações, a ponto que foi preciso criar o slogan: "Havianas, as Legítimas. Não deformam, não soltam as tiras e não têm cheiro", o que era uma baita de uma mentira, pois eu já tive amigo cujo chulé empesteava até as Havaianas.

Mas os tempos mudaram e as modelos brasileiras levaram este patrimônio nacional para o "estrangeiro". Estarrecidos, os gringos admiraram a tecnologia simples e eficaz das Havaianas e se tornou uma febre.
As Havaianas foram "repaginadas" (para acompanhar a palavra da moda) e do pé da piazada e do chão batido passaram para os das celebridades e lojas da Quinta Avenida.
Hoje, ter uma Havaiana é uma necessidade, é um artigo da moda, é in, é cool.

Se antes as Havaianas só tinham 8 cores (porém, eu só me lembro de três, da azul marinho, da vermelha e da preta), hoje elas tem milhares, quiçá milhões de diferentes tonalidades e estampas. Não basta mais ter apenas um chinelo, tem de combinar com o resto da roupa.

Amanhã será aniversário de uma amiga americana e, sem hesitação, minha esposa decidiu por comprar uma Havaiana para ela. Não há erro! É um dos símbolos do Brasil.

No entanto, cuidado! As Havaianas não são para qualquer um...
Se é um menininho raquítico ou uma modelo esquelética, tudo bem, mas, no verão passado, apareceram algumas reportagens nos EUA sobre o perigo de se usar Havaianas: é que uma gorda americana havia passeado a tarde inteira sob sol escaldante e, no fim do dia, estava com os pés todos assados.
Os telejornais advertiam sobre os riscos destes chinelos.

E é neste momento que surje o maior dos paradoxos: o americano almeja socar seu pé gorducho numa Havaiana a qualquer custo, enquanto que o sonho de muito brasileiro é ter um Nike, que é tão barato nos EUA que até os mendigos usam um.
Pelo menos, o Nike realmente nunca solta as tiras, e você nunca verá um rapazinho do Harlem tendo de parar de correr para arrumar seu tênis, nem perderá seu Nike no banhado...





Brasiléiros e Brasiléiras

Volmar Camargo Junior


— Qual é a melhor recordação que você tem do tempo em que o Sarney foi presidente?

— Da poupança que eu tinha no Bamerindus. Cheguei a ter cento e cinquenta milhões de cruzados.

— Nossa! Tudo isso? E o que fez com esse dinheiro todo?

— Dei de entrada num par de chuteiras Kichute. Terminei de pagar no dia que o Ulysses anunciou que ia se candidatar, em 89. O que eu devia na loja de calçados dava para comprar um Fusca.

— E pagou como?

— Troquei o carnê com um cabo eleitoral do Collor.

— E você votou nele?

— Claro que não. Votei no Lula.

— Você não tinha medo da “ameaça socialista”?

— Até tinha, mas eu ficava tão emocionado com aquela musiquinha... “Brilha uma estrela... Lula lá!”...

— Tá, mas e o Sarney?

— Que tem ele?

— Não lembra de nada do governo dele?

— Ah! Claro. Lembro do dia que ele virou presidente.

— Virou?

— Sim. Lembro do Antônio Britto, porta voz do governo, veio dizer que o presidente eleito, o Tancredo, não ia poder comparecer à cerimônia de posse teve a infelicidade de morrer antes. Aí, o vice, Sarney, virou presidente. Depois disso, nunca duvidei de mais nada.







segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Como o camelo ganhou sua corcova

Rudyard Kipling
trad.: Henry Alfred Bugalho

Agora esta é a próxima história, de como o camelo ganhou sua grande corcova.

No começo dos anos, quando o mundo era ainda novinho em folha, e os animais ainda estava começando a trabalhar para o Homem, havia o camelo, e ele vivia no meio de um uivante deserto, porque ele não queria trabalhar; e, além disto, ele próprio berrava. Então, ele comia gravetos, espinhos, tamariscos, asclépias e acúleos, numa excruciante ociosidade; e quando alguém falava com ele, simplesmente respondia "Uma ova!" Apenas "Uma ova!", e nada mais.

Depois, o cavalo veio até ele, numa manhã de segunda-feira, com uma sela sobre suas costas e com um freio na boca e disse:
— Camelo, ó Camelo, venha e trote como o resto de nós.
— Uma ova! — disse o camelo; e o cavalo foi embora e contou ao Homem.
Depois, o cão veio até ele, com um graveto na boca, e disse:
— Camelo, ó camelo, venha, apanhe o graveto e o carregue como o resto de nós.
— Uma ova! — disse o camelo; e o cão foi embora e contou ao Homem.
Depois, veio o boi até ele, com o jugo em seu pescoço e disse:
— Camelo, ó camelo, venha e lavre como o resto de nós.
— Uma ova! — disse o camelo; e o boi foi embora e contou ao Homem.

No final do dia, o Homem chamou o Cavalo, o Cão e o Boi e disse:
— Os três, ó vocês três, sinto muito por vocês (com o mundo tão novinho em folha). mas aquela coisa-de-uma-ova no deserto não consegue trabalhar, ou ele já estaria por aqui, então vou deixá-lo em paz, e vocês devem fazer hora-extra para compensá-lo.

Isto deixou os três muito bravos (com o mundo tão novinho em folha), tiveram um longo circunlóquio, e uma indaba, e um punchayet, e um pow-wow num canto do deserto; e o Camelo veio, mascando asclépia na mais excruciante ociosidade, e riu deles. Então, ele disse “Uma ova!" e foi embora de novo.

Depois, apareceu o gênio encarregado de todos os desertos, deslizando sobre uma nuvem de poeira (gênios sempre viajam deste jeito, porque é mágica), e parou para circunloquiar e pow-powar com os três.
— Gênio de Todos os Desertos — disse o Cavalo — é correto alguém ser ocioso, com o mundo tão novinho em folha?
— Certamente que não — disse o Gênio.
— Bem, — disse o Cavalo — há uma coisa no meio de seu Deserto Uivante (e ele próprio berra) com um pescoço longo e com pernas longas, e ele não fez uma tentativa de trabalhar desde a manhã de segunda-feira. Ele não trota.
— Uau! — disse o Gênio, assoviando — este é o meu Camelo, por todo o ouro da Arábia! O que ele responde?
— Ele diz “Uma ova!” disse o Cão; e ele não apanha o graveto nem o carrega.
— Ele diz alguma coisa a mais?
— Apenas “Uma ova!”; e ele não lavra — disse o Boi.
— Muito bem — disse o Gênio. Vou ová-lo, se vocês gentilmente aguardarem um minuto.

O Gênio subiu na sua manta de poeira, atravessou o deserto e encontrou o Camelo na mais excruciante ociosidade, fitando o próprio reflexo numa poça d’água.
— Meu amigo comprido e ruminante — disse o Gênio — o que é isto de não querer trabalhar, com o mundo novinho em folha?
— Uma ova! — disse o Camelo.

O Gênio se sentou, com o queixo apoiado na mão, e começou a pensar numa Grande Mágica, enquanto o Camelo fitava o próprio reflexo numa poça d’água.

Esta é a imagem do Gênio fazendo o princípio da Mágica que trouxe a corcova para o Camelo. Primeiro, ele desenhou no ar uma linha com seu dedo, e ela se tornou sólida: E então ele fez uma nuvem, e então ele fez um ovo — você pode ver a ambos na parte inferior da figura — e então uma abóbora mágica que virou uma grande chama branca. Então o Gênio pegou seu leque mágico e abanou a chama, até que a ela se tornasse uma mágica por conta própria. Era uma mágica boa e, na verdade, era uma mágica muito gentil, apesar de ela ter dado ao camelo uma corcova porque o camelo era preguiçoso. O Gênio encarregado de todos os desertos era um dos gênios mais legais, então ele nunca faria algo realmente cruel.


— Você deu trabalho extra aos três desde a manhã de segunda-feira, tudo por causa da sua excruciante ociosidade — disse o Gênio; e ele continuou pensando em mágicas, com seu queixo apoiado na mão.
— Uma ova! — disse o Camelo.
— Eu não diria isto novamente se fosse você — falou o Gênio — você já disse isto demais. Ruminante, quero que você trabalhe.
E o Camelo disse “Uma ova!” de novo; mas assim que o disse, ele viu suas costas, das quais tinha muito orgulho, inchar e inchar numa grandessíssima ova saliente.

Esta é a imagem do Gênio encarregado de todos os desertos, conduzindo a mágica com seu leque mágico. O camelo está comendo um ramo de acácia, e ele havia acabado de dizer “uma ova” vezes demais (como Gênio o havia dito), e assim a ova está surgindo. A longa coisa entoalhada crescendo da coisa como uma cebola é a mágica, e você pode ver a ova sobre o ombro dele. A ova se encaixa na parte plana das costas do camelo. E camelo está ocupado demais fitando sua própria beleza na poça d'água para saber o que está acontecendo com ele.

Sob a imagem verdadeira está a imagem do mundo novinho em folha. Há dois vulcões fumegantes nele, algumas outras montanhas e algumas pedras, um lago, uma ilha negra, um rio sinuoso e um monte outras coisas, bem como uma Arca de Noé. Não pude desenhar todos os desertos dos quais o Gênio era encarregado, então só desenhei um, mas este é o deserto mais desértico.



— Você vê isto — disse o Gênio — Esta é a sua própria ova que você trouxe sobre si mesmo por não trabalhar. Hoje é quinta-feira, e você não fez trabalho algum desde segunda, quando o trabalho começa. Agora vamos trabalhar.
— Como posso — disse o camelo — com esta ova nas minhas costas?
— Isto é de propósito — disse o gênio — tudo porque você perdeu os outros três dias. Você poderá trabalhar agora por três dias sem comer, porque você pode viver da sua ova; e não diga que nunca fiz nada por você. Saia do deserto e vá até os três, e se comporte. Mexa-se!
E o camelo se mexeu, ova e tudo o mais, e foi se juntar aos três. E desde aquele dia, o Camelo sempre carregar uma ova (nós chamamos “corcova” agora, para não ferir seus sentimentos); mas ele nunca conseguiu recuperar aqueles três dias perdidos no começo do mundo, e ainda não conseguiu aprender como se comportar.

A corcova do camelo é um feio calombo
Que no zoológico você pode bem ver;

Mas mais feia ainda é a corcova

Que ganhamos por pouco fazer.

Crianças e gente grande também

Se pra fazer nada tem,
Ganham uma corcova —

Camélica corcova —

Preta e azul corcova!


Levantamo-nos da cama com os cabelos despenteados

E com uma voz desafinada.
Trememos, emburramos, resmungamos, rosnamos
Para nosso banho, nossas botas, nossos brinquedos.


E deve haver um limite para mim

(E sei que para você também)

Quando ganhamos uma corcova —

Camélica corcova —

Preta e azul corcova!


A cura pra todo o mal é não ficar parado.

Ou descansar com um livro diante da lareira;
Mas pegar um rastelo e uma pá também;

E cavar até você gentilmente transpirar;


E então você descobrirá que o sol e o vento,

E o gênio do jardim também,

Retiraram a corcova —

A horrível corcova —

A preta e azul corcova!

Eu ganho uma também, assim como você —
Se eu não tiver o bastante pra fazer —
Todos ganhamos uma corcova —

Camélica corcova —
Crianças e gente grande também!


Fonte: http://www.boop.org/jan/justso/camel.htm

Biografia
Joseph Rudyard Kipling (Bombaim, 30 de dezembro de 1865 — Londres, 18 de janeiro de 1936) foi um autor e poeta britânico.

É mais conhecido por seus livros "O Livro das Selvas" (1894), "The Second Jungle Book" (1895), "Just So Stories" (1902), e "Puck of Pook's Hill" (1906); sua novela, "Kim" (1901); seus poemas, incluindo "Mandalay" (1890), "Gunga Din" (1890), "If" (1910) e "Ulster 1912" (1912); e seus muitos contos curtos, incluindo "The Man Who Would Be King" (1888) e as compilações "Life's Handicap" (1891), "The Day's Work" (1898), e "Plain Tales from the Hills" (1888).

É considerado o maior "inovador na arte do conto curto"; os seus livros para crianças são clássicos da literatura infantil; e o seu melhor trabalho dá mostras de um talento narrativo versátil e brilhante.

Foi um dos escritores mais populares da Inglaterra, em prosa e poema, no final do século XIX e início do XX. O autor Henry James referiu: "Kipling me impressiona pessoalmente como o mais completo homem de gênio (o que difere de inteligência refinada) que eu jamais conheci." Em 1907, foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, tornando-se o primeiro autor de língua inglesa a receber esse prêmio e, até hoje, o mais jovem a recebê-lo. Entre outras distinções, foi sondado em diversas ocasiões para receber a Láurea de Poeta Britânico e um título de Cavalheiro, as quais rejeitou. Ainda assim, Kipling tornou-se conhecido (nas palavras de George Orwell) como um "profeta do imperialismo britânico"]. Muitos viam preconceito e militarismo em suas obras, e a controvérsia sobre esses temas em sua obra perdurou por muito tempo ainda no século XX. De acordo com o crítico Douglas Kerr: "Ele ainda é um autor que pode inspirar discordâncias apaixonadas e seu lugar na história da literatura e da cultura ainda está longe de ser definido. Mas à medida que a era dos impérios europeus retrocede, ele é reconhecido como um intérprete incomparável, ainda que controverso, de como o império era vivido. Isso, e um reconhecimento crescente de seus extraordinários talentos narrativos, faz dele uma força a ser respeitada".

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rudyard_Kipling





domingo, 16 de agosto de 2009

Casal moderno


Eles se viram pela primeira vez no Orkut da Marcinha. Vasculharam um os álbuns do outro. Ele ficou doido ao ver a foto dela na piscina. Ela gamou no “quem sou eu” dele. Ele a adicionou e vice-versa.

Passaram a participar de algumas comunidades em comum. Publicavam comentários nos mesmos posts, eram seguidores dos mesmos blogs. Se encontraram até no Twitter. Partilharam linkedins, facebooks, fotologs, myspaces e afins.

A primeira briga aconteceu no MSN. E a reconciliação veio no Youtube. Ele publicou um lindo vídeo com fotos dela. Quebrou o gelo na hora.

Mas, no dia seguinte, mais uma briga. Dessa vez, via torpedo. Foi fatal. Ela bloqueou o MSN dele e excluiu o nome dele no Orkut. Estava definitivamente acabada a relação dos dois. Uma pena. Tinha tudo para dar certo. Se eles pelo menos tivessem se tocado...

Para ler os textos anteriores da autora, clique aqui





sábado, 15 de agosto de 2009

Entrevista com Selène D'Aquitaine

Selène D'Aquitaine é o pseudônimo de Adriana Barbosa, uma jovem que começou a escrever aos doze anos, quando teve uma doença que a obrigou a ficar de recuperação por um ano. Publicou o primeiro romance, "Diário de Rabiscos", aos quinze anos, e o segundo livro, "O Jardim das Rosas Negras", um romance de Fantasia, aos 17.

http://www.mademoiselle-bleau.com/

Entrevista
1 - Selène D'Aquitaine é um pseudônimo ou um heterônimo? É a criadora, ou uma criatura?

Selène - Selène D'Aquitaine é um heterônimo criado especialmente para eu assinar meus livros. Eu escolhi esse nome, pois gosto muito da sua sonoridade e da sua escrita. Eu também escolhi esse nome, pois queria algo que combinasse com os meus livros.

2 -Você tem se dedicado ao gênero de Fantasia. Como você percebe a influência do cinema, de filmes como "O Senhor dos Anéis" e "Crônicas de Nárnia" naquilo que você escreve?
Você acredita que o cinema contribui para também nos aproximar dos livros que deram origem ao filme? O que a levou para a literatura de Fantasia?

SD - "As Crônicas de Nárnia" é das séries de livros que eu mais amo. Nárnia já me serviu de inspiração para criar um novo mundo, um mundo de criaturas mágicas e seres superiores. O cinema ajuda a gente a "visualizar" a história do livro, e sim, acredito que as vezes o cinema nos aproxima dos livros. Porém, o livro sempre é melhor que o filme, contudo é legal quando você leu um livro, imaginou toda a história na sua mente e depois você assiste no cinema a tudo aquilo que você leu e imaginou.

Desde pequena, eu sou fascinada pelo mundos mágicos, seres místicos e sempre sonhei em criar as minhas próprias histórias. Às vezes, eu me imaginava nesses mundos. A Fantasia explora nossa imaginação de um jeito muito louco. Uma coisa é você imaginar um gato preto, outra coisa é você imaginar um gato rosa, esquelético, com rabo de coelho e olhos de água.

3 - Como é o mundo de O Jardim das Rosas Negras? É um mundo alternativo, em que os personagens não tem contato com o "nosso mundo", como a Terra-Média, ou um mundo paralelo, como Nárnia, em que os personagens viajam "deste mundo" para "aquele mundo"?

SD - Em "O Jardim das Rosas Negras" a história se passa em um mundo alternativo. Lá há seres como fadas, bruxas, gnomos, e até mesmo humanos. Eles convivem juntos, seres mágicos e seres não-mágicos, porém eles não possuem um contato íntimo com o "nosso mundo".

4 - Como é o processo criativo de seus romances? Você cria primeiro o cenário e depois narra as histórias ambientadas nele, ou cria-os à medida que a narrativa progride?

SD - Primeiro a ideia vem na minha mente. Depois eu faço um pequeno resumo com os pontos principais da história. A partir disso eu escrevo a história propriamente dita. Porém, a maior parte da história eu vou criando a medida que a narrativa progride. O resumo que eu faço é uma base. Eu também faço uma lista de nomes dos personagens para cada livro que eu escrevo. Isso ajuda muito.

5 - Dizem que, no início da carreira de escritor, é natural imitarmos o estilo de nossos autores preferidos. Você concorda com isso? E, se concorda, quem são os escritores que a inspiram - e que, indiretamente, ajudam-na a escrever?

SD - Sim, acho que as vezes um escritor novato acaba imitanto seus autores preferidos. Eu, por exemplo, tenho meus autores favoritos: J.K Rowling, C.S Lewis, Philip Pullman, Juliet Marillier. O mais favorito de todos é o Philip Pullman. Adoro o modo como ele desenvolve a narrativa, descreve um certo ambiente e as emoções dos personagens.

6 - Qual tem sido a maior dificuldade na sua carreira literária? Quais são os seus projetos futuros? Você tem algum projeto literário em outros gêneros que não sejam Fantasia? Caso sim, como você se prepara para ele (leituras, autores, oficinas literárias)?

SD - A maior dificuldade tem sido a divulgação. Muitas pessoas vão nas livrarias e não encontram os meus livros expostos nas lojas, apenas por encomenda. Os livreiros, acredito, só estão aceitando expor os livros dos autores conhecido e, em geral, estrangeiros.

Meus projetos futuros: estou trabalhando em uma trilogia sobre mundos paralelos. O primeiro volume já está pronto, estou escrevendo o segundo volume. Eu também penso em fazer contos que de romance, não necessariamente Fantasia. Também penso em trabalhar com roteiros de teatro, novela e pesquisas históricas.

7 - Como é sua relação com as editoras?

SD - A relação é muito boa, eu e o meu editor, Luís Carlos Fanelli somos muito amigos. Ele foi a primeira pessoa a acreditar e apostar nos meus livros e no meu talento.

8 - Você considera o fato de ser escritora uma habilidade que faz parte de sua vida, ou será este o seu ofício, a sua profissão? Qual o papel da literatura em sua vida?

SD - Ser escritora é tudo para mim, é trabalho, compromisso, dedicação, e sim, profissão. A literatura é a minha vida, a minha arte, meu ofício. A literatura também é o modo pelo qual eu procuro ajudar as pessoas, atrávez dos meus livros, dos meus personagens.

9 - O fato de começar a escrever - e publicar - tão cedo lhe dá maior segurança na hora de preparar um livro? Ou você sente uma pressão maior? Sua precocidade literária é um atrativo na hora de divulgar seu trabalho?

SD - Na verdade, o fato de ser precoce não me intimida muito; aliás ajuda, ainda mais na hora da divulgação.

10 - Em seu blog, há a expressa proibição para aqueles que quiserem copiar seus textos. Plágio, violação de direitos autorais, pirataria: este é um assunto que a preocupa? Como você vê o futuro da literatura na era digital?

SD - Sim, roubo de textos me preocupa um pouco, afinal é o meu trabalho, a minha ideia, minha vida. Se um texto não está registrado, protegido e alguém o roubar... fica difícil para o autor original provar sua autoria. Não sei se a literatura tem futuro na era digital... talvez sim, afinal hoje em dia o mundo esta ficando cada vez mais informatizado. Livros são eternos, na minha opinião. É muito bom tocar na capa de um livro, virar as páginas, apertá-lo junto ao peito e poder levá-lo na bolsa para qualquer canto.

11 - Também em seu blog, você menciona as suas amigas como sendo a fonte de inspiração para as personagens de Diário de Rabiscos. O que elas, as suas amigas, acharam de se "verem" em uma obra de ficção?

SD - Elas adoraram! Sentiram-se lisonjeadas pelo homenagem! Minhas amigas sentiram-se importantes e amadas.

12 - Costuma-se afirmar que os brasileiros, especialmente os jovens, não possuem o hábito da leitura. Você, como uma jovem escritora, compartilha desta opinião? Qual é a relação de seus amigos ou colegas de escola com a leitura?

SD - Isso depende. Os jovens, pelo menos pelo que eu observo, possuem certas preferências em relação a literatura. Acho que os jovens de hoje em dia não costumam ler o suficiente, ou então ficam apenas com os livros que estão na moda. Muitas vezes um jovem lê um livro de qualquer jeito, apenas passando os olhos pelas páginas. Ele não compreende, de fato, a história, o contexto, o conflito das personagens... Lê sem realmente prestar atenção. Porém há jovens que são amantes dos livros. E são até muitos esses jovens, eu acho. No meu grupo de amigo tem gente que lê muito e tem gente que lê pouco, assim como na minha escola. Tem gente que gosta de ler e tem gente que não gosta de ler.

Nós da Revista SAMIZDAT agradecemos a Selène D'Aquitaine pela entrevista.





sexta-feira, 14 de agosto de 2009

As Amaranthas




Quando ainda não nos preocupávamos em conter o tempo em ampulhetas, caos e ordem se imbricavam na tessitura do mundo que, por isso, ainda cabia na Poética-palavra do Primeiro Criador. Hoje, porém, as palavras sussurram entre si, segredando, a falibilidade da pretensa Ordem imposta pelos aparatos tecnocratas dos Elfos Menores e eu, que as ouço dizer, devo contar a você.

Elfos Menores têm um vazio em forma de sensatez: toda vez que os dentes de um Vampiro cravam em um pescoço élfico, para levá-lo da vida à não-vida, nosso mundo se confunde com o dos Vampiros – perdemos um Nobre para ganhar um nobre-amaldiçoado.

Criaturas feitas do caos na união de extremos dicotômicos, valeram-se dessa intimidade para controlá-lo pela ordenação em tempo-palavra: diz-se que escondido no espaço que há entre as palavras e as coisas, construiu pequenas máquinas capazes de sonhar uma ordem e impô-la ao mundo.

São ampulhetas cujos grãos, que na inércia se ordenam, retornam ao caos e se reorganizam conforme a dança de quem as sacode: suspensos os limites entre-coisas, mergulham o mundo numa correnteza sem-tempo em que as coisas se confundem, indefiníveis, para com sua força defini-las.

Dizem, em palavras que só o vento pode levar, que são quatro as ampulhetas que, com sua força, são capazes de mover o tempo: chamamo-las de Amaranthas. Quatro para um equilíbrio perfeito; quatro para que se mude o tempo sem deixar memória...

Na ausência de uma das ampulhetas, falhas se espalham pelo plano, e ele pode ser percebido, tal qual o vidro-trincado que se deixa perceber. Três ampulhetas desequilibram um círculo cuidadosamente planejado e arquitetado. Duas ampulhetas nada fazem sem que os olhos Maiores os vejam. E uma ampulheta nada mais é do que uma ampulheta. Quatro ampulhetas: uma para cada Raça Maior, ou as quatro para um único Elfo Menor. O que as Amaranthas mudam, uma Amarantha retoma. Se são quatro, a ampulheta maior. Se forem três, a ampulheta errante. Se forem duas, a errante maior.

Resolvemos confiar as Amaranthas a almas boas de elfos preparados e escolhidos pelo próprio Conselho Supremo, autoridade maior entre os elfos; quatro, um da cada Raça Maior élfica, para guardar, controlar e utilizar, caso fosse preciso, as Amaranthas.

Eis que fora criada ‘A Ordem das Amaranthas’: de 49 em 49 anos, os representantes sacerdotais de cada uma das quatro grandes linhagens élficas se encontrariam para atualizar o tempo divino no mundo pela apresentação dos escolhidos para os Endeusados e para os demais sacerdotes.

Deixaríamos os anos passarem sem que os demais habitantes de Nea conhecessem a existência dessas ampulhetas, porque poderiam ambicioná-las, ou enlouquecer sobre a idéia incontestável de que não passavam de fagulhas de caos ordenadas ao sabor de quem as pode dominar.

Fechou-se, então, um contrato entre os céus e os sábios Elfos, que se comprometeram a controlar essa maldição. Esconderíamos as quatro ampulhetas, para que aos Elfos Maiores coubesse usá-las; e torceríamos para que as usassem com sabedoria, ou que, com mais sabedoria ainda, não as usassem. Mas não foi bem assim que as coisas fluíram...





quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Esmeralda, Jade e Rubi

Em tempos que já lá vão, num país que fica muito, muito longe, vivia o homem que sabia quase tudo. Como ele sabia muitas coisas, as pessoas faziam-lhe imensas perguntas. E ele respondia sempre com as respostas certas. As pessoas ficavam muito admiradas com tal sabedoria - chamavam-lhe o Senhor SABE TUDO.

Sabia quantos são dois mais dois e quarenta mais sessenta e até mil milhões mais mil milhões. Sabia os nomes de todos os rios e aves e peixes e animais. Conhecia todas as terras, todos os príncipes e reis e rainhas e princesas.

Ele vivia numa pequena casa feita de pedra que ficava no cimo do monte e tinha para companhia um gato branco de longos bigodes, um cão pequeno de pelo curto, castanho e um papagaio amarelo. Era pequenino, com cara redonda, barba comprida e um grande nariz. Falava baixo e estava sempre sorridente, parecia muito feliz.

Quando as pessoas chegavam para fazer perguntas o cão dava saltos, erguia as orelhas e dizia “ão, ão”, o gato corria para esconder-se e o papagaio gritava alto e bom som “Ó da casa, ó da casa”.

Nesses tempos que já lá vão e país que fica muito, muito longe vivia também um Rei forte e poderoso. Ele habitava um palácio belo e grande no cimo de uma alta montanha. E era tão grande, mas tão grande o Palácio, que tinha (imaginem) dez mil e uma salas.

Existiam salas para as várias estações e a da Primavera, bem colorida e alegre, destacava-se pela sua beleza. Existiam as salas dos sentimentos e a da Amizade era de todas a mais bonita. Existiam também salas para a maior parte dos animais e plantas conhecidos.

Apesar de serem muitas as riquezas e maravilhas, a maior alegria do velho Rei eram as suas três filhas, às quais tinham sido dados nomes de pedras preciosas. Esmeralda, a mais velha possuía olhos verdes e longos cabelos negros e era como o silêncio da noite e a elegância da garça. Jade, a do meio, pequenina, de cara redonda e olhos brilhantes, enchia de alegria toda a casa. Rubi, a mais nova e preferida do pai, tinha cabelo vermelho e olhos pequenos azuis claros.

O tempo passou e as princesas mais velhas casaram – primeiro Esmeralda, depois Jade. Só faltava a mais nova. Por fim, a vez dela iria chegar e marcou-se o baile para o primeiro dia de Verão. Viriam pretendentes dos mais variados pontos do mundo. Todos estavam entusiasmados ocupando-se com os preparativos.

Era noite e chovia muito lá fora. Ao longe ouviam-se os sons dos trovões e podiam ver-se os relâmpagos. De repente, bateram à porta: Toc, toc, toc. Era uma velhinha vestida com um manto cinzento. E estava molhada. Debaixo do capuz, os olhos eram negros como duas grandes azeitonas. A pele era enrugada. Pediu que lhe dessem uma sopa e um pouco de pão e a abrigassem ali até ser de manhã.

O Rei, que não estava muito bem disposto nesse dia porque a sua equipa de futebol tinha perdido, recusou a ajuda. Ora, acontece que a velha era nem mais nem menos que uma bruxa má e poderosa. E logo ali fez o seu feitiço:

“Como não quiseste ajudar-me, vou tirar-te aquilo que mais gostas. Mas irei dar-te uma oportunidade: Todos os anos, no primeiro dia virei aqui à tua porta fazer três perguntas. Se conseguires responder certo a todas elas, então devolverei a tua filha querida.”

E, dizendo isto, largou uma risada e desapareceu. O Rei mandou chamar Rubi mas, por mais que procurassem em todas as dez mil e uma salas, não conseguiram encontrar a princesa.

Ficou inconsolável e mandou arautos a todos os pontos do reino. Quem soubesse onde se encontrava a princesa receberia dez mil moedas de ouro. Ao fim de dois meses, todos voltaram sem novidades. O baile foi cancelado e o velho rei passou a viver quase não saindo da sala da Tristeza.

O tempo passou até que chegou a primeira noite de inverno. O som forte da chuva foi interrompido pelo bater no portão: Toc, toc, toc. Era a bruxa e fez saber que estava ali para as perguntas. Quando o rei chegou e não conseguiu responder, ela não quis saber dos choros e pedidos. Disse: “Para o ano que vem estarei outra vez. Por isso, prepara-te”

O Rei, não sabendo bem o que fazer, mandou chamar todos os seus conselheiros. Mas as ideias que eles apresentavam eram más. Desesperado, mandou chamar o Bobo da Corte. Como toda a gente achava que o bobo era muito burro, ele era o único que ainda não tinha sido consultado.

“Senhor, uma prima da minha mulher ouviu falar de um homenzinho muito sábio. Lá na terra todos lhe chamam o Sabichão. Talvez ele possa ajudar”

O Rei, que já tinha tentado tudo o que podia, decidiu que não custava nada tentar mais aquela solução. Enviou os emissários para trazer o sábio. Dois dias depois, ele chegou.

Esperava um senhor de lunetas e ar importante. Por isso, quando viu o anão de cara rosada a rir, acompanhado do pássaro, do cão e do gato, perguntou ao conselheiro se tinha a certeza, se era mesmo aquele o sábio.

Mas acalmou-se quando soube do plano que iriam seguir. Passaram-se os dias e o Rei já não estava tão triste pois acreditava que a ideia iria funcionar. Finalmente, chegou a altura, a noite das perguntas e, quando a velha tocou, o Sabichão, vestido com vestes de criado foi abrir a porta.

“Onde está o teu senhor?” disse a bruxa

“O meu senhor está na cama, doente. Mas mandou que viesse eu responder às perguntas. Se não te importares…” disse o Sabichão

A bruxa desconfiou um pouco mas olhou para o aspecto do homem. Com o cão e o gato e o papagaio empoleirado no ombro. Parecia um boneco. De certeza que não ia conseguir responder. Então mostrou um pequeno saco e fez a primeira pergunta

“Estás a ver este saco? Quero que me digas quantos grãos de areia estão dentro dele”

O Sabichão olhou para ela e disse: “Está bem. Mas para isso vou ter de lhe pegar”. Tirou o saco das mãos da velha e abriu-o. Então, encheu a mão uma, duas, três vezes, atirando a areia para o chão. Finalmente, virou o saco ao contrário, despejando toda a areia restante. Respondeu

“O teu saco tinha exactamente quatro mãos cheias de grãos de areia”.

A bruxa fez uma careta. Estava contrariada. Era a primeira vez que alguém conseguia responder aquela pergunta. Mas à próxima questão ele não iria conseguir responder. Perguntou

“O que é que existe quando é escondido e desaparece quando o mostram?”

O sabichão ergueu o nariz e fez um ar pensativo. Pensou, pensou até que disse

“Já sei. É fácil. É o segredo. Quando mostramos um segredo ele deixa de ser segredo”

Desta vez a bruxa fez uma cara ainda mais feia. Estava mesmo arreliada. Mas sabia que era quase impossível responder à próxima questão. Então disse

“Se me responderes certo a esta última pergunta, liberto a Princesa. E a pergunta é… O que é que eu estou a pensar?”

Aí o sabichão deu uma gargalhada e disse

“Ora. Essa é muito fácil. Estás a pensar que eu sou um criado do Rei. Mas não sou. Eu sou o sabichão do reino”

Nesse mesmo momento, a bruxa desapareceu como que por artes mágicas e apareceu no seu lugar a princesa. Estava mais bela que nunca e muito feliz porque tinha sido salva ainda a tempo de ver a novela das sete.

O sabichão foi premiado com um baú cheio de moedas de ouro e foi nomeado “Conselheiro Mor” do Reino, o que significa “conselheiro mais importante do reino”.

O baile realizou-se exactamente no primeiro dia do verão e a princesa conheceu o príncipe dos seus sonhos. Seis meses depois, casaram e foram de lua-de-mel para as Caraíbas.