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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Entrevista com o escritor Sacolinha

Ademiro Alves de Sousa, conhecido como Sacolinha, é um dos destaques da literatura brasileira contemporânea. Autor de dois livros: “Graduado em Marginalidade” e “85 letras e um disparo”, participou, ainda, de diversas publicações: revista “Caros Amigos”, antologia “No limite da palavra” da editora Scortecci, antologias “Cadernos Negros”, entre outras. Ganhador de alguns prêmios literários, é também o fundador da Associação Cultural Literatura no Brasil e é responsável pela Coordenadoria Literária da Secretaria de Cultura do município de Suzano, em São Paulo. Com muita prestatividade, o escritor nos concedeu esta entrevista.





SAMIZDAT: O fato de você ser um autor que surgiu na periferia foi um obstáculo ou um chamariz para sua carreira?

Sacolinha: Nem um e nem outro. O autor pode surgir de qualquer lugar, mas se ele não tiver uma boa escrita, persistência e articulação, ele não chega e nem se mantém em lugar nenhum. As editoras não estão nem aí de onde vem o escritor, elas querem saber se ele é conhecido e se o livro é vendável. Vejam o caso da Bruna Surfistinha e alguns Big Brohter’s. Lançaram seus livros que venderam horrores, mas depois do segundo título eles deram com os burros n’água, e não conseguiram se manter.
Talvez o fator geográfico tenha contribuído um pouco para minha carreira, já que ser morador da periferia hoje em dia é estar na moda, todo mundo quer ser, graças aos seriados, às novelas e filmes.

Qual é a importância da consciência política e social na sua escrita? A Literatura e a cultura em geral devem assumir este compromisso? Escrever é fazer diferença?

Sacolinha: Literatura abrange muita coisa, entre elas a geografia, filosofia, história e a ciência. Um livro como Grande Sertão: Veredas do Guimarães Rosa tem tudo isso e muito mais. Olhem o escritor português José Saramago, se ele não tivesse consciência política e social, seus livros não seriam conhecidos no mundo inteiro. Eu sempre achei que escritor tem que saber de tudo um pouco, inclusive ser engajado em algum movimento social como o Saramago por exemplo. Não dá pra ficar encerrado num gabinete e inventando histórias ou esperar a noite chegar para ver a lua e ter inspiração.
A literatura só não pode ser engajada demais, porque aí vira documentário, e o papel da literatura não é esse.

Em alguns textos seus ou a seu respeito – há uma entrevista genial que você deu a um jornalzinho estudantil! – você usa os termos “revolta” e “vingança”, em relação à sua literatura. Há alguns anos, não muitos, dizer abertamente, ou veladamente, traduzindo isso em metáforas, era motivo para os artistas “desaparecerem”, levarem porrada ou, na melhor das hipóteses, serem exilados do Brasil. Como você sente a liberdade de poder “se revoltar” e “se vingar” através da literatura?

Sacolinha: No meu caso essa revolta e essa vingança refere-se mais ao meu interior do que exterior. Quero me vingar dos atos e fatos do cotidiano, quero trancafiar ou acabar com meus demônios, me vingar dos pensamentos e desejos ruins. Tenho a literatura como uma válvula de escape, eu escrevo não por hobby ou status, mas porque preciso me extravasar.

A pergunta pode parecer capciosa, mas não é: se você fosse político e estivesse no poder (não como funcionário, mas tendo sido eleito), pelo que você lutaria?

Sacolinha: Por políticas públicas para a cultura para todos aqueles artistas formados pela vida. Quero dizer que têm muitos artistas (popular, clássico e erudito) que não sentaram na cadeira da universidade e desenvolvem um puta trabalho, seja na capoeira, no maracatu, no teatro, na música, no cinema, literatura e nas artes plásticas.
Agora tem um monte de acadêmicos por aí metidos a artistas e sequer pisou no barro, sequer fez um trabalho fora do seu ambiente. Muitos até já têm seu padrinho desde pequeno e hoje fazem eventos com a nossa grana (Petrobras, Lei Rouanet, etc.) e ainda cobram ingresso.
Lutaria por essa inversão, contribuindo para que os artistas menos favorecidos tivessem acesso às leis de incentivo à cultura. E com isso eu estaria lutando pelo direito à vida, porque acredito que o cidadão que tem acesso à cultura ou desenvolve alguma arte, ele enxerga melhor, não morre de fome, tem saúde e sabe resolver situações problemas.

Há um site que diz que seu romance “Graduado em Marginalidade” tem trezentas e onze personagens. Isso é exagero de notícia ou é fato? Você acha possível dar ao leitor tantas verdadeiras e identificáveis personagens, num romance com menos de duzentas páginas?

Sacolinha: É verdade, tem sim. Mas não pensem que todas elas são protagonistas em primeiro plano. Não sou marxista, mas gosto de dar voz aos que não tem voz. Se vocês forem ler o “85 Letras e um Disparo” verão que a maioria dos contos tem personagens inferiorizados pela sociedade que são muito mais do que ela imagina; é uma prostituta que lê Allan Poe, um mendigo que faz dissertações, um ladrão mais instruído que qualquer presidente, e assim vai.

Muitos de seus textos são escritos com linguagem próxima da fala do cotidiano. O trecho “Se eles não tivessem naquela esquina, aquele dia, aquela hora...” demonstra bem isso. Você acredita que o escritor deve se exprimir como o homem da rua para melhor se fazer entender?

Sacolinha: Nunca acreditei nisso, acredito que o escritor deve escrever sem maquiagens. Usar os seus conhecimentos e sua estrutura lingüística, somente isso. O escritor que fica procurando meios ou que escreve pensando na recepção do leitor, pra mim não vale nada.

Qual é o limite entre realidade e ficção em suas obras?

Sacolinha: Só escrevo realidade quando faço crônicas, de resto é tudo ficção, mesmo baseando-me na realidade.

O público brasileiro parece possuir um fascínio por filmes, seriados e livros que retratam a vida na periferia. Para você, a que se deve este fenômeno?

Sacolinha: Conforme já falei, a periferia está na moda há muito tempo. Antes era o Gil Gomes, Afanázio Jazadige, Ratinho e o demagogo do Datena que levavam a gente pra tela, mas de uma forma a mostrar somente o lado ruim. Agora são outras pessoas e outros meios e formas de mostrar a vida na periferia, mas ainda assim é de uma forma pejorativa. O que mudou é que descobriram que nesses lugares têm muita gente boa, em tudo. Por isso é que Cidade de Deus, Antônia, Tropa de Elite e outros foram protagonizados por gente que é da periferia, ao contrário disso, esses produtos não teriam feito tanto sucesso.

Discutíamos, na comunidade dos colaboradores da SAMIZDAT, que os escritores costumam escolher um tema, ou uns poucos temas, e debruçam-se neles por um bom tempo – e isso pode mesmo ser inconsciente. Há um tema comum no que você escreve?

Sacolinha: Não. O meu primeiro livro “Graduado em Marginalidade” é pura violência, já o segundo “85 Letras e um Disparo” é mais cômico e suave e versa sobre vários temas de nossa sociedade. Estou com mais dois livros prontos para serem lançados: “Peripécias de Minha Infância” é um romance infanto-juvenil que trabalha com a criatividade e “O homem que não mexia com a Natureza” é um livro que aborda a temática do meio ambiente. Tem um outro livro que vou começar a escrever que vai falar da questão política. Estou escrevendo um livro didático sobre leitura.
Escrevo conforme vai tocando a minha cabeça. Não me apego aos temas.

Existem discussões sobre letras de músicas serem ou não poesia. Por exemplo, letras do Chico Buarque, quando lidas, são verdadeiros poemas, mas ainda têm um fundamento – e certa interdependência – com o ritmo musical (Cálice é uma delas). E o rap, é um ritmo que tem uma letra, ou uma forma de poesia, acompanhada de um ritmo? Você que escreve ou escreveu rap, o que acha: é poesia, música, ou algo além?

Sacolinha: Sempre gostei de ler as músicas. Presto mais atenção na letra do que no ritmo, e pra mim, música sempre foi poesia, principalmente o rap que transforma coisas ruins em melodias, transformam o sangue e a violência em poesia. Sem contar que tem seu jeito próprio de cantar, sua forma de dizer “zói” ao invés de “olhos”, e falar coisas que só mesmo quem é do meio entende, quem não é, tem que levantar hipóteses e interpretar. Isso eu acho o máximo, porque fizeram dessa maneira com os pobres a mais de séculos, desde a missa rezada em latim nos tempos dos sermões do Padre Vieira, passando pela escravidão e chegando até os dias de hoje nos termos da linguagem técnica, onde um cidadão não consegue nem entender o artigo que está sendo condenado.

Num texto seu, Crônica de um jovem salvo pela literatura, há um trecho valioso: “Precisava fazer alguma coisa para me extravasar: eu partia para o lado da pólvora (crime) ou para o lado do açúcar (cultura). Optei pelo açúcar, que às vezes é um pouco amargo.” Entre essas amarguras, o que foi mais amargo depois dessa escolha?

Sacolinha: Ouvir milhares de “não”, desde as respostas das editoras até as respostas das pessoas que eu abordava nos bares e teatros de Pinheiros e Vila Madalena quando vendia livros nas ruas.
Eu pensava: optei pela cultura que é uma atividade legalmente correta, mas ninguém me dá estrutura. Me enforco de prestações para publicar um livro e quando saio para vender ninguém quer dar atenção, alguns até seguram suas bolsas.
Isso é amargura, você ter a idéia, colocar no papel sofregamente, diagramar, revisar, publicar com seu próprio dinheiro, divulgar e vender, ser o próprio editor e livreiro.

Alguns de nós adoraríamos ter uma coordenadoria de literatura dentro das secretarias de cultura de nossos municípios. Em seu blog, num comentário sobre sua agenda semanal, nota-se que você é muito ocupado e tem grandes responsabilidades como coordenador de literatura da cidade de Suzano. Como funciona uma coordenadoria desse tipo? Como é o seu trabalho?

Sacolinha: Minha função é mais externa do que interna, até porque numa sala a gente não produz nada. Então o negócio é estar na rua, sentir cheiro de gente e tomar sol na cabeça. Como Coordenador Literário tenho que desenvolver projetos de incentivo à leitura e de promoção aos escritores. Nada difícil pra quem gosta do que faz. Mas tem que pensar em tudo, inclusive na pré-produção, produção e pós-produção.
Já publiquei 132 autores, trouxe escritores como Ariano Suassuna, Marcelo Rubens Paiva, Moacir Sclyar, Loyola Brandão, entre outros. Promovi 4 concursos literários, dezenas de oficinas e projetos para incentivar crianças, jovens e adultos a lerem. E falta de verba tem, a diferença é que eu corro atrás de tudo quanto é empresa e vivo batendo na porta do Governo Federal atrás de grana para o desenvolvimento dos projetos. O que falta muito por aí, em Suzano tem de sobra: vontade política.

Há uma tendência (do mercado editorial, da História da Literatura, das universidades, dos críticos... não se sabe ao certo de quem...) de encarcerar os livros em gêneros. Por isso, às vezes, há coisas como Literatura Esotérica, Literatura Espírita, Literatura Erótica, Literatura Gay, como que direcionando o que é produzido para "nichos" de leitores. A segunda edição de seu livro “85 letras e um disparo” foi inclusa numa série chamada "Literatura Periférica".
O que é essa literatura? Essa denominação vem de onde? De quem produz ou de quem publica?

Sacolinha: No caso da Literatura Periférica, esse foi um título dado pelos próprios autores, como uma forma de pertencimento, de geografia. Creio que direcionar a literatura por temas, não é algo de ruim, mas uma forma de identificar o tipo de literatura, como literatura estrangeira, indígena, auto-ajuda, etc. Eu mesmo nunca aceitei rótulos, o que faço é somente literatura. Não sei quem está apto a tematizar o que eu escrevo.

O que é a Literatura no Brasil?

Sacolinha: A Associação Cultural Literatura no Brasil é uma entidade que fundei em dezembro de 2002 com dois objetivos: incentivar a leitura e divulgar os escritores independentes. Essa entidade tem hoje vários projetos, muitos até em parceria com prefeituras, Petrobras e a Fundação Itaú Social.

Não queríamos perguntar, mas não tem como fugir disso: de onde veio o nome "Sacolinha"?

Sacolinha: Essa é uma história longa, outro dia com mais calma eu explico. Quem quiser pode ir lá no meu blog que tem tudo explicadinho: www.sacolagraduado.blogspot.com

A esquipe da SAMIZDAT agredece sua participação. Muito sucesso em seus projetos!


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Coordenador da entrevista:
Carlos Alberto Barros

Perguntas elaboradas por:
Henry Alfred Bugalho
Joaquim Bispo
Volmar Camargo Júnior

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