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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

SAMIZDAT 34

Samizdat 34

Por que Samizdat?, Henry Alfred Bugalho

AUTOR EM LÍNGUA PORTUGUESA
Broquéis, Cruz e Souza

CONTOS
Algo Indefinível, Joaquim Bispo
Morfeu, Morfina, Mariza Lacerda
O Galo Meu, Henry Alfred Bugalho
Microcontos, Edweine Loureiro
O “Gato” Maluco, Lilly Araújo
Budapeste vai à Praia, Luís Felipe Sprotte
Nadja Ausente, Isabela Penov
Grávida, Alice Nardi
Iniciação, Léo Tavares
O Bichinho, Diana Cunha Gil
João Pilão – O Sineiro de Del Rei, Fábio Wanderson de Sousa
O Centauro de Saramago, Zulmar Lopes
Sonho de Cores, Isabella Gonçalves
Ocolândia, Silvana Michele Ramos
Menina na Tempestade, João Vereza
Sombras de Carne, Cinthia Kriemler

TRADUÇÃO
Provérbios do Inferno, William Blake
A Imagem Divina, William Blake
O Cordeiro, William Blake

ARTIGO
O Muro de Indiferença, ou a invisibilidade dos candidatos a escritores, Henry Alfred Bugalho

TEORIA LITERÁRIA
Os Signos do Mundo, do Amor e da Sensibilidade na Literatura de Marcel Proust, Leonardo Araújo

CRÔNICA
Crônica Transitiva, Adriane Dias Bueno
Sinestesia, Oximoro e Anadiplose, João Paulo Hergesel
A 5ª Sinfonia de Beethoven, Otávio Martins

POESIA
II Concurso de Poesia Autores S/A
Letícia Simões
Cinthia Kriemler
Geovani Doratiotto
Henrique César Cabral
Malvina, Cris Dakinis
Visitante, Volmar Camargo Junior
Procedimentos Técnico-administrativos em Caso de Desordem na Gaveta dos Papéis Involuntariamente Esquecidos, Volmar Camargo Junior
Caem Corpos em Pinheirinho, Caio Dezorzi
Sobre o Trabalho do Tempo, André Kondo
Noturno para Franz, Danilo Augusto de Athayde Fraga
Joanna, Fernando Domith
Mendigo de Tal, Ana Peres Batista
Dançando e Encontrando – Loucuras Sãs, Rodrigo Pereira dos Santos


Links para a SAMIZDAT 34

Scribd - http://www.scribd.com/doc/107193179/Samizdat-34
Calaméo - http://en.calameo.com/books/00000223829004dffa805





Os autores da SAMIZDAT fazendo barulho por aí - setembro/2012

A poesia Fragmentos, de Rodrigo Domit, foi uma das 30 selecionadas para a antologia do 12º Prêmio Escriba de Poesias, promovido pela Prefeitura de Piracicaba, através da Secretaria da Ação Cultural -  (http://rodrigodomit.blogspot.com.br/2012/09/12-premio-escriba-de-poesias.html). O Pra Ler - que conta com um site e um programa de rádio, que é veiculado toda quinta-feira, às 16:15, na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM ou www.ufmg.br/radio) - publicou uma série de matérias sobre Concursos Literários que contou com a colaboração deste mesmo autor, como entrevistado (http://rodrigodomit.blogspot.com.br/2012/09/concursos-literarios-no-site-pra-ler.html). Por fim, o microconto Alice na Cidade Maravilhosa é um dos cinco finalistas do XXXI Concurso Literário da Uniso, organizado pelo Curso de Letras da Universidade de Sorocaba. (http://rodrigodomit.blogspot.com.br/2012/09/xxxi-concurso-literario-da-uniso.html)


Desde o início deste mês, o romance de mistério noir "O Covil dos Inocentes", de Henry Alfred Bugalho, pode ser conferido no site BookSérie, um projeto muito bem realizado, que apresenta romances e novelas de forma seriada.
Vale conferir e prestigiar o BookSérie.
http://bookserie.com.br/series/5/details





quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Traças

As traças devoraram livros
e destrincharam jornais
as traças roeram músicas
e mutilaram filmes

naquela época,
devoraram até pessoas
- famílias inteiras


Após anos de clausura
abriram-se as portas e janelas
os novos ares vieram
e as traças esconderam-se

em cantos obscuros
onde até hoje permanecem
- como se fossem invisíveis


Após anos de negação
continuamos adiando
para amanhã, quem sabe
a tarefa indispensável

de revirar armários
e destrancar gavetas
de explorar porões
- sem esquecer dos sótãos

de jogar luz aos fatos
descortinar as traças

para evitar que se repita
a tragédia como farsa






Esta poesia conquistou o 1º lugar no Concurso Literário de Suzano em 2012 e, por conta da premiação, foi publicada em edição especial da Revista Trajetória Literária, que foi lançada no dia 8 de setembro, em Suzano, durante o sarau Pavio da Cultura.





quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Vida de cão

O carro chiou, as rodas a protestarem em voz alta a curva apertada.

O bicho, coitado, depois de tanto tempo a perceber que era mais seguro atravessar na passadeira e mais tempo ainda para descobrir que a passadeira não era sempre igual (umas vezes tinha um apito que fazia parar as coisas - embora se mantivessem a rugir baixinho, próximo - outras vezes nem parecia que tinha riscas) assustou-se. Deu um salto para a frente e foi por um cabelo que o carro não lhe passou por cima.

Esqueceu imediatamente o sucedido, tinha a certeza que tinha atravessado as riscas na altura certa, a coisa é que não se comportara como devia. Não interessava, havia assuntos muito importantes a considerar, como por exemplo estar na altura do gordo do restaurante vir por os sacos na rua.

Cheiravam tão bem, aqueles sacos! Era estúpido meterem aquilo nas caixas-que-nunca-se-abrem mas as pessoas são muito estranhas, não valia a pena pensar nisso. O gordo do restaurante também cheirava bem, a molho de carne, manteiga e outras coisas. Além disso tinha sempre comida para lhe dar, era importante estar à porta quando vinha guardar os sacos que cheiravam bem nas caixas-que-nunca-se-abrem.

Ultimamente o gordo do restaurante tinha também um cheiro estranho, um odor desagradável que o cão não identificava e que lhe trazia inquietação; mas havia sempre comida de modo que continuava a vir. Era muito importante, a comida, era muito, muito importante.

Chegou à porta e sentou-se. O gordo havia de vir.

Olhou em volta, um pombo saltitava a meia distância. Não se levantou, já sabia que não o apanhava; os pombos eram muito interessantes, nunca tinha apanhado nenhum mas de certeza que saberiam bem.
Uma mulher andava muito depressa em sua direcção - desviou-se para próximo da parede para ela passar, as pessoas eram muito estranhas e algumas eram perigosas, era muito importante estar com atenção.

Estava com fome, o tempo estava certo. O gordo havia de vir, com comida.

A porta abriu-se e o gordo veio, com dois grandes sacos que colocou nas caixas-que-nunca-se-abrem. Os sacos cheiravam bem, muito bem, como sempre, era uma pena aquilo das caixas-que-nunca-se-abrem.

O gordo entrou e tornou a sair com a comida. Deitou-a para cima de um papel, como sempre e a comida cheirava bem, muito bem. Comeu tudo, delicioso, mesmo delicioso, é pena não haver mais mas abanou o rabo em agradecimento e o gordo sorriu. O odor desagradável estava mais forte, espalhava maior inquietação, o gordo estava menos gordo, teria alguma coisa a ver?...

O gordo voltou a entrar e a porta fechou-se. Era tempo de ir ao jardim perseguir os pombos e ouvir o velhote de casaco preto a rir-se.

Havia três sítios com riscas para passar e no fundo dele a inquietação levantou-se: as coisas portar-se-iam bem?





terça-feira, 25 de setembro de 2012

Contos por medida


Joaquim Bispo

Dickens

Aqui nasce a grandeza da nossa nação, alardeou John, apontando o pavilhão sombrio onde giravam volantes e fumegavam caldeiras; mas Charles só viu duzentos meninos enfarruscados a tirar da fome forças.

(Evocação de Charles Dickens, com 200 carateres, no 200º aniversário do seu nascimento – 2012)

***


O Aluno Grisalho

Há uns anos, o docente de Arte da Pré-História organizou uma visita a Foz Côa para ver as gravuras rupestres. Alugou-se um autocarro e chegámos na véspera, à tardinha, que as visitas eram de manhã.
À hora de jantar, escolhi um restaurante e preparei-me para comer sozinho. Pouco depois, começaram a entrar muitos coleguinhas, por terem visto ali o colega grisalho. Acabou por jantar lá uma vintena de estudantes.
Quando pedi a minha conta, ripostou o dono:
– Não, o senhor não paga! Sou eu que ofereço!
– De maneira nenhuma! – protestei. – Por quê?
– O senhor não é o condutor do autocarro?

(Celebração, com 100 palavras, dos 100 anos da Universidade do Porto – 2011)

***

Post scriptum:

O ambiente sob suspeita

– Mr. Bush, é grave: o gelo já desapareceu do Kilimanjaro.
– Apanhem-no! Ele pode fugir, mas não se pode esconder!

(Integrante da II coletânea de 100 microcontos de humor de Piracicaba, limitados a 140 carateres)





segunda-feira, 24 de setembro de 2012

UMA HOMENAGEM A MACHADO DE ASSIS

Amigos, faço uma pausa em meus microcontos, e, nesta edição, publico um conto em homenagem ao Bruxo do Cosme Velho, que há 104 anos partia; deixando o seu nome escrito para sempre entre os Mestres da Literatura Universal. O texto “Memórias Póstumas de Joaquim Maria” foi meu segundo texto a ser premiado em um concurso nacional – (Cordeiro/RJ) – no ano de 2008. Apresento-lhes o texto abaixo:
E, desde já, obrigado pela leitura.
Edweine Loureiro
***************************************************************************
MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE JOAQUIM MARIA
                        
― Não aceitei a Deus. E agora? – pergunta-se o criador de Dom Casmurro, enquanto vaga pela casa, observando o próprio velório.
Em um canto da sala, três companheiros de Academia conversam em voz baixa. Machado de Assis, aproximando-se, escuta:
― É… lá se foi o mulato... – lamenta Euclides da Cunha.
― Uma grande perda para as letras… – observa Graça Aranha, para logo em seguida, pigarreando, completar: – Se bem que em Esaú e Jacó ele começava a demonstrar um certo desgaste. O ilustre amigo concorda?
― Desgaste eu não diria, mas uma certa repetição no tom da narrativa… Por exemplo, aquela ironia já estava se tornando maçante…– responde Olavo Bilac.
O espírito (Ou sei lá o quê! – Como queira o leitor chamar ao estado pós-morte!) ri-se do comentário:
― Maçante? Sim… Tens razão, papa-defuntos…
E voa (literalmente) para outro grupo – agora composto por Joaquim Nabuco, Mário de Alencar e Rodrigo Otávio – os quais, em meio a café e bolinhos, discutem uma das obras mais célebres do finado. Primeiro, escuta-se a voz de Alencar:
― Tudo imaginação do Bentinho!…
― Não, senhor: a Capitu o traiu!…” – discorda Rodrigo Otávio.
E o outro imortal, ao lado:
― Concordo com Rodrigo. Foi traição.” – arremata Joaquim Nabuco.
Mas uma quarta figura intervém: – Nada de conclusões precipitadas, senhores… Lembrem-se de que o nosso querido Machado adorava discorrer sobre a contradição humana… – E, tossindo, Rui Barbosa acende mais um charuto.
O espectro (voilà, caro leitor!) resolve deixar de lado aquela discussão e vai até o féretro, para examinar – agora mais atentamente – o cadáver. Por alguns segundos, olha fixamente para a máscara da morte no corpo que outrora habitara, para em seguida, suspirando, concluir:
― É, Quincas… realmente: ao vencedor, as batatas.
***

Nota: O Conto Memórias Póstumas de Joaquim Maria recebeu o Terceiro Lugar no IV Concurso Nacional de Contos de Cordeiro (RJ) – Troféu Machado de Assis” (Setembro de 2008).





domingo, 23 de setembro de 2012

Crônicas do jornaleiro

Trabalho no jornal. Não, não sou jornalista l, sou jornaleiro mesmo. Sou daqueles que distribuí uma edição gratuita de um jornal. Não é um ótimo emprego, mas pelo menos tenho trabalho. Coisa cada vez mais rara nesses dias. Mas o problema não é só aqui em Dublin. Acho que é na Europa toda.

Não sei se a crise é realmente tudo isso, mas ela assusta bastante e já deu para perceber também que ela destrói sonhos, vidas e cada vez mais cria desempregados. Esses dias conheci o Francesco, um italiano que se mudou para Dublin por causa da noiva dele. Ele chegou em Dublin faz pouco tempo, ainda esta aprendendo inglês, mas já esta conseguindo se comunicar. Atualmente ele está a procura de emprego. Os brasileiros por aqui reclamam que não tem um passaporte europeu, que isso mudaria tudo. Pois bem, o Francesco tem passaporte europeu, é formado em administração e veio para Dublin porque a situação está difícil na Italia. E aqui ele é como tantos outros, um desempregado. E aceita qualquer trabalho também, jornaleiro, ajudante de cozinha, faxineiro. O que vier está valendo.

Acho que na verdade, além da crise tem o fato do recomeço. E não é fácil recomeçar. Ainda mais quando você está em um lugar novo, com uma outra língua, com costumes e comidas diferentes. Já aconteceu comigo de pedir bife e receber uma fatia de presunto. Independente de onde viemos, a gente tem o mesmo pensamento por aqui 'é as coisas não são iguais como lá em casa'.

Mas nem tudo é ruim. O trabalho me dá alegrias. Todas as manhãs, por exemplo, me alegro quando vejo o Lee. Não sei o verdadeiro nome dele, por isso o chamo assim. Ele tem uma carinha de oriental, não sei se é coreano ou chinês. O quê sei é que quando o Lee me vê entregando jornais, ele se alegra todo e enche-me de alegria com sorriso de quem vai ganhar presente. Ele esta no carrinho e balança as pernas e os braços para chamar a minha atenção. E sempre funciona. Contagia a mãe dele também. Ela sorri e para o carrinho para que eu possa entregar o jornal. E claro retribuo o sorriso.

Cada pessoa que passa por aqui tem uma história diferente, uma maneira de dizer bom dia, mesmo que as vezes seja no silêncio ou tentando um assunto para conversar. Eu não levo muito jeito com conversas e acho que esse é o caso do Jonh também. Ele é um irlandês que trabalha no departamento de limpeza da cidade. Todo dia, por volta das 7:15, ele passa no local onde distribuo os jornais e pega um exemplar para e outros para o seus colegas. Ele sempre chega correndo em sua bicicleta velha. Primeiro saúdo o com um caloroso 'good morning' e então aguardo o estacionar a bicicleta, e então, entrego-lhe os jornais. Quando comecei nesse emprego, ele pegava diretamente da pilha de jornais porque não queria me incomodar. Eu gosto dele, acho que temos esse mesmo problema de conversar com as pessoas, mas ambos tentamos. Há uns meses, ele perguntou se eu sabia do resultado do Barcelona. Acho que ele achava que eu era espanhol e que gostava de futebol. 'não, não assisti não. Ontem a noite estava tão cansado que fui direto dormir quando cheguei em casa', respondi-lhe educadamente. Não mencionei o fato que não gosto muito de futebol.

Outro dia ele tentou novamente, 'você é espanhol, né?', 'Não, não sou. Eu sou brasileiro'. Então ele sorriu e elogiou o nosso futebol. Para não ficar calado 'Ah sim, temos uma grande tradição no futebol, mas hoje em dia os nossos jogadores bebem melhor do que jogam'. Ele sorriu e seguiu o caminho dele. Acho que ele não gostou muito de ouvir isso, mas como disse eu não levo muito jeito com conversas, por isso que capricho no sorriso e continuo no emprego.





sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O Ser e o Nada


No interior do templo, o pastor ameaça com um inferno tingindo em cores monstruosas as ovelhas humanas que ousassem se desgarrar das virtudes cristãs. Jean-Paul Sartre, que a tudo assistia passivamente, incorpora-se na obreira mais próxima e, entre bufos e estrebuchos sentencia.
— O inferno são os outros...






quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A senhora dos solitários

- "Senhora, o Dr. Marcondes avisou que não vem para o jantar."

Anabeth levantou a sobrancelha esquerda, sem tirar os olhos da mesa desabitada
dos filhos crescidos e de um marido cada vez mais abduzido pelo mundo dos negócios.
Sinalizou em silêncio para que a sopa fosse servida.

***

- "Senhora, seu sexto sentido não falhou: aqui está a prova de que seu marido tem uma amante."

Anabeth examinou as fotos entregues por um detetive particular. Marcondes chegava de táxi à porta
de um hotel no centro da cidade, acompanhado de uma loura com idade de ser sua filha. Na seqüência, andavam de mãos dadas em direção à portaria. Ela ainda para e dá uma ajeitadinha na sandália de salto.

- "Moça fina, senhora. Muito fina."

***

- "Senhora, aqui estão mais detalhes do affair."

O detetive expõe minúcias da investigação. Marcondes e a loura encontravam-se uma vez por semana
neste mesmo lugar. Não se tratava de uma amante que pudesse ameaçar casamentos. Era uma garota
de programa, universitária e cara de gente boa, que só queria fazer um negócio: receber sua parte de
quem tem muito em troca de algumas horas semanais de sexo e autoestima a quem beirava
o ocaso da macheza.

***

Anabeth se sentiu apunhalada entre a cervical e as escápulas. De nada adiantaram anos de plástica e botox, ginásticas localizadas e spinning, silicones, depilações a laser, bronzeamento artificial, luzes e chapinhas. A verdade é que o marido estava prevaricando com uma menina bem mais nova e fogosa, com tudo no lugar, de pele macia e peitos naturais. Não caiu na história do detetive de que garotas de programa não abalavam casamentos. Para ela, sexo fora de casa com amantes assumidas, ou marafonas, ou casinhos de embriaguez, ou desfrutáveis inconseqüentes, ou mesmo bonecas infláveis, era tudo a mesma coisa. Por outro lado, Anabeth não sabia o que fazer. Chegou a pensar por que diabo procurou um detetive. Não imaginava obedecer seus ímpetos de mulher traída e sair por aí a se esfregar em tórax malhados de academias, sentindo novos invasores de seu corpo, ouvindo sussurros revigorantes. Anabeth dependia de Marcondes até para mandar a criada comprar pão ali na esquina, numa total sujeição ao provedor da casa, que, por sua vez, ao perceber a mulher de cara amarrada -
e ser chicoteado por uma culpa algoz -, um dia chegou cedo para o jantar, sem mais nem menos,
com um agrado. E que agrado: um solitário da Tiffany´s, encomendado ao seu doleiro contrabandista.
Os olhos de Anabeth se encharcaram, tambores rufaram dentro do peito, as maçãs do rosto formigaram, surgiu um sorriso encabulado. Muito menos pelo gesto, muito menos pelo mimo em si,
muito mais pela idéia ardilosa que teve, diante do brilho multifacetado da jóia.

***

- "Senhora, só para eu entender a sua proposta: a senhora põe um detetive particular na cola do seu marido, descobre que ele anda saindo comigo, consegue meu telefone e liga para mim, pedindo pelo amor de Deus para eu manter este caso eternamente. Certo? Em troca, sem que ninguém saiba, num acordo de mulher para mulher, a senhora promete depositar na minha conta o mesmo que ele me paga, certo? Ou seja, vou receber em dobro para aturar seu marido babando em cima de mim. É isso?
Por mim, está feito. Sou uma profissional. Mas acho que a senhora é meio maluca."

***

Um ano depois. Anabeth entra no seu closet e retira do fundo do armário de calcinhas e sutiãs,
uma caixa de jóias majestosa e aveludada. Como criança diante de um álbum de figurinhas incompleto, admira embevecida sua coleção de mimos mais recentes: diamantes e solitários Tiffany´s, Boucherons, Harry Winstons, Van Cleefs e Cartiers. Escolhe um deles, gosta, não gosta, põe no dedo anelar esquerdo, estica o braço, movimenta a cabeça, franze os lábios e, enfim, decide-se. Diante do espelho, leva a mão de unhas bem feitas às têmporas, desajeita os cabelos,
sorri enviesada e discreta. Tudo combinando: brincos, anéis, colares e estado de espírito.
Está linda. Pronta para sair para jantar com seu marido Marcondes e um casal de amigos.
Em grande e perfumado estilo.





quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A Hora do Sexo

(Maristela Scheuer Deves)

Confesso: o título acima é, antes de mais nada, um artifício para atrair leitores. Nunca fui dada a ler os chamados "contos eróticos" que aparecem em sites por aí, nem atraída por títulos da área nas livrarias. Aliás, até bem pouco tempo atrás eles eram raros, mas nos últimos tempos transbordam das prateleiras.

Esse fenômeno, claro, tem um nome, que é também seu catalisador: o romance Cinquenta Tons de Cinza, da inglesa E.L. James. Só no Brasil, em menos de dois meses, foram 300 mil exemplares vendidos - e isso num país que, infelizmente, ainda lê pouquíssimo. No mundo, são dezenas de milhões. Claro que agora que o livro é best-seller ocorre muito o "vou ler porque todo mundo está lendo e falando", mas, pelo que li até agora, o crescimento da obra começou de forma espontânea, tanto que quando os direitos foram adquiridos por uma grande editora norte-americana o livro já bombava no mundo virtual.

A explicação? Sexo vende. Vende até mesmo livros. Tanto que, tão logo a trilogia Cinquenta Tons... começou a bombar, vários outros títulos na área foram lançados ou relançados.

Teve a trilogia erótica Bela Adormecida, de Anne Rice (sim, aquela mesma de Entrevista com o Vampiro), uma versão "para adultos" do conto infantil em que a adormecida é despertada não com um beijo, mas com a iniciação sexual, que havia saído nos anos 1980 e foi relançada. Teve uma coleção de clássicos reescritos em formato erótico, incluindo histórias como Drácula, Orgulho e Preconceito e até A Ilha do Tesouro (fiquei imaginando qual seria o "tesouro"...). Teve uma nova trilogia, recém-lançada, que começa com o livro sugestivamente intitulado Luxúria, em que uma escritora de livros eróticos passa a experimentar o sadomasoquismo e a dominação na própria pele. E isso só para citar alguns.

Não sei se isso é um sinal de que as pessoas estão mais liberais, ou em busca de mais emoções, ou mais carentes. Acho que é a mesma lógica que rege a questão dos filmes eróticos, ou mesmo os pornôs. Há quem se excite com isso, e até mesmo prefira ficar fantasiando à partir para a ação. Já li também que Cinquenta Tons... tem feito maravilhas pela vida sexual de muitas leitoras/leitores. Sadomasoquismo não é a minha praia, mas, enfim, cada um na sua.

Resumo da ópera: essa é, sem dúvida, a hora do sexo. Ao menos na literatura. Só espero que, passada a onda, as leitoras e leitores cativados por esses livros continuem lendo, e passem também a outros temas. Há tantas boas histórias por aí que seria uma pena esses milhões de leitores ficatem restritos apenas a chicotes, algemas e submissões.





domingo, 16 de setembro de 2012

11 da noite



11 da noite

São 11 da noite. Eu não sei se pressinto ou se estou mesmo ouvindo os passos que se aproximam novamente da minha porta.
Desde que me mudei para este prédio, escuto as pisadas de todos os moradores com nitidez. O chão de cerâmica dos corredores faz ressoar todos os sapatos, especialmente aqui no meu andar, que é o último. O mais estranho dos passos é que a gente sempre imagina como é o corpo em cima da sola. Depois de um tempo, um esbarrão na entrada do prédio, um encontro na escada confirmam a suspeita de quais passos pertencem a quem. E é quase sempre batata! Existe uma intimidade até promíscua em reconhecer o outro pelos passos.
O edifício não é grande. São três andares com quatro apartamentos em cada um, todos de um quarto só. Apartamentos para solteiros, embora eu tenha certeza de que em vários deles esteja morando mais de uma pessoa, principalmente crianças.
Reconhecer as crianças é mais fácil, porque menino não anda, corre. E grita. Vira tudo um escarcéu que mais parece briga, tropel. Mesmo assim, tem os que andam com um passinho miúdo e rápido, como a menina do primeiro andar que sobe aqui de vez em quando para brincar com o garotinho que mora duas portas depois da minha. Tem minha vizinha da direita, que chega sempre tarde e sobe as escadas de salto alto, fazendo um estrondo que acorda meio mundo. Eu não sei como ela é, nem quantos anos tem, porque nunca a vi, mas escutei sua voz uma vez e me pareceu alguém entre os 25, 30 anos.
É divertido este pretenso controle diário de idas e vindas, de subidas e descidas. Como meu horário de trabalho é variável, fico brincando comigo mesma de identificar os passos da manhã e as pisadas da tarde. Já as passadas da noite são quase sempre as mesmas: um estudante universitário que chega por volta de meia-noite; o senhor do 403, que bebe, cambaleia e faz “psiu” para si mesmo; visitantes ocasionais, parceiros de um sexo também ocasional, e que andam sempre na ponta dos pés; e, é claro, os visitantes habituais, já quase aceitos como moradores — namorados, noivos, amantes fixos.
Quando a gente conhece assim tão bem os passos, fica difícil não se desconcertar com alguma coisa que soa diferente. Como esses passos. Não faz uma semana que dei para escutar esses pés impacientes que param à minha porta. São saltos de mulher, sem dúvida, mas parecem frouxos, perdidos. Ficam um pouco, depois se afastam. Não reconheço a direção de onde vêm ou a que tomam em seguida, mas sei que chegam sempre, sempre às 11 horas. O que fazem esses pés na minha porta?
Sondei se há moradoras novas no prédio. “Não, ninguém se mudou“ — afirmou o porteiro indiferente. Minha segunda pesquisa foi junto às solteiras como eu, com quem acabei travando um tipo corriqueiro de amizade ao longo dos dois anos em que moro aqui. Alguma amiga dormindo em casa? Parente? Não, nenhuma delas tem recebido visitas. Enfim, não tenho a menor pista sobre os passos. Além disso, reclamar com o síndico sobre quem tem ou não as chaves do prédio é bobagem. Em lugar de gente solteira, tudo é cumplicidade.
Hoje, tomei banho mais cedo e fiz um lanche leve. Ando tendo pesadelos quando como demais antes de dormir. Um filme talvez me traga o sono mais rápido. Mas... O que é isso?! Droga, a luz acabou de apagar no prédio todo! O que será? Logo eu que detesto escuridão. E para completar os passos estão aí fora, novamente. Ai que agonia! Preciso realmente fazer alguma coisa a respeito dessa criatura inconveniente! Vamos, coragem, vamos! Abro a porta de supetão e não há ninguém no corredor. Sobre o tapete de entrada, apenas um par de sandálias pretas, elegantes, de saltos altos. Já chega! Amanhã pela manhã vou reclamar com o síndico dessa bagunça! Que cara de pau dessa mulher!, esbravejo, enquanto bato a porta com força.

São apenas 5 da manhã e o alarme chato do celular está tocando. Eu, hein! Na escuridão de ontem, devo ter me distraído e programado errado o horário. Agora, não vou conseguir dormir de novo e o resto do meu dia está arruinado! Mas isto não é... não é o despertador... É a campainha! O síndico ignora os meus olhos quase fechados e pede desculpas pelo incômodo. Apresenta-me rapidamente a um policial de bigode e a dois bombeiros compungidos, e pergunta, sem rodeios: “Você tem visto a sua vizinha de porta?” Não vi. Aliás, vejo pouco. A moça não aparece no trabalho há quase uma semana e alguém deu queixa do sumiço dela. Eles me avisam, então, que vão fazer barulho, porque é preciso arrombar a porta do apartamento dela.
Lá dentro, uma mulher de cabelos pretos, caída no chão da sala, está morta há uma semana, comentam os bombeiros em voz baixa. Nos pés, um par de sandálias pretas. Elegantes. De saltos altos.





sábado, 15 de setembro de 2012

o sublime valor dos vencidos *



Maria de Fátima Santos
ou eles, por razões que não trago a este texto, nem terão tido mais escolha do que Séneca
Salgari, Hemingway, Camilo e Antero, são apenas alguns, poucos, exemplos de escritores, de entre muitos criativos, que escolheram partir deste mundo em dia aprazado.
Como Mishima e Virgínia Woolf, usaram modos solitários ou tornaram o momento da sua ida para o Além um evento público.
E nem todos deixaram registos tão directos como Cesare Pavese no seu diário:
 "Os suicidas são homicidas tímidos" 
ou no bilhete que deixou e terá sido seu  testemunho:
 "Não mais palavras. Um acto. Não voltarei a escrever. "
Mas numa frase, num poema, cada um denotará a sua pulsão no confronto com a morte, como Florbela Espanca no poema A UM MORIBUNDO

Não tenhas medo, não! Tranqüilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono...
A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono...
O que há depois? Depois?... O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?
Que importa? Que te importa, ó moribundo?
- Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!...
 ou Mário de Sá Carneiro no poema FIM
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
aqui deixo registo a dizer, assim, do meu espanto
e nisso a minha vénia e o meu pranto


* "O suicidio é o sublime valor dos vencidos" - Maupassant que tendo tentado suicidio, morreu num acidentede carro



adaptação do texto publicado no blog repensando









quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Imagem de Barro | Três no quarto



Conto, por Wellington Souza.


Parte III - Três no quarto 

"Mas é esperar algo de alguém, sempre, o que nos faz levantar da cama... o problema é que não espero nada nem mesmo de mim."

A psicanálise junguiana utiliza-se do termo "weltschmerz" para sintetizar a “dor do mundo”. Em português o termo fica vago, mas os tradutores não têm culpa, pois a palavra é intraduzível. Ela é composta e, ao pé da letra, temos “Welt” que significa ‘homem’, ‘raça humana’, ‘humanidade’; enquanto “schmerz” é ‘dor’, ‘sofrimento’, ‘agonia’. Por conceito, é a dor, a frustração, que temos ao comparar o ‘real’ com o antes ‘imaginado’. Mesmo que as coisas aconteçam exatamente como nos planos, dizem (e acredito) que um sentimento de incompletude ainda nos sufoca.

Tomo nota: “eu gostaria de ser um EU/ Senhor dos seus mundos oprimidos/ vassalos./ De regê-los com a leveza delicada/ de um tirano/ um déspota/ um Maestro/ um Avatar.”

Weltschmerz. Droga de poema. Há a ânsia de compreensão, mas as palavras, por mais que lapidemos, não conseguem tornar inteligíveis as nossas sensações e anseios. Não. Os sistemas de comunicação não têm culpa de sermos, também, intraduzíveis. De estarmos de volta à Babel. Se ao menos eu conseguisse diagnosticar os sentimentos haveria uma chance de escrever e, talvez, me curar por instantes... pois a doença, e a dor, são crônicas.

No ultimo final de semana estive com o homem que, em promessa secreta, oração muda para o deus que mora em algum lugar de mim, me comprometi a dar dedicação exclusiva em respeito a certo vínculo afetivo que já se tecia entre nós. Já estivemos mais próximos (jantares, cinema, silêncios não-constrangedores). Dizem que o amor se alimenta da esperança que temos de nos realizarmos e do medo da frustração. Não é de um ou de outro, sim dos dois. Não há amor sem temores, ciúmes, nem tão pouco amor sem esperanças. Nesta semana não me telefonou. Não sei se quero a sua presença ou se o que me entristece é imaginar que ele não queira a minha. Nossos momentos não eram muito completos, assim, de um ser travesseiro do outro. Éramos, talvez, um televisão do outro. Percebo conjugar nossos verbos no pretérito-imperfeito. Existirá o perfeito (do latim ‘perfectu(m)’: terminado, acabado, concluído); ou a sensação de imperfeição perdurará até a velhice? O único lugar em que a ausência cedia era na cama, mas isso é a constatação do fracasso de qualquer coisa que poderia vir a ser chamada de amor.

Quero que o avatar que eu criei dele me tome e guie... Weltschmerz.

“Mas os mundos estão separados/ e rotam aleatórios/ em sistemas distintos./ Tempo formas padrões – nada coincide / nem eu, que/ equilibrista/ sigo eqüidistante entre a fantasia da chegada e visão da altura.”

Sou juiz, acusador e réu.

No meio da semana estive como, de fato, me sinto mais à vontade ou comigo mesma. Sai. Dancei. Conheci. Beijei. Conheci. Não-beijei. Conheci, levei para casa e acordei em seus ombros. Sempre fico insegura quando acompanhada de estranhos... lembro-me sempre no quarto infantil (o mais próximo que recordo do paraíso materno). A transa matutina, como sempre, foi melhor que a noturna mas, mesmo assim, prometemos nunca mais nos ver ao combinarmos, em uma vaga troca de telefones, um possível encontro futuro.

Não estou, de certo, entre um homem ou outro. Sempre preferi discutir teorias que fatos pessoais (o lado engenheira que preteri ao psicóloga). Estou pensando sobre os modelos que eles representam. Entre o sol do meio-dia estagnado sob um nós almejado e a lua cheia, de fria solidão.

Às vezes fico reclusa em um só homem. Hibernando. Sólida. Inverno astral. Noutras, corro para todos os lados, tentando acompanhar as moléculas que evaporam. Líquida. Gasosa. Quero impregnar e ser feliz. Mas logo... ela é passageira – somos passageiras! Não sei o que me faz feliz, mas sempre parece que é o que me abdiquei para conseguir o amuleto tenho (este, depois de alcançado, inútil). Mas é, talvez, a incerteza de quando a ‘revelação’ divina deste ‘amuleto ultimo’ se dará o que mais me deixa aflita. Ao contrário do que Raul disse em sua canção (‘que pena eu não ser burro, eu não sofria tanto’): a burrice é que gruda a tristeza. Vemos no conto de Sísifo que, enquanto ele cumpre sua ‘missão’ de rolar a pedra até o cume da montanha (pedra essa que rolará para baixo e o obrigará a repetir o serviço indefinidamente) ele é triste, sem alma. Só após adquirir consciência de si e do mundo à sua volta que consegue, de fato, contemplar o horizonte e criar fantasias.

Como Sísifo, não alcancei, ainda, consciência de mim.

E isso me impede de escolher qual caminho seguir. Como Alice, não sei qual caminho embrenhar por não saber onde, de fato, quero ir!

“sou, talvez, o elo/ o Portal/ entre o que teço, perfeito/ e o mundo de máquinas, espirros e apostas./ E estes dois mundos querem batalhar:/ um me tenta transpor/ um se empenha com aríete.”

Dadas as minhas experiências afetivas anteriores, não tenho ilusões quanto a felicidade, a consciência plenamente satisfeita, ou mesmo, alguma paz.

Estou, sim, entre uma paixão e outra. A paixão pelo jogo, pelo lúdico, pelo aspecto que não permite sondagens além do aspecto. Em que é proibido olhar nos olhos e assumimos personagens que morrem após a estréia. Pela lua. E a paixão por fantasiar, lapidar pessoas normais, pecadoras e caridosas, cristalizá-las em nossa mente a ponto de serem somente os avatares de um deus que criamos e, tal qual, idolatramos. Pelo sol.

Seja qual for a escolha, a weltschmerz me alcançará. Há uma dor em estar no mundo e isso não se dissolve em conceitos, máximas, ou superstições (sejam elas de caráter religioso ou individual).

Minha escolha (apesar de negar essa hipótese a mim mesma) é entre ter ou não esperança. Mas é esperar algo de alguém, sempre, o que nos faz levantar da cama... o problema é que não espero nada nem mesmo de mim. Talvez seja eu o Sísifo que contemplou o horizonte e, pouco depois, também não viu, ali, razão nenhuma para continuar.

Weltschmerz.

Pego o telefone, respiro fundo e visto minha máscara social. ‘Robertinha’.’Vamos sair hoje? Sexta-feira merece...heim”. Risadas e conversa fiada. ‘ Combinado’. ‘Dessa vez levarei um pedaço de bolo para a festa.’ ‘Isso, vou levar um cara comigo’. ‘Não, não é aquele de quarta não’. ‘Temos que ter opões, não é mesmo?!’. Risos. ‘Beijo, até à noite!’.

Respiro e incorporo uma mulher helena. Ele atende.’Oi’.’Você que não ligou mais... tudo bem por ai?’. Conversa fiada. Tento passar que estou bem, mas um pouco triste. ‘Vou a uma festa hoje e quero que você vá, quero te ver.’ ‘Sei que você é avesso a festas universitárias, mas essa será legal!’. ‘Combinado’.’Beijos!’.

Por que não tentar aliar a paixão lúdica, voluptuosa, à paixão-amor. Será possível andar acompanhada sob a lua, enfim, aconchegante?

"Vou me abrir". E o título: Permita (se - me - nos).

***
Permita (se - me - nos)

eu gostaria de ser um EU
Senhor dos seus mundos oprimidos
vassalos.
De regê-los com a leveza delicada
de um tirano
um déspota
um Maestro
um Avatar.

Mas os mundos estão separados
e rotam aleatórios
em sistemas distintos.
Tempo formas padrões – nada coincide
nem eu, que
equilibrista
sigo eqüidistante entre a fantasia da chegada e medo de altura.

sou, talvez, o elo
Portal
entre o que teço, perfeito
e o mundo de máquinas, tosses e apostas.
E estes dois mundos querem batalhar:
um me tenta transpor
um se empenha com aríete.

Vou me abrir.


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Leiam!, por germina