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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Água e Sangue

Photo by Tima Miroshnichenko from Pexels

 

Água e sangue, era o que Estevão tinha na mão naquele momento.

Limpou com um lenço de papel, apressadamente. Sentia-se gelado, com gotas de transpiração fria a perlar-lhe a fronte.

Olhou em volta para os restantes passageiros do avião que o transportava para Nova Iorque, completamente alheios ao seu drama pessoal. Até mesmo o homem gordo sentado na outra fila, para além do lugar vazio a seu lado, dormitava, a cabeça caída sobre o jornal.

Tornou a tossir, mas desta vez para um lenço de papel, que também se manchou de carmim. Engoliu em seco, olhos esbugalhados, fitando incrédulo o conteúdo do papel, que rapidamente amarrotou, enojado e colocou no saco de vómito. Encostou a cabeça para trás tentando controlar a respiração acelerada, enquanto tinha a sensação de que o estômago iria rebentar a qualquer momento.

Que estava a acontecer? — Perguntava-se, prestes a entrar em pânico. — Nunca antes se sentira mal durante uma viagem de avião… o pequeno-almoço no hotel foi normalíssimo. Claro que a tensão em que vivera nos últimos dias… particularmente no último, pode explicar a dor de estômago, a azia e o enfartamento, mas não o sangue na expetoração. Ele sempre fora saudável.

Gradualmente, a respiração voltava ao ritmo normal, enquanto relembrava o objetivo da sua viagem. Finalmente as coisas iam correr bem para ele. Tinha pena de não ter Irene consigo, mas ela estava a tornar-se um peso e os súbitos acessos de consciência estavam a preocupá-lo. Manteve os olhos fechados enquanto lembrava a discussão da noite anterior no quarto do hotel:

***

— É que nem te importaste com o Bernardo, que conheces há tantos anos! — Irene, o longo e fino roupão mal tapando o corpo bem torneado, de que disfrutara pouco tempo antes, apontava-lhe um dedo acusador. — Deixaste-o ficar com as culpas, não eram amigos?

— Amigos, é uma força de expressão, que queres? — Replicou Estevão, voltando-lhe as costas e atirando para o ar um gesto contrariado. — Ele era o segurança, via-o todos os dias e cumprimentava-o… daí a sermos amigos… não lhe fiz mal, nem nada.

— Ele tem mulher e filhos. De certeza perdeu o emprego e pode até ser preso. — Insistiu ela. — Enganaste-o!

— Não sei porque é que estás com esses pruridos todos. — O homem enervou-se e quase lhe gritou aos ouvidos. — Ele também estava disposto a fugir com o dinheiro. Queria lá saber da mulher e dos filhos!

— E por isso, não tiveste problema nenhum em enganá-lo e deixá-lo fechado naquele armário até que chegasse a polícia. — Irene empurrou-o. — Também não tiveste nenhuns escrúpulos em deixar a tua própria mulher e o teu filho "que amavas tanto".

Estevão virou-lhe as costas novamente e dirigiu-se para a janela.

— E o Ferreira que tanto confiava em ti? — Ela não desistia. — Esse sim era teu amigo, por isso deixava-te fazer a contagem do dinheiro sozinho e assinava como se contasse. — Irene pousou os olhos no chão. — Como se sentirá ele agora, sabendo-se enganado, sabendo a forma como te apropriaste do dinheiro e sabendo que vai ter de explicar aos patrões onde estava ele, enquanto tu fugias com o resultado das apostas. Não precisavas de ter escondido aquele dinheiro no carro dele, estava "entalado" que chegasse.

— Nós fugíamos! Nós! — Ele pôs-se ao pé dela de um salto e agarrou-a pelo braço com violência. — Nós, roubamos aquele dinheiro! O Ferreira, o Bernardo, a mulher dele e a minha, foram todos baixas necessárias para atingir o NOSSO objetivo.

— Ainda bem que referes que somos NÓS! — Ela sacudiu-o com violência e tirou um saco de viagem do armário, que atirou para cima da cama. — Vamos pegar nessa mala que levas avidamente para todo o lado e dividir o NOSSO dinheiro! Não vá acontecer alguma coisa…

Estevão abriu a boca para expressar o seu desacordo, mas ela nem olhou para ele, apenas despejou para cima da cama os molhos de notas cuidadosamente cintados.

Dividiram aquela pequena fortuna em silêncio e Irene começou a arrumar a sua parte no compartimento falso da mala de viagem.

— É assim que queres estar comigo? — Rouquejou ele. — Com esta desconfiança?

— E eu posso confiar em ti? — Perguntou Irene. — Traíste tudo e todos… eu serei a próxima, quando te der jeito. Não querias dividir o dinheiro e dormias praticamente com a mala debaixo de ti… queres falar de confiança? — Ela cravou os olhos verdes nos castanhos dele. — Eu não fiz isto por dinheiro, fi-lo por ti, para estar contigo! Estava cega! Estava preparada para passar a vida a fugir, sempre a olhar por cima do ombro, mas de mão dada contigo. Tenho estado a aperceber-me nestes dias que o teu único amor é o que tens aí nesse saco, eu sou apenas a gaja que te ajudou e com quem dás umas quecas.

— Hipocritazinha de m** — Enfureceu-se Estevão. — Tens muita pena dos tansos, mas queres a tua parte! Leva-a e depois desaparece-me da vista. Amanhã de manhã no aeroporto vou trocar o meu bilhete, segue para a Venezuela, eu vou para onde me levar o vento. Espero que sejas feliz. — Torceu a boca com desprezo nestas últimas palavras.

— Por mim, podes ir para o inferno! — Atirou ela, raivosa.

— Irei, descansa. — Confirmou Estevão, a voz quase sumida. — Esperarei lá por ti, se chegar primeiro.

***

Agora, ali sozinho, naquele imenso avião cheio de passageiros, sentia falta dela. A dor lancinante que lhe mordeu o estômago, justificou as lágrimas que verteu. Deixou-se cair de cabeça no assento vazio enquanto relembrava as últimas horas no aeroporto… não precisava ter feito aquilo…

Naquela manhã, assim que chegaram ao terminal, foram tomar café, como dois bons amigos. Sentados na sala de espera, Irene comportava-se como se aguardasse que ele dissesse algo, mas ele estava furioso, não lhe perdoava a desconfiança e… a obrigação de lhe entregar a parte dela. Irene tirou da mala duas pequenas garrafas de água e deu-lhe uma delas com um sorriso triste. "Ficamos assim?" Interrogou. Ele bebeu dois longos golos e atirou a garrafa para o recipiente de reciclagem, ao mesmo tempo que se erguia. "Não tens o que querias?" Acusou, antes de se despedir com um "Fica bem!".

Todo interior do avião parecia estar com as cores alteradas, ardia-lhe a boca e a garganta e sofreu novo ataque violento de tosse.

A última coisa que fizera no aeroporto, após trocar o seu bilhete, foi um telefonema duma cabine. De longe, ficou a apreciar o espetáculo, quando as autoridades rodearam Irene e a manietaram. Não estava perto o suficiente para poder disfrutar do rosto dela quando os agentes abriram a mala e encontraram, não a quantia que ela tinha posto lá, mas apenas a parte que ele deixara; o suficiente para a incriminar.

"Livrara-se dela e dera-lhe uma lição!" Ele sorriu, mas foi incapaz de conter um vômito sanguinolento sobre o tecido da cadeira onde pousava a cabeça.

Tentou erguer-se, mas tudo parecia andar à volta. A hospedeira aproximou-se e olhou-o horrorizada, com a quantidade de sangue ele tinha na camisa e nas mãos. Gotas copiosas, vermelhas, corriam do nariz e dos olhos. Confuso, meteu a mão ao bolso à procura de um lenço e encontrou um envelope. Sem saber como lidar com a sua situação, dedicou a atenção ao achado e viu que tinha o nome dele, com a letra de Irene. Deixando dedadas rubras, abriu-o.

Lá dentro, havia um rótulo de raticida e um post-it onde ela escrevera:

"Só para saberes o que tinha a água que te dei. Sempre vais chegar primeiro ao inferno."



Manuel Amaro Mendonça

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sábado, 25 de setembro de 2021

Os pombos


É meio da manhã, numa cidade satélite da capital. Alguns transeuntes conseguem harmonizar o passeio do cão com as compras básicas do dia na mercearia da rua: pão, um saco de fruta, talvez uns iogurtes. Os retardatários passeiam canídeos em aflição urinária .

Boss, um labrador creme, e Gugu, um podengo malhado, encetam a análise do estado do mundo, depois de terem analisado o cheiro do rabo um do outro.

Estava à rasquinha — queixou-se Gugu. — A minha dona fica a ver séries pela noite adentro e eu é que me tramo. Estava a ver que fazia na carpete.

É uma chatice — concordou Boss. — O meu dono fica na Internet. Gosto muito dele, mas acho que não me dá o devido valor. Se não fosse eu, ficava fechado em casa e nem tinha coragem de meter conversa com a tua dona.

Sim, nós somos mais que úteis; somos indispensáveis às pessoas. Valemos cada tigela de ração que comemos. Sai-nos do corpo, em distribuição de carinhos, em dedicação, em melhoria da auto-estima deles.

Dando voltas largas e consecutivas sobre a praceta próxima, um bando de pombos faz o primeiro treino diário, depois de ter acomodado o papo com migalhas que tinham ficado espalhadas do dia anterior.

No rés-do-chão do 14, abria-se entretanto uma janela e uma mulher na casa dos sessenta atirava uma carcaça rija em pedacinhos para a calçada de pequenos “paralelos” de calcário. Os primeiros pombos não demoraram mais de cinco segundos a pousar e a iniciar a debicagem enérgica do pão. Toda a pequena nuvem de pombos, num momento, estava a debicar e a competir pelo pedaço maior. Provavelmente, o grupo tinha vigias de atalaia, atentas a possíveis distribuições de comida, nas janelas habituais. Para alguns, a prioridade ia para a corte às fêmeas, arrulhando o habitual “rutututu-rutututu” ou o mais refinado galanteio “ouh-ouh-ouh”, que soava a grande e agradável assombro.

Aqueles é que a levam boa, já viu? — observou Boss. — Vêm sabe-se lá donde, vivem todos ao molho, passam o dia por aí sentados à sombra a acasalar ou a voar, e não precisam de ganhar a comida. Há sempre algum totó que lha dá.

E daqui a bocadinho estão a sujar tudo. Olhe, já começaram. Agora é no chão; mais logo é carros, é candeeiros, é parapeitos de janela, é tudo. Só sabem fazer porcaria. Já viu as doenças que isto pode causar? Deviam era ir cagar lá prá terra deles!

Agora inspiraram-me. É só um bocadinho, que já venho.

Dito isto, Boss, alongando a trela, afastou-se para o meio do relvado contíguo ao passeio, deu duas ou três voltas sobre si próprio, já de patas traseiras abertas e traseiro esticado e, depois de evidentes esforços, largou meia dúzia de rolos pastosos e fumegantes. Logo a seguir, aliviado, começou a raspar com firmeza as patas na relva e preparava-se para voltar à conversa com o amigo, mas este já se aproximava e fazia uma análise fecal sumária.

O que é que você anda a comer, meu amigo? Isto cheira lindamente. Não me diga que lhe andam a dar bifes!

Não, nada disso! — riu-se o outro. — É ração do hipermercado; mas da cara. Sabe a croquetes de vaca, com uns toques de guisado de frango. O meu dono não se poupa a despesas comigo.

O dono de Boss, para não ficar mal visto perante a vizinha, desenrolou um saco plástico que trazia no bolso, enfiou-lhe a mão direita e, com cuidado, para não esmagar aqueles rolos mornos, foi-os catando um a um, tendo o cuidado de não deixar cair os que já iam enchendo a mão. Com a outra mão, virou o saco do avesso e deu um nó. Daí a pouco, iria largá-lo no caixote do lixo aplicado no poste elétrico.

Ah, desta vez, apanhou o cocó — continuou Boss. — Às vezes, finge que não tem saco ou que eu não fiz nada. Mas, aqui para nós, mesmo com uma ou outra falha, sempre somos mais limpos do que os pombos, não acha? Deviam arranjar maneira de lhes diminuir o número. Eu não digo matá-los, que eu não sou racista. Aliás, já desisti de correr atrás deles — escapam-se sempre.

Podiam dar-lhes anticoncecionais, já que não é fácil apanhá-los para os caparem, como fazem connosco — concordou Gugu. — É que não é só as cagadelas. Esta corja está cheia de piolhos. Há dois meses, a minha dona teve de me pôr uma coleira contra os parasitas. Eu sei lá se não eram piolhos? É que a minha tigela está na varanda e, de vez em quando, lá está a corja de volta dela. Roubam-me a ração e deixam os piolhos.

Naquele momento, já quase todos os pombos tinham partido, talvez a beber água junto a um torniquete de rega do jardim. Posta a conversa em dia, os donos dos cães despediram-se e também abandonaram o passeio.

No dia seguinte, o dono de Boss levou-o à rua mais cedo. A conversa com a vizinha no dia anterior tinha-lhe dado algum entusiasmo. Logo após o xixi, Boss passou a vasculhar os recantos do relvado. Junto à parede, percebeu um cheiro convidativo e avistou algo que parecia comida. Preparava-se para o provar, quando sentiu uma picada no flanco direito. Virou-se zangado e quase apanhava o patife de um pombo, que, pelos vistos, se tornara demasiado atrevido e queria competir com ele por comida. Voltou para apreciar o petisco, mas, desta vez, a dor foi violenta: uma bicada no escroto fê-lo ganir. Pousado na relva, a pouca distância, o pombo cinzento, irisado de verde no papo, olhava-o, em pose de desafio. Correu para ele, mas o pombo saltou e voou para pousar logo a seguir a um arbusto. Boss, determinado a apanhá-lo, foi atrás dele, mas, quando chegou atrás do arbusto, estacou. O pombo cinzento, muito direito, estava pousado junto à cabeça de outro acastanhado, estirado e visivelmente morto. Do bico, escorria um muco azulado e, logo ali, um pedacinho de algo muito parecido com o petisco que Boss havia pouco se preparava para comer.

Por um momento, encarou o pombo cinzento, a raiva a cair a pique, um sentimento de gratidão a crescer. Sem saber como agradecer, baixou o olhar e afastou-se.

Daí a bocado, quando a dona de Gugu o trouxe à rua e ele encaminhava a conversa para as queixas habituais contra os malandros e desocupados que só sabiam acasalar, voar, debicar e defecar, a conversa de Boss era outra.

Não diga isso dos pombos, meu caro! A mim, não me incomodam. Temos de ser tolerantes com o modo de vida a que, em certa medida, estão coagidos. Não sabemos se um dia vamos precisar uns dos outros. Por alguma razão os homens os põem nos altares. E, olhe, tenha atenção: andaram a pôr comida envenenada por aí. Não coma nada que encontre, mesmo que tenha um ar apetitoso.


Joaquim Bispo

*

Imagem: Autor desconhecido, Casas pintadas, painel a fresco, séc. XVI.

Fundação Eugénio de Almeida, Évora.

Foto de jaime.silva

* * *






quinta-feira, 23 de setembro de 2021

VALENTIM

 



 

Acomodava-se sempre na última carteira, no canto da janela. Apartado, quieto, de olhar disperso. Não participava da aula, mas também não atrapalhava. Alheado. Estudava ali havia muitos anos, morava no bairro. Aluno de desempenho sofrível, sempre apresentando imensa dificuldade de aprendizagem. Mas era de paz. Sem qualquer esforço, ganhara a afeição de todos.

Valentim não faltava, não cabulava aula. Era quase sempre o primeiro a chegar ao portão da escola. Madrugador. De aspecto bem cuidado, uniforme impecavelmente limpo. Com trajes nem sempre novos, mas asseados. Nas reuniões de pais, a figura que se apresentava era a avó materna. Infalivelmente. Também muito calada, retraída, mas atenta. Sentava-se nas cadeiras da frente, acompanhava com devotada atenção tudo que era falado. Apesar do desgaste dos anos, trazia semblante sereno, olhos mansos.

Um dia, o portão foi aberto e Valentim não estava lá. Estranho.  E, naquele dia, a carteira do fundo, no canto da janela, permaneceu vazia. Francisco, professor de Português, percebeu. A ausência se estendeu pela semana. Apareceu, dias depois. Abatido, ainda mais silencioso, totalmente absorto. Encabulado, desgostoso. Perguntado sobre as faltas, tentou falar, gaguejou, desdisse. Não queria tocar no assunto.

Francisco não se contentou. Percebia que havia alguma anormalidade, Valentim aparentava embaraço, deixara de ser apenas retraído. Estava aflito. Difícil era a aproximação. Fechava-se feito ostra. De repente, o menino passou a dormir durante as aulas. Debruçava-se sobre a carteira e ali ficava. Imóvel. Muitas vezes, encostava a cabeça no rebordo da janela, cerrava os olhos, ressonava. Ninguém bulia com ele. Era respeitado pela distância que sempre impusera.  Parecia viver só, sem amigos.

Na reunião de pais, Francisco aproximou-se da avó de Valentim. Ressabiado, meio sem jeito, cheio de dedos, perguntou se havia algum problema, se o neto enfrentava alguma moléstia, explicou que o achava debilitado. O olhar da avó não tinha a mesma mansidão, os olhos ficaram marejados, mostravam cansaço. Por um minuto, Francisco acreditou que ela fosse contar alguma coisa, mas, ligeira, disfarçou, refutou qualquer prosa.

A partir dali, com a atitude da avó, a suspeita do professor se consolidou: Valentim precisava de ajuda. Falaria com ele. No dia seguinte, o menino não apareceu.

Francisco procurou o prontuário de Valentim, anotou o endereço e foi até lá.  Casa simples, um minúsculo jardim, organizado. A avó, assustada, encarou o professor. Eram olhos de súplica. Ela o levou para dentro. Calada. Não demorou muito, desatou a chorar. Disse que não sabia onde o neto se encontrava, que, havia algum tempo, ele não falava mais com ela, que se tornou estúpido, sem regras, sem horários. Não se alimentava direito, dormia fora de casa, e estava sempre alterado. Nervoso. O professor perguntou sobre os pais de Valentim. O rosto da avó ficou ainda mais sofrido. Muito encabulada, disse que a filha estava presa. Pela terceira vez. E o pior, que nem mesmo a filha sabia quem era o pai do menino. Um silêncio comprido se instalou. Francisco ficou chateado por não ter sabido disso antes. Deveria ter buscado informação entre os funcionários da escola. Se soubesse da história do menino, não precisaria ter provocado tanto constrangimento para a pobre senhorinha.

A avó percebeu que Francisco ficara chocado e, refeita, procurou desfazer o peso da situação. Timidamente, pediu ajuda. Sentia-se desorientada com a brusca mudança do neto. Queria entender, queria resgatar o convívio de antes. O professor, desassossegado, prometeu que tentaria ajudar, iria procurar desvendar o mistério. Se bem que, pela experiência de tantos anos na lida com adolescentes, sentia uma fagulha a lhe queimar o peito. A fagulha da certeza, da verdade que ele não queria enxergar. Dia melancólico.

Quando Valentim retornou, Francisco o chamou para uma conversa. Sentaram-se num banco, na parte distante e arborizada do pátio. O menino estava contrariado, apreensivo. Difícil o início da conversa. Ele se mantinha retesado, fizera uma blindagem para qualquer argumento. Foi um monólogo, um perguntar sem fim... Sem resposta. Ele só repetia: não preciso de nada. Nenhuma alteração foi percebida no semblante do menino. Saiu dali da mesma maneira que chegou. Apreensivo, blindado.

Francisco falara com muito amor. Fez as perguntas, argumentou. Queria que Valentim sentisse a preocupação que ele, professor, guardava no peito. Que soubesse que havia quem se preocupava com ele. Que ele entendesse a sincera disposição de ajudar, o verdadeiro carinho, afeição. Na verdade, queria que Valentim soubesse que não estava sozinho. Mas, terminada a conversa, sentiu que o menino não absorvera nada do seu mais profundo desejo.

Por um tempo, Valentim ficou afastado. Raras foram as vezes que retornou à escola. Depois, sumiu de vez. O professor continuava buscando notícias, mas nem mesmo a avó sabia do paradeiro.

Numa manhã, Francisco preparava-se para o início da aula e viu, no portão da escola, a figura definhada da avó do menino. Discretamente, ela acenava, desorientada. O professor foi ao encontro dela. Com seu modo reticente, muito abalada, explicou que a polícia estivera em sua casa. Que um corpo havia sido encontrado, que poderia ser Valentim. O corpo precisaria ser reconhecido. Trêmula, suplicou que ele fosse até lá, ela não tinha coragem para tanto.

Infelizmente, era ele.

                             

****************





segunda-feira, 20 de setembro de 2021

BICHOS





Uma formiguinha cruza minha caminhada carregando uma folha
oito vezes maior que ela. Parece um saveiro de uma vela só
ziguezagueando por um mar ajardinado, encontrando uma ou
outra embarcação do tipo, no sentido contrário.
Param, cochicham alguma coisa. Não deve ser nada importante,
porque as duas seguem decididas nos seus caminhos opostos.
Ou talvez uma informação fundamental para tocaram a vida,
cada uma na sua. Ou algum desaforo a ponto de não caminharem
juntas. Mas vou me fixar na primeira. Para onde vai tão esforçada?
Hora do almoço, claro. Em algum buraco, formiguinhas esfomeadas
rodeiam a mesa com guardanapo enrolado no pescoço e duas das tantas
perninhas batendo garfos e facas ansiosas pelo repasto que não chega.
Claro que não chega. A mãe não anda em linha reta e ainda cisma em
fofocar com outras iguais. Opa. Uma tenta roubar a folha. Tenso.
A que carrega não larga, a que quer carregar avança embolando
as patinhas, mas depois de um tempo relativo das formigas – talvez
uma Guerra de Cem Anos – a dona da vela verde consegue se desvencilhar
da pirata, que acelera em retirada sabe-se lá para onde.
Sinto que minha caminhada ganha ares de National Geografhic, ainda
mais que minhas lentes naturais percebem um cameleão na beira terracota
de uma jardineira salpicada de folhas secas, pensando que eu estou
pensando que ele é uma delas, tolinho, pensando que tolo sou eu.
E assim que me vê, dá uma meia volta fulminante
e se embrenha no que para ele é uma grande floresta tropical.
Imagino que lá dentro encontre farta fauna para se alimentar e
igarapés para se banhar, já que o rapaz da mangueira há poucos
minutos acabou de fazer chover naquele bioma.
Ih, o camaleão assustado assustou alguém. Lá de dentro voa uma
borboleta azul que rodeia meu caminhar, como se me comboiasse feliz
ou me pedisse ajuda para liquidar, tal um São Jorge salvador,
o Tiranossauro Rex que se apossou de seus domínios.
E retomo os passos firmes em direção à baixa curva glicêmica, quando
sinto algo no meu pescoço, a despeito do balançar ritmado do meu corpo,
desce à gola da camiseta fazendo cosquinha. Bom dia, joaninha.
Que lindo seu pijama. Bolinhas pretas sobre um vermelho sopa de tomate,
um biscuí que agora passeia pelos meus dedos diante meu olhar enfeitiçado,
distraído, a ponto de quase pisar numa minhoca se contorcendo de ponta
a ponta, como se quisesse descobrir de que lado está a cara.
Ao meu recuo súbito, a joaninha voa encantada, engolida pelo denso azul
de maio, mês de céu puro e temperaturas sensatas, tempo de caminhadas
mais que necessárias: contemplativas da vida e suas belezas acima
do bem o do mal. Como o beija flor que risca o vento, para no ar e faz
o que tem que fazer: beija uma flor.
Mas eis que um quero-quero me voa em rasante, esquivo do
golpe e compreendo a advertência: há ovinhos de quero-querinhos chocados
ali por perto e ái de quem se aproximar, mesmo que minha intenção não
seja de rapina.
Dado o recado. Hora de voltar. O infinito jardim cumpriu sua missão.
Abro a porta de casa e encontro um rabo em riste, acelerado como um
metrônomo alegro, e um focinho tenta me escalar com lambidas que se
dizem beijos. Nunca fui cachorreiro. Até passar a ser. Quando descobri
que os bichos vêm ao mundo para futucar a fantasia que doura a razão,
aquecer os afetos e ensinar pureza aos humanos.
Pena que alguns – ou muitos – teimam em não a aprender.





domingo, 19 de setembro de 2021

Do primeiro ao último

 


No primeiro instante, foi como um desgarrar ermo, distante, estéril. Minha mãe foi a única que desceu o batente e, correndo, tentou, com um choro aturdido e doído, me demover do destino. Pai quedou impassível, qual um pedaço de tronco morto, incapaz de pronunciar a última palavra – sim, pouco tempo depois morreu de “causa natural”. Meus irmãos já haviam ganhado o mundo. Sendo o mais novo, deveria seguir os seus passos – me sentia compelido a isso; uma força estranha me conduzia –, contrariando a vontade de mãe: “Meu filho, seus irmãos já foram. Você vai me deixar sozinha com o seu pai? Eu não vou aguentar”. Ou seria assim, ou não seria nada. Nenhuma ruptura é prudente e aceitável, pelo menos para quem fica. Uma légua e meia de caminhada me fez titubear. Se houvesse carro, ou qualquer transporte veloz, não teria tempo de pensar no fracasso. Tia Bernardina me esperava em Quixadá, para, logo, me despachar na rodoviária e me apresentar, como disse, “às bonanças de uma vida nova”. Ela atuava como um desses coiotes que fazem a travessia aos Estados Unidos. Pode acreditar, ela recebia para isso. Eu tive que liberar cerca de quatrocentos reais, dinheiro de hoje – a minha economia de uma vida inteira de pobreza –, para que ela comprasse as passagens e me arranjasse um lugar para ficar na cidade encantada, Fortaleza. De lá, eu não sabia nada, só que a vivência seria de muito trabalho, se quisesse mesmo sobreviver; senão, seria atropelado e morto pela realidade. Em 25 de março de 1980, cheguei abobalhado e feliz. Botei o pé direito no solo sagrado e me benzi. Um senhor corpulento, de nome Inácio, me levou para a rua Princesa Isabel, no centro da cidade. Na viagem, ele largou duas palavras no meu peito: “Você é louco, rapaz?!”; “Fortaleza está um caos!”. Ou seja, uma bela recepção, digna de um errante moribundo. Titia me alojou numa espécie de pensionato, onde morava a senhora Liduína, uma velhota sem filhos e sem marido, que alugava os cômodos para “cuidar” da vida dos fregueses, para ocupar o tempo ocioso e ganhar um trocado para o dia a dia. A velha avarenta contava os pães que eu comia; só eram permitidos, no máximo, dois por dia. A despesa da casa, com alimentação, era dividida pelos quatro hóspedes; ela não pagava nada. “Menino, é assim: sua tia pagou o primeiro mês, mas a partir de maio você deve pagar cento e cinquenta reais [dinheiro de hoje], mais as despensas da casa, rateada entre os quatro”. A soma dava, em média, duzentos e cinquenta reais por mês. De entrada, arrumei um serviço de faz-tudo numa vendinha. Limpava, organizava as mercadorias e fazia o trabalho que os gatos da vizinhança rejeitavam, o de espantar os ratos – muitos. O pagamento era in natura e variável; havia meses que eu recebia cem por semana, ou oitenta, e isso dependia do humor do patrão espezinhador. Fui me forçando à adaptação, algo muito duro para quem não tem coisa nenhuma. Como fazia falta o colo de mãe, o aconchego certo depois de um dia de labuta… Resolvi estudar, por insistência da minha irmã Jandira, que já morava em Fortaleza há pelo menos dez anos, casada, com filhos, que declarou, certa e segura, que havia um jeito de se livrar da pressão a que estava submetido: virando doutor. Apesar de não ter conseguido, ela disse que botava fé em mim. Estudava à noite, correndo o risco, vez ou outra, de dormir no relento, pois que, se chegasse depois das oito, a velha era capaz de me deixar do lado de fora. Felizmente nunca aconteceu, apesar das ameaças. Não tinha dinheiro que desse sequer para assistir a um filme no São Luiz, então o jeito era se escorar na porta, fazer cara de mendigo e esperar um trocado, até que juntasse o necessário para entrar. Foram, talvez, quatro ou cinco vezes que entrei assim. Adorava os filmes dos Trapalhões, E.T. e De volta para o futuro. Calhava meses impregnado com a maravilha, sonhando com o dia em que me tornaria ao menos ajudante do ajudante de limpeza do citado cine. A oportunidade veio quando contava com um ano e sete meses na Capital. Uma tremenda sorte; surgiu uma vaga para lanterninha, e eu agarrei com afinco, como se agarrasse um bote salva-vidas. Assisti de Indiana Jones a Cinema Paradiso. Maldita ou bendita a hora em que assisti ao belíssimo Cinema Paradiso. Eu me achava o próprio menino, o protagonista, um salvador da própria sorte. Foram anos de completa fantasia, preso à promessa de um final feliz. Não abandonei os estudos. Passei no vestibular para Odontologia, com a ideia ingênua de cuidar da minha dentadura, de confeccionar a minha prótese, já que, com o tempo da carestia e com a alimentação e a higiene desordenadas, havia perdido pelo menos meia dúzia de dentes. Em poucos meses, um anjo me socorreu, o doutor Alcimar. Professor e cirurgião dos bons, me pegou pelo braço e me ensinou as minucias da arte. O melhor de tudo é que eu não precisava me aperrear com o dinheiro fugaz, pois ele me pagava um salário razoável e ainda dava a alimentação. Nessa altura eu não estava mais no pensionato, e sim num alojamento independente, ligado à universidade. Para isso, eu não gastava um tostão; minha bolsa servia, praticamente, para comprar livros, materiais da faculdade e comida boa. Quatro anos e meio depois eu me formei e passei a trabalhar num novo consultório, no Palácio Progresso, o prédio mais lindo da cidade, ao lado do meu mestre e amigo Alcimar Rocha. Deslanchei e arrumei o meu espaço, angariando minha própria clientela, no bairro de Fátima – numa dessas, encontrei Anadir, que curou e somou flores; três filhos e um bocado imensurável de amor. Bem, a leitora deve se perguntar sobre o porquê dessa história condensada, feita em retalhos mal-amanhados. Meu filho Marcelo me pedia insistentemente para contar a minha trajetória, através de um livro. Em que pese ser dono das minhas horas, tempo me falta para escrever uma narrativa longa – teria de renunciar aos preciosos momentos em que dedico aos meus netos, por exemplo. Além do mais, não sou escritor, mesmo arriscando amontoar bons versos e prosas aqui e ali. Lógico, eu poderia dizer muito mais, relatar o dia em que fui mordido por um cachorro de rua; as vezes que tive de pedir comida de porta em porta; sobre as duas semanas que dormi na rua; o reencontro e o restinho da jornada de minha mãe, ao meu lado, sendo acarinhada e mimada. Mas o essencial está aqui. O que importa, de fato, é que resisti, por sorte ou por obra de um ente divino. Sei que sou exceção. E, por favor, não me venha com conversa falaciosa de meritocracia. Eu contei com o acaso, com a boa vontade de algumas e alguns e com os meus princípios, dos quais nunca me desliguei. Do primeiro ao último dia, fiz um propósito, serei feliz com o que tenho; com o ânimo de poder, sempre, aprender e recomeçar, se preciso.





sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Dois textos de Rodrigo Mendonça

 







 






quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Agarra que é ladrão

 


Manhã cedo e Maria Amália já andava no corrupio que se lhe tornara ultimamente habitual. Nada mudara na sua vida, não tinha afazeres ou obrigações novas, no entanto parecia que o tempo lhe estava sempre a escassear.

Quando parecia ter encontrado um modo de meter de novo a vida nos eixos, uns dias depois dava por si novamente a correr para conseguir meter tudo num dia cujas horas lhe pareciam cada vez mais escassas.

Passou a levantar-se mais cedo e a deitar-se mais tarde, apesar de parecer uma zombie durante o dia, cortou as distrações “inúteis” e mesmo assim, nada. Tudo corria bem durante uns dias e depois voltava a correria por falta de tempo. A sua vida limitava-se agora apenas ao trabalho, onde estava sempre atrasada para tudo, e a tratar mal e porcamente da casa e dos filhos.

Um dia encontrou por acaso a vizinha do piso térreo do prédio de três andares onde vivia e apesar de há muito não se falarem, devido a uma quezília entre os filhos que rapidamente se estendera às respetivas famílias, não pôde deixar de reparar que tinha o mesmo aspeto de morta-viva que via quando calhava olhar para um espelho e o ar de quem gostaria que o dia tivesse mais horas ou que houvesse uma tragédia que parasse o mundo, deixando-a então repousar.

Dessa vez não se falaram, mas com o passar dos dias os encontros tornaram-se mais frequentes. Parecia até que não se passava um dia em que não dessem de caras uma com a outra a entrarem ou a saírem do prédio, sempre com um ar esbaforido. Inevitavelmente acabaram por chegar à fala, esquecida a querela face ao ar de exaustão que ambas apresentavam.

E as queixas eram as mesmas para ambas, a sua vida não mudara em nada e de repente sentiam que lhes faltava o tempo até para as obrigações inadiáveis. É claro que lá diz o ditado, “em criança o tempo arrasta-se, em jovem caminha e em adulto corre.” Mas neste caso parecia ter-se convertido subitamente num Usain Bolt sobrecarregado de esteroides.

E analisando a situação de Ana, a vizinha, o caso tornava-se ainda mais incompreensível. Os dois filhos mais velhos tinham saído de casa, ele para um apartamento próprio e ela para a universidade numa outra cidade, por isso, com apenas o filho mais novo em casa, o da querela, devia sobrar-lhe tempo para tudo e mais alguma coisa. Mas não, a correria aumentara para níveis que nem com três filhos pequenos conhecera.

Enfim, que podiam fazer? Se calhar era o cansaço que as fazia pensar que andavam mais azafamadas do que nunca. Mas pensando bem, era como a questão do ovo e da galinha. Andavam cansadas devido à azáfama contínua ou parecia-lhes que lhes faltava o tempo por andarem cansadas?

Entretanto, no piso superior, José Eduardo, refastelado no sofá, assistia a uma das suas séries favoritas, que gravara nos dias anteriores. Tinha tempo, tinha imenso tempo antes de ter de sair para o trabalho. E gostava de começar o dia com umas boas horas de televisão e de descontração, petiscando qualquer coisa, até ter mesmo de sair. Pena não ter mais umas horas livres por dia...

Isso recordou-lhe que tinha visita marcada a um apartamento novo para quando saísse do emprego. Estava ansioso por mudar de casa e esta segunda visita era apenas para se certificar de que era de facto o seu favorito entre os muitos que vira. Mas tinha quase a certeza de que o iria comprar e mudar-se o mais rapidamente possível.

É claro que colegas de trabalho e amigos iriam estranhar essa compra. Porquê trocar um belo e espaçoso andar num prédio de apenas três pisos num bom bairro por um apartamento bem menor num enorme prédio de 15 pisos e três fogos por andar num bairro muito inferior e bem mais longe do emprego e de bons restaurantes e distrações? Parecia absurdo, a menos que tivesse sofrido fortes perdas monetárias e quisesse reduzir o seu nível de vida. Mesmo assim, haveria certamente alternativas melhores.

Vista de fora, parecia realmente uma decisão altamente bizarra. O que as pessoas não sabiam é que ele tinha mesmo de se mudar e para um local com muita gente em permanência.

É que uns meses antes, após um acidente rodoviário que o deixara em coma durante duas semanas, descobrira que tinha agora um novo talento, quase um superpoder. Ao roçar-se casualmente por alguém algumas vezes em dias diferentes, conseguia roubar-lhes alguns minutos do seu dia, acrescentando-os ao seu.

Foi o que fizera com Maria Amália e Ana, as únicas vizinhas que encontrava regularmente. Nunca vira os respetivos maridos e tinha escrúpulos em usar crianças, por isso estava limitado a duas fontes. Dia após dia, semana após semana, já conseguira acrescentar ao seu dia quatro horas de uma e três horas e meia da outra. Mas perante o seu ar de cansaço permanente, receava que não aguentassem se continuasse a sugar-lhes tempo, tendo pois decidido parar.

O pior é que se tinha viciado em ter dias longuíssimos e apesar dos acrescentos que conseguira continuava a achar que o tempo nunca era suficiente para tudo o que queria fazer.

Mudando-se para um prédio com 45 fogos e várias pessoas em cada um deles, as suas hipóteses aumentariam imenso, sobretudo se entrasse e saísse a horas diferentes para encontrar o máximo de residentes. E havia sempre as reuniões do condómino. Pressionada pelas suas perguntas incessantes, a agente imobiliária confessara que havia um ambiente conflituoso no prédio e que as reuniões eram frequentes para tentarem resolver as inúmeras questões que estavam sempre a surgir.

Sim, tinha mesmo de se mudar e o mais rapidamente possível. É que o seu objetivo era vir a ter um dia com 72 horas bem contadas!

Luísa Lopes





sexta-feira, 3 de setembro de 2021

ANÍMICA

 


ANÍMICA

 

quando eu tinha todos os movimentos

eu era sol entre nuvens

aves de arribação

qualquer coisa de menos sólida

por haver.

eu via cachoeiras em meus sonhos

remanso de rios

pedra grande de sentar menino

florestas a esculpir.

 

Poema inédito do livro igualmente inédito “Da Essencialidade da Água”