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segunda-feira, 28 de junho de 2021

Idiossincrasia

 


Image by Gerd Altmann from Pixabay 

— Sim, ouviu bem. Peço desculpa! — Humberto mostrava-se verdadeiramente contristado a falar com o Inácio, quando se encontraram casualmente ao sair do bloco de apartamentos onde ambos residiam. — Por toda a razão do mundo que eu pudesse ter, nada me dava o direito de falar consigo da forma como falei.

Ele estava consciente da expressão apatetada de Inácio, de quem era vizinho vai para dez anos, que não sabia como reagir a esta sua nova atitude completamente discordante da que sempre lhe conhecera.

 Como a maior parte dos habitantes de prédios, conheciam-se mais ou menos superficialmente, fruto de contactos esporádicos em reuniões de condomínio, ou na frequência das áreas comuns do edifício, como as garagens, átrios, escadas ou elevadores. A relação entre ambos, porém, sempre fora tensa e desagradável, devido ao péssimo feitio de Humberto, que explodia ao mínimo contratempo e partia para o insulto pessoal e a ameaça física. Não era, de resto, apenas com Inácio esta atitude, a fama dele alargava-se a todo o bloco… e à maior parte dos locais frequentados por ele.

— Mas que se passa consigo? — Interrogou o baixo e anafado vizinho, entre o receoso e o divertido. — Está doente? Alguma doença em fase terminal?

— Não, Graças a Deus que não… penso eu. — Humberto sorriu, para maior espanto do interlocutor. — Apenas estou a pôr a mão na consciência e a perceber que não tenho agido bem consigo estes anos todos e, principalmente ontem, quando discutimos por causa do seu cão a ladrar no corredor quando você entrava em casa. O barulho incomoda-me e peço-lhe por favor que evite que o animal o faça naquele local onde ecoa imenso. Tenha um bom dia.

Com estas palavras, voltou-lhe as costas e caminhou pelo passeio, deixando o vizinho olhando-o assombrado, segurando a porta da entrada com uma mão e o saco de papel da padaria na outra.

Humberto tinha consciência do seu péssimo feitio e muitas das vezes arrependia-se, algumas horas depois, das coisas que dizia ou fazia. Mas o simples relembrar da situação, trazia de volta o azedume e acabava por rematar com um sentenciador “Foi-lhe bem feita!”

Não era nenhum “hércules”. Nos seus quarenta e muitos anos, sempre fora magro, alto e seco de carnes; era a violência latente nas suas palavras e gestos, aliada à transfiguração instantânea de uma pessoa educada noutra sem qualquer filtro, que surpreendia e deixava sem reação as “suas vítimas”. Não poucas vezes, se vira envolvido em trocas de socos com alguns objetos da sua raiva, menos preparados ou educados, ou que simplesmente não aceitaram ser desaforados de ânimo leve. A coisa resolvia-se em poucos segundos; ou ficava-se, ou os presentes envolviam-se e separavam os contendores, permitindo-lhe manter a face (intacta).

A sua existência decorria num mundo onde as pessoas pareciam fazer fila para o desfeitear, desprezar, ou simplesmente aborrecer e ele fazia questão de se manifestar ruidosa e odiosamente, sempre que tal acontecia. Mesmo no emprego, a maior parte dos colegas de trabalho, temiam-no ou evitavam-no, apesar de lhe reconhecerem a diligência e eficiência profissionais. A grande exceção era Lucília, sua mulher, que conhecera nesse mesmo emprego e com quem casara, rendido aos seus encantos e à surpreendente capacidade de dulcificar o seu comportamento. Apenas a ela aquiescia quando censurado e só a ela reconhecia o seu problema. Após a violenta discussão com Inácio na noite anterior, Lucília, cansada e envergonhada dos problemas com os vizinhos, repreendeu-o asperamente e apresentou-lhe um ultimato: Ou ele mudava de atitude, ou ela mudava de casa… sozinha.

Humberto não conseguia conceber a sua existência de regresso à solidão dos tempos antes dela. Quando discutia no emprego, bastava um vislumbre da sua presença, para que o possante dragão que cuspia fogo pelas ventas, se transformasse num dócil cordeiro, ou no mais cordial dos colegas de trabalho. Quando regressava a casa, era como se saísse de um túnel quente, escuro e sujo e entrasse num imenso vale ensolarado, fresco e florido. A sua “fada do lar” recebia-o com o “solvente de mau-humor” que só ela possuía. Por isso, decidiu que aquele dia seria o primeiro do resto da sua vida mais tolerante e afável.

Envolvido nessas doces vibrações, sonhava acordado com a admiração e alegria que esperava ver mais logo nos belos olhos da sua doce Lucília. Ignorou de forma estoica o buzinar insolente do camionista quando se demorou a atravessar a passadeira, não resmungou, como sempre fazia, pelo ruído das motos e deu os bons dias a muitos dos conhecidos, alguns dos quais se imobilizaram no passeio, para confirmar se tinham ouvido bem.

No Pão Quente, não se incomodou pelo facto do funcionário ter atendido primeiro os que estavam sentados, nem por ter três outros clientes à sua frente. Quando chegou à sua vez, sorriu e saudou o empregado, deixando-o ainda mais nervoso e confundido. Quando este pousou o saco de papel com o seu pedido em cima do balcão, um dos pães rodou para o tampo de granito e ele colocou-o rapidamente de volta à embalagem. Humberto estremeceu e arregalou os olhos, corou, mas controlou-se e expeliu ruidosamente o ar do peito.

— Meu caro. — Avisou apaziguadoramente para o jovem funcionário que parara de respirar, pois percebia ter cometido uma falta, embora não soubesse ainda qual. — Esse pãozinho, rolou num balcão duvidosamente limpo e você apanhou-o com a sua mãozinha descuidada, pois a luva ficou ali em cima da prateleira. Importa-se de o substituir?

 Como um foguete e quase em pânico, o rapaz calçou a luva de plástico, pegou novo pão da caixa e trocou-o pelo “conspurcado”. O sorriso condescendente de Humberto estremeceu e desmoronou-se quando, o solícito funcionário, arremessou a unidade recusada para a caixa onde se encontravam os restantes pães para venda.

“Lembra-te, este é o primeiro dia de uma nova vida!” Humberto recomendou para si próprio, quando virou as costas ao balcão onde deixara as moedas para pagamento, sem agradecer nem se despedir. “Pelo menos aquele pão já não será para mim.”

Regressou a casa, satisfeito consigo mesmo, enquanto contornava alguns dejetos canídeos abandonados no passeio. Evitou os seus comentários a meia voz contra os amantes de animais, porcos, ignorantes e menos inteligentes que o seu animal de estimação. Não insultou a criança que quase o atropelou com a bicicleta nem se sentiu incomodado com o cão que o veio farejar, no limite da trela do dono.

Estava realmente um belo dia de primavera, com sol e uma temperatura amena, os pássaros chilreavam nos fios elétricos e nos beirais dos telhados. Tudo para ser feliz, não percebia como podia estar sempre zangado.

Em frente à porta de entrada, com o saco do pão debaixo do braço enquanto procurava a chave no bolso, recebeu sobre o ombro os generosos dejetos de uma das pombas, “que a estúpida da velha do quinto esquerdo insistia em alimentar”. Algumas pingas, perante o olhar escandalizado dele, caíram sobre os alimentos.

Simultaneamente, a porta do prédio abriu-se e de forma intempestiva, Inácio saiu, arrastado pelo enorme e trapalhão Retriever que possuía, quase derrubando Humberto. O saco de papel estatelou-se no chão; pães rolaram pelo passeio em todas as direções.

— Grandessíssima besta! — Explodiu Humberto, descontrolado, apontando o indicador espetado diretamente aos olhos do outro. — Que tens nessa cabeça de balofo gorduroso? Não sabes controlar o “cavalo”? Em qual das pontas da trela está o animal inteligente? Devia de te rebentar essas fuças!

 

Manuel Amaro Mendonça

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sexta-feira, 25 de junho de 2021

O olhar alheio

 

O que chamou a atenção do visitante do museu foi a descrição de uma evidência:

— … conjunto escultórico, constituído por duas peças em terracota policromada, representando, em tamanho real, uma mulher oferecendo um fruto a um homem, ambos em pé, quase nus.

Aproximou-se do varandim sobranceiro a uma famosa obra de Canto da Maia.

Percebe-se imediatamente que representa o episódio bíblico de Adão e Eva, título pelo qual ficou conhecida — continuava a voz.

De cima, o visitante viu dois homens junto à obra, de costas para si. No silêncio do museu, em dia de semana, a voz era clara e bem audível.

Segundo a Bíblia, se bem te lembras, Adão e Eva estavam no Jardim do Éden, puros e felizes, porque se tinham um ao outro por companhia e com permissão para comer de todos os frutos, exceto dos da Árvore da Ciência do Bem e do Mal; caso contrário morreriam “de morte”. Mas a serpente convenceu a mulher que, se comessem daquela árvore, não só não morreriam como se lhes abririam os olhos e eles seriam como deuses, conhecedores do Bem e do Mal. Então a mulher, reparando que a árvore era boa para comer, colheu do seu fruto, comeu e deu ao homem, que também comeu. Realmente a serpente falara verdade: os olhos abriram-se-lhes e só então souberam que estavam nus.

Havia qualquer coisa de estranho no duo. Enquanto um falava, o outro mantinha um silêncio atento, mas parecia ligar mais à explicação do que à obra.

A obra fixa o momento em que Eva, tendo talvez já provado do fruto, o estende a Adão, que esboça um gesto de recusa delicada. A mulher dirige-se para o homem: o pé esquerdo avança; os joelhos estão ligeiramente fletidos; o rosto é esticado para cima; os olhos estão semicerrados. Há um êxtase interiorizado, um pedido mudo, entendível apenas na postura. Há a oferta expressa dum fruto, na palma da mão esquerda estendida; há a oferta implícita do corpo, que se desnuda — o braço direito estendido sem defesa ao lado do corpo, prestes a largar um escasso véu que a contorna por detrás; a outra ponta presa apenas pela leve pressão do peso do fruto sobre a mão. A ligação entre véu e fruto é óbvia e evidenciada. Ao tirar-se o fruto, o véu cai. O corpo, a nudez, a sexualidade são aqui intimamente associados ao fruto proibido.

A descrição era de excecional qualidade; atentava em pormenores que o visitante nunca notara. Concentrou a atenção.

A representação, de grande sensualidade, plasma o momento mágico em que a mulher se oferece intimamente e sem reservas ao companheiro. Ele está parado, de pés ligeiramente fletidos para dentro, tronco retraído e mãos levantadas em frente do peito, em postura globalmente defensiva. A cabeça está esticada para cima, criando uma ambiguidade entre recusa polida e aceitação desvanecida. O pano que ele sustenta está ainda firmemente enrolado no antebraço direito. Ainda faltam alguns momentos para que o tecido leve, que mitiga a sua nudez, se desenrole e caia. Só um homem como este, preso à rigidez da terracota, consegue ainda resistir a uma oferta tão veemente.

Do varandim, o visitante seguia atentamente a descrição. Também o ouvinte movia o rosto lentamente, um pouco à esquerda, um pouco à direita, apreciando, em silêncio, os pormenores descritos.

O penteado de Eva é objeto de um trabalho minucioso de modelação, apresentando um entrelaçado complexo, que começa no risco ao meio da cabeça e se divide em três tranças de cada lado, onde cada trança agrupa várias madeixas. As tranças cobrem as omoplatas e acompanham a curva do corpo. O penteado de Adão é ainda mais estilizado. É constituído por caracóis hexagonais, paralelos ao couro cabeludo, o que lhe transmite um certo ar de carapinha. No limite anterior, os cabelos não formam caracóis, mas tufos ondeados penteados para trás.

O visitante tentava seguir a explicação demasiado minuciosa, mas alguns detalhes escapavam-lhe.

Canto da Maia gostava do tom avermelhado da terracota, da aura de primitivismo que dá. Usaram-na os Sumérios, os Egípcios, os Gregos pré-clássicos, tantas outras civilizações primitivas. E gostava de véus, sobretudo plissados. Evocam as vestes leves e transparentes das representações egípcias do Império Novo, mas também as gregas. A influência para este arcaísmo erudito de grande beleza vem-lhe do seu mestre espanhol, Júlio António, artista de grande sobriedade formal e contenção emotiva, que lhe transmite a consciência duma cultura comum à bacia mediterrânica.

Já se percebia que a explicação chegava ao fim. O visitante parecia esperar mais.

Como é patente, a representação usa muita expressão não-verbal de sentimentos, para criar uma atmosfera de intimismo, só dos dois. Um espectador, como nós, não cabe no diálogo telepático que está estabelecido; não passa de um estranho. Exterior à sua comunhão, limita-se a circundar o par, para o qual parece não existir mais ninguém no mundo. Gostaste?

Obrigado por me “dares a comer deste fruto”! — agradeceu o ouvinte, em voz suave, sem responder à pergunta. — Acho que se me “abriram os olhos” para tudo o que me apontaste.

O visitante viu-os virarem-se e seguirem para outra sala, o ouvinte apoiado ao outro com a esquerda e uma bengala branca na direita. 

Joaquim Bispo

*

Imagem: Canto da Maya, Adão e Eva, 1929–39.

Museu Nacional de Arte Contemporânea (Museu do Chiado), Lisboa.

* * *






quarta-feira, 23 de junho de 2021

A MAGIA DO CIRCO

 



 


 

Naquela manhã de terça-feira, a carteira estava desconfortável. A professora falava sem parar, e com o burburinho da classe, sua voz alterada soava estridente, quase que insuportável. Não pensei duas vezes... Apoiei os cotovelos sobre a carteira, com as mãos espalmadas cobri os ouvidos e, lá de trás, fiquei olhando a lousa. Os olhos estavam fixos na pedra negra, ou verde-escura, mas nem enxergava. Pensava no circo... No circo que deveria chegar à vila naquela manhã. Eu queria tanto estar na rua vendo os carros, os caminhões trazendo os mastros, as tábuas das arquibancadas, as lonas, os trailers!

E estava ali, naquela carteira dura, entre quatro paredes e tendo que ouvir aquela voz estridente, ininterrupta. Se pelo menos ela não precisasse falar tanto!

Ficava até engraçado! Eu, com os ouvidos tapados, os olhos presos no quadro-negro, e a figura da professora aparecendo intermitentemente enquanto explicava pela quinta vez o mesmo problema, caminhando de um lado para o outro.

Era curioso vê-la mexer os lábios sem parar! Que será que falava naquele momento? Seria fácil saber, bastaria baixar as mãos! Mas não queria. Queria pensar no circo...

Quando tocasse o sino avisando o final da aula, sairia voando pelo portão da escola. Será que a duração do período havia mudado? Por que custava tanto a tocar o sino? Será que o servente havia cochilado? Se demorasse mais um pouco, ficaria em pé. Não aguentava mais aquela carteira!

Bléim! Bléim! Bléim! Hora santa! Bendito seja esse servente! Não suportaria mais um minuto!

A distância da escola até em casa nem vi, nem senti. E foi só o tempo de jogar a bolsa, tirar o uniforme, pegar um pedaço de pão e... pé no mundo... A rua principal da vila me aguardava! Era um trote só. Meus pés nem sentiam os degraus, as guias de sarjeta, os pedregulhos... De repente, era como se o chão fosse todinho plano.

Que decepção! A rua estava quase deserta, parada demais. Apenas um ou outro andante, sem pressa. O que será que havia acontecido?!

Atravessei a rua num salto e olhei para o terreno vazio, ao lado da igreja. Nada de caminhões, nada de circo. A venda do Seu Chico! Era lá que tinha que perguntar...

− Seu Chico, cadê os caminhões do circo?

− Que nada, Crovito!  Chegou nada não!

Caramba! Seu Chico não aprenderia nunca a falar meu nome. Já não era dos mais bonitos e, ficava pior ainda quando pronunciado errado!

Ajeitei-me na beira da calçada e só depois de alguns minutos, dei conta do pão amassado entre os dedos. Com os dentes ia rasgando os nacos e mastigando... O sol estava de rachar!

Será que o dono do circo havia mudado de ideia e resolvido ficar na vila vizinha onde o dinheiro corria mais solto?! Por que demorava tanto? Será que traria bichos? E o palhaço, seria bom de serviço? Ah! Claro! Eles sempre são bons! E o trapézio?! Melhor que não tivesse trapézio... Era um momento de sofrimento no circo. Não gostava da aflição que eu sentia no peito enquanto aqueles doidos faziam estripulias nas alturas. Mesmo sabendo que havia a rede de proteção, ficava agoniado, com as mãos suadas, o corpo retesado, e o pescoço doendo sem parar... Definitivamente, trapézio era aflição, e não distração.

Com os olhos semicerrados, ofuscados pela luminosidade excessiva do sol, fitava sem parar o começo da rua, lá na baixada perto da caixa d’água, na entrada da vila.

Minha expectativa se aguçava com qualquer ruído de carro vindo daquele lado. Chegava mesmo a me levantar! E ficava desapontado quando percebia ser apenas um caminhão de bois, ou um ônibus. Uma poeira infernal, sem falar do calor!

Lá pelas quatro da tarde, depois de haver saturado a paciência do Seu Chico para saber as horas, minha alegria ganhou alento.

Com um barulho avassalador, alto-falante a toda prova, buzinas e gritarias, a frota do circo despontou na entrada da vila. Num salto, coloquei-me de pé e saí numa desabalada carreira. Queria ver cada movimento, dissecar com os olhos cada caminhão. Que alegria!

Quando me vi diante dos carros, fiquei estarrecido.  O motorista da frente buzinava sem parar e fazia sinais para que eu saísse da rua. Só então me dei conta de que estava atrapalhando a passagem, e pulei para o lado do caminhão, rente à calçada. E corri como nunca, acompanhando a caravana! Eu pulava, gritava, assobiava... Santa Maria! Que alegria eu sentia!

Quando cheguei à praça, estava ofegante. Sentei-me no banco e fiquei observando os forasteiros. Parece que a vila inteira se juntara ali. Brotavam pessoas em todas as esquinas, e iam se aglomerando, batendo palmas, acenando os braços, erguendo os chapéus. Cada um extravasava sua emoção como queria, da forma mais espontânea. Quando olhei pro Seu João da Farmácia com os braços erguidos, sapateando como se dançasse catira, ele ficou meio sem jeito, fitou-me de relance e ajeitou os óculos sobre o nariz. Tudo tão fantástico! O circo era, sem dúvida nenhuma, a alegria daquela vila quase sertão.

Grudei os olhos nos badulaques dos caminhões. Os artistas, todos em roupas coloridas, vivas, ciganas. As mulheres traziam várias voltas de colares e pulseiras, e na cabeça, cachos e cachos de flores. Tudo transpirava ilusão. Os ciganos alegres, trazendo nos sorrisos a ilusão do ganho para subsistência, e nós, mostrando no delírio da receptividade, a avidez de ilusão para preencher nossa vivência...

Não perdia o menor detalhe! Era um circo pobre, visível na decrepitude da frota. Mas não importava. O que valia mesmo era a euforia da chegada e a certeza de que o circo ficaria por ali uma, duas, três semanas... O tempo de permanência era determinado pela bilheteria. Tomara que todos fossem ao espetáculo... E todos os dias!

A caravana contornou a praça e instalou-se no terreno ao lado. Era um rebuliço só! A multidão curiosa aglomerava-se ao redor dos carros atrapalhando até mesmo o desembarque das pessoas. Os artistas sorriam, acenavam, jogavam beijos, mas dava para se perceber que queriam ficar um pouco à vontade, pelo menos o tempo necessário para montarem o acampamento.

Pouco a pouco os curiosos foram se afastando. Seu João voltou para a  farmácia, Seu Chico foi rapidinho para a venda. Todos se foram, menos eu. Gostava de ver o trabalho, a organização dos ciganos quando chegavam. O trabalho era tão dividido e tão sincronizado que em pouco tempo o acampamento estava montado. As barracas, num passe de mágica, iam pipocando em volta do terreno. Havia apenas dois trailers. Um era do dono do circo, e o outro era para guardar as roupas e apetrechos dos artistas. Não havia bichos, apenas três cachorros que serviam de guarda. Enormes e mal-encarados, e com grandes bochechas caídas, babões... Ainda bem que ficavam amarrados!

Os ciganos falavam pouco. De vez em quando se ouvia a voz do chefe dando uma ou outra ordem. Era tudo muito bem repartido. Cada membro da caravana já sabia da tarefa que lhe cabia e a executava num piscar de olhos. Não descarregaram as tralhas da armação do circo. Isso ficaria para o dia seguinte. Seriam contratados trabalhadores avulsos, gente da vila mesmo, que ajudaria no serviço braçal. Pena estar escurecendo! Não demoraria muito e teria que voltar para casa. Pensando bem, até que seria providencial! Estava apertado, precisando de um banheiro, e meu estômago reclamava sem cessar! Percebi que as ciganas começavam a luta com as panelas, duas crianças com uns trocados nas mãos, correram para a venda do Seu Chico. Foram em busca de linguiça e manjuba.

Meti as mãos nos bolsos, suspirei fundo e virei para casa. Ia assobiando, ora trotava, ora caminhava. Pensava sem parar na vida dos ciganos. Vida estranha! Povo sem casa, povo sem pátria... E unidos, extremamente unidos! 

Na vila corria um boato de que os ciganos eram ladrões. Quando estavam por ali, ninguém ousava deixar nada para fora, à noite. Minha mãe recolhia até os trapos do varal! Sabia lá até onde aquilo era verdade!  E, quando partiam, o povo ficava preocupado, com medo que a caravana levasse alguma criança da vila. A verdade verdadeira eu não sabia, mas percebia certo temor na carinha das outras crianças quando se aproximavam dos ciganos.  Eu não! Medo eu não tinha, mas um pouco de cisma, não podia negar! Talvez todas aquelas histórias tenham sido inventadas, levando-se em conta a vida diferente dos ciganos. Era um povo sem raízes, sem parada, descompromissado, alegre demais diante da crueza da vida. Nem suas crianças conseguiam estudar direito! Era um “levanta-acampamento” sem fim!

Em casa, depois de uma bronca daquelas, hora de traçar uma comidinha gostosa para forrar o estômago tão castigado com as aventuras do dia. O tempo gasto foi só aquele: o do banho e o da janta, e de novo na rua. A noite caiu pra valer! Escuro feito breu! Metido em roupas limpas, peguei o caminho da praça.

Não via a hora de chegar ao acampamento. Que beleza!... As tendas com os panos erguidos, lampiões espalhados por todos os lados. Ainda não tinham puxado a energia do poste da esquina. Uma grande fogueira no meio do terreno e as pessoas todas em volta. O barulho da música era estimulante. Tocavam guarânias e cantavam. Quando a música era mais fogosa, as mulheres punham-se de pé, puxavam seus parceiros e dançavam sem parar, rodopiando soltas, com as saias vastas e coloridas abrindo-se em toda dimensão. E como eram bonitas as ciganas! Que povo alegre!

Fiquei tempo acocorado num canto, observando tudo. Não perdia nada! Nem queria... De repente, dois pivetes vieram ao meu encontro. Os mesmos que foram à venda do Seu Chico. Eram mais ou menos do meu tamanho. Foram se chegando e puxaram prosa. Perguntaram meu nome, se estudava, e queriam saber onde eu morava. Não respondi de jeito nenhum! Não podia fazer amizade, minha mãe me mataria se eu aparecesse em casa com dois ciganinhos!

Sentaram-se no chão e ficaram remexendo, com os dedos, a terra solta.

− Você quer brincar com a gente?

− Não! Quero dizer... Amanhã, quem sabe?!

− Não precisa ficar com medo! Só queremos brincar, nada mais...

− E quem foi que disse que estou com medo? É que agora não posso, tenho que voltar pra casa...

Fui me levantando, fiz um aceno pouco convincente de que estava seguro, e rumei para casa. Não havia sentido medo, apenas achava que tinha que ficar mais chegado antes de brincar. Para falar a verdade, nem sabia que cigano brincava! Talvez eles nem conhecessem minhas brincadeiras!...

Ia andando e pensando, e cheguei a me irritar só de imaginar que eles pudessem supor que eu era um medroso, um borra-botas.  No dia seguinte eu poderia falar novamente com eles, e se a impressão tivesse ficado, poderiam perceber que não era nada daquilo!

Deitado de costas, eu olhava o teto e pensava longe. Fiquei matutando como que os ciganos dormiam. Não vi camas no acampamento! Será que dormiam no chão?!

Pensando, revivendo cada minuto do dia, revendo o rosto dos dois ciganinhos, seus sotaques, a maneira cantada de falar... Em meio a tudo isso, dormi profundamente.

Caramba! De novo naquela classe, naquela carteira dura, com aquele burburinho de moleques, a voz estridente da professora, e eu de novo com os ouvidos tapados. Que martírio!

À tarde, quando cheguei ao acampamento, a estrutura do circo estava quase toda montada. Uns trabalhavam nas estacas de sustentação, outros na montagem das arquibancadas, e os mais atirados se punham lá em cima, na colocação da lona. O martelo comia solto. Tudo tinha que ser executado com segurança, nada podia ser negligenciado.

 Fiquei ligado na montagem do palco. Ali se desenrolariam os dramas, histórias costumeiramente repetidas, mas sempre cheias de encanto. Gostava de ver “O Ébrio” , e chorava todas as vezes que assistia! Sabia de cor e salteado tudo o que aconteceria, mas era sempre um toque fundo na minha emoção. E chorava... Como chorava! Minha mãe também!

A estreia estava programada para a noite de sexta-feira. A dupla sertaneja que se apresentaria na grande noite seria “Tonico e Tinoco”. Na vila não se falava em outra coisa! No sábado, a atração principal seria o “Lambari”, um artista-palhaço muito querido por aquelas bandas. Eu não perderia um espetáculo. Nem que fosse pra vender pirulitos para a cigana!

Falando em pirulitos, gostava de ver a cozinha dos ciganos em dia de espetáculo. Era um corre-corre danado! Amendoim, pipoca, quebra-queixo, pirulitos de açúcar queimado e Q-Suco de cereja, se bem que o que eu via mesmo era licor de groselha sendo misturado! Eles usavam garrafinhas vazias de guaraná, e nelas colocavam o suco. Conforme iam esvaziando, as mulheres enchiam novamente, e o menino-vendedor voltava ao circo com novo estoque. Para dizer bem a verdade, nem lavavam os vasilhames entre uma enchida e outra. No final do espetáculo, os últimos a tomarem suco ficavam enfastiados, tamanho era o melado, o grude que cobria as garrafas. Higiene passava longe!... Mas, tudo era festa. O suco ali no circo era melhor que qualquer guaraná servido nas mesas do almoço de domingo. Gostoso era o momento! Gostoso era o encanto, a magia do circo!

O que mais me impressionava era a preocupação das mães das moçoilas da vila, quando chegava um circo. As moças, de miolos moles e de corações feito gelatina, se empolgavam com os artistas e, deslumbradas, eram vítimas de promessas vãs feitas em noites de luar. Minha prima mesmo deu a maior bandeira quando o circo anterior foi embora. Minha tia, já experiente, percebeu alguma coisa no ar, e ficou de olho. Qual não foi a surpresa quando, dentro do malão no quarto, viu a trouxa de roupa feitinha. Estava tudo arranjado para a fuga, na madrugada seguinte, com a caravana.

Foi um tendepá, o tempo fechou, o circo partiu e minha prima ficou debulhada em lágrimas. Se ficasse sozinha, chorava, se alguém lhe falasse, chorava. O negócio dela era chorar! Chorou durante uma semana, depois... passou. Àquela altura, com novo circo na vila, sua cabecinha já deveria estar a mil, pensando nos novos artistas. Planos maquiavélicos estariam lhe dando nó nos pensamentos, com certeza!

Engraçado como tudo se repetia. Uma, duas, três... Inúmeras vezes e não perdia o encanto! A cada chegada de circo era uma festa tão esperada, tão curtida que parecia ser a primeira. E eu amava aqueles momentos!

Tudo estava uma beleza! A lona estendida no chão apresentava rasgos enormes, buracos por onde passariam chuva e sol suficientes para amolar várias pessoas. Mas lá no alto, esticada, aberta sobre as estacas, aqueles furos pareciam insignificantes, quase que imperceptíveis. Chegava mesmo a ficar bonita! Imponente! Era toda listrada de vermelho e amarelo. Alegre, alegre como aquela gente. Alegre como a vila estava. Ou era eu?!

O tablado de madeira, bem alto do chão, era grande. Seria o palco das grandes emoções. Ficava sempre imaginando o vexame que seria se no meio do ato em noite de espetáculo, fossem acesas as luzes do picadeiro! Em meio ao drama que se desenrolava lá em cima, na plateia era um choro só, se bem que disfarçado, é claro! Às vezes, uma ou outra dama mais descuidada, ou mais incontida, deixava escapar um soluço, ou mesmo uma fungada, daquelas que saem da garganta quando tentamos engolir o choro. Aí era um desconforto... O marido lhe chamava à atenção, os filhos a recriminavam, e os mais indiscretos ou insensíveis soltavam gargalhadas.

Meu Deus! Como a mulherada chorava!... Não era só a mulherada, eu também chorava. Por isso ficava sempre perto da minha mãe. Ela não se importava com o meu choro. Também, se olhasse para ela sabia com certeza o que iria ver. A cara vermelha, a mão cobrindo a boca como que para sufocar o soluço, e os olhos encharcados. Eu era discreto. Nem olhava... Meu pai cruzava e descruzava as pernas. Balançava a cabeça de um lado para o outro como se achasse a situação patética. E repetia mil vezes:

− Não sei pra que chorar? É tudo de mentira!

Insensível! Não importava que fosse de mentira. O que importava é que retratava o verdadeiro, o real. Ele nunca entenderia! Ou  entenderia?!

Se eu fosse adulto estaria trabalhando ali, na armação do circo. Mas, moleque ainda, sobrava-me olhar e fazer de tudo para evitar ser escorraçado dali. Prestava uma atenção danada no movimento dos homens que estavam por perto. Sabia que se os atrapalhasse seria convidado a me retirar. Nem pensar! Arrumava sempre um canto para ficar onde não incomodasse ninguém. Só queria ver, e bem de pertinho!

À noite, tudo se repetia. A fogueira acesa num canto, a festa, a dança, e os ciganinhos puxando prosa. Eram inofensivos. Não passavam de crianças como tantas outras. Crianças com os mesmos instintos, com as mesmas brincadeiras, com as mesmas vontades. A única diferença ficava por conta da vida sem parada, sem raízes, da vida sem história, ou com muitas histórias, não sabia! Nem amigos fixos conseguiam ter! As amizades eram sempre superficiais, efêmeras, não havia tempo para que amadurecessem, para que fosse criada a cumplicidade de espírito, de pensamento, de experiências.

Noite de sexta-feira. O adro da igreja estava apinhado. Gente saindo pelo ladrão! As moçoilas, alvoroçadas, corriam de um lado para o outro, olhando aqui e ali, procurando os olhos verdes, os olhos castanhos, o príncipe encantado. Parecia até que o povo todo do campo, em redor da vila, estava ali. O circo já havia programado duas sessões. A primeira certamente lotaria com o povo da roça! Nada mais justo! Afinal, teriam de voltar para casa, e a casa não ficava nada perto!

Eu estava tão afoito, tão contagiado com todo aquele burburinho que sentia até formigamento no corpo. Parecia até que meu sangue voava nas veias! Meu ingresso estava no bolso, e não precisava me preocupar em entrar logo. A cadeira guardada ficava por conta da minha mãe. Ela sabia que eu tinha que ficar num lugar privilegiado, e também sabia que eu seria o último a entrar...

Precisava viver cada momento, cada minuto daquele vaivém da praça. E eram tantas cenas engraçadas! As discussões na fila da bilheteria quando algum intruso, se julgando muito esperto, tentava furá-la, os palavrões cheios de insultos daqueles que tinham os pés pisados por outros mais descuidados, a mãe gritando alucinadamente com alguma criança que, distraidamente, se dispersava na multidão. Era um desassossego de pernas, de braços, de bocas. Era como se todos tivessem combinado de falar ao mesmo tempo. E como eu curtia tudo aquilo!

Antes do início do espetáculo, eles soavam uma sirene por três vezes, com intervalos de dez minutos. Acabava de soar o segundo aviso e eu achei que deveria me encaminhar para a entrada, pois poderia ter fila!

Não queria perder nem a apresentação dos artistas feita no começo e no final do espetáculo. Era tudo tão colorido, tão brilhante, e a música que a banda entoava era eletrizante!

Corri para a fila. Ainda bem que não estava extensa.  Não demorou nada e eu já estava sob a lona, afundando os sapatos na camada de pó de serra espalhada pelo chão, e sentindo a claridade ofuscante dos holofotes do picadeiro. Que lotação! Que burburinho! Era um empurra-empurra, um esfrega-esfrega, desculpa pra lá, desculpa pra cá, tantas as vezes que os cotovelos resvalavam ora na cabeça de um , ora nas costas de outro...

Passei os olhos na fileira da frente, a primeira, diante do picadeiro. Em segundos descobri minha mãe que sinalizava indiscretamente com os braços, feito torre de comando. Difícil foi chegar até ela! Era um deus-nos-acuda passar por entre as cadeiras lotadas. Insultos não faltavam!

Acomodado, os olhos faiscavam olhando as cortinas por onde sairiam os artistas. A banda, já em forma, aguardava o terceiro sinal para puxar a música. E meu coração, aos solavancos, contava os minutos que antecediam aquele momento. Foi num zás-trás! A sirene soou. Comprida, chamativa. Em seguida, a banda detonou. A marcha alegre contagiava as pessoas, e por incrível que possa parecer, acalmava as crianças. Elas se acomodavam, procuravam seus lugares, os pequeninos corriam para o colo da mãe, ou do pai, e ficavam em clima de expectativa. Os olhos brilhavam contentes, ansiosos.

Entrou o apresentador, dono do circo. Em traje de gala, brilho para todo lado, vinha com passos decididos, sorridente, satisfeito com a imensa plateia. Tentava passar uma boa imagem do seu espetáculo. Agradecia com seu sotaque pitoresco o comparecimento de todos, elogiava o povo da vila e apresentava seu elenco. Os artistas iam entrando na sequência anunciada, ao som da marchinha alegre, as roupas brilhando feito joias, e enchendo nossos olhos de encantamento. Sorridentes, extremamente sorridentes.

Ah! Os palhaços... Quantos palhaços! Graciosos, engraçados, faceiros. Os dois palhaços anõezinhos eram lindos! Peraltas até onde mais não podiam!

 E tudo foi um sonho... As brincadeiras, as palhaçadas, as mágicas, o malabarismo, e a dupla caipira, esta sim encantou o meu pai. Ele ficou maravilhado, não conseguia fechar a boca diante de tanto fascínio! Foram cantadas aquelas mesmas músicas que ouvíamos no rádio, quase que diariamente. Do trapézio eu não poderia falar, porque a bem da verdade, nem olhei. Sofrer pra quê? Aproveitei o tempo e fiquei observando as pessoas. Sinceramente, estava até patético! Todos com os pescoços estirados, queixos para cima, corpos retesados, e o silêncio apenas era cortado pelo rufar dos tambores e pelo suspiro coletivo da plateia. Era um “uuuuuiiiiiii” fundo, comprido. Pelos semblantes apavorados podia imaginar as estripulias que aqueles malucos faziam lá em cima. Ainda bem que foi rápido. Trapézio era de lascar!

Para fechar a noite, a peça de teatro. Linda, e como sempre, extremamente triste. A cena se repetia. Luzes apagadas na plateia, o choro disfarçado, o assoar de nariz, a tosse dissimuladora...

E a sessão terminava... As luzes acesas, as palmas, os artistas voltando ao picadeiro, o aceno de despedida, a voz do apresentador agradecendo a presença de todos e propagando o espetáculo do dia seguinte, a banda dando os últimos acordes. Que pena! Ficaria a noite toda ali, se preciso fosse!

Na saída, os pequeninos já não caminhavam. Dormiam frouxos nos ombros dos pais amarrotados, das mães de olhos inchados. O comentário favorável era geral. Todos haviam gostado do que viram, elogios pipocavam em todas as conversas. O povo estava satisfeito!

Nossa Senhora! Como estava a cara da Dona Isidora de tanto chorar! Parecia que tinha lutado boxe! Coitado do marido! Estava até constrangido!

Em casa, eu nem conseguia dormir, tamanha a excitação vivida naquele dia. Diante dos meus olhos as cenas se refaziam. Os palhaços... Ah! Os palhaços...

Os dias voaram, os espetáculos voaram. Uma, duas, três semanas... Até que chegou o triste dia. A partida da caravana. No mesmo ritmo acelerado da montagem aconteceu o desmanche do circo. Em horas de trabalho, tudo estava no chão, ou melhor, nos caminhões.

E a caravana partiu. Silenciosa, sem banda, sem buzinas, sem acenos, sem alvoroço. Os únicos que me saudaram na partida foram os ciganinhos. Pareciam tristes! Minha cabeça era tão dura que só me lembrava do nome de um deles: Pablo. Também, o outro tinha um nome tão esquisito, tão complicado! Tão complicado como estava meu ânimo naquele momento. Vendo a caravana se perder em meio ao pó da estrada, sentia o peito apertado, um desânimo, uma desilusão...

Olhei o terreno vazio, havia muito lixo espalhado. Quanta diferença havia entre aquele silêncio e o vozerio dos dias passados! Só me restava pegar o rumo de casa... Sem pressa, mãos metidas nos bolsos, chutando um pedregulho aqui outro ali, cabisbaixo, descorçoado, num desalento só...

Não demorou muito e a notícia se espalhou. O rebuliço explodiu na vila, era um fala-fala danado! Eu havia percebido silêncio demais na partida. Foi muito às pressas,  como se alguma coisa impelisse a caravana a deixar rapidamente a vila.

Minha mãe, percebendo o alvoroço das vizinhas, as vozes alteradas, correu até a porta, espantada. Para acalmá-la, fui ao seu encontro e, percebendo seus olhos aflitos e inquisitivos, falei calmamente:

− Não foi nada, mãe... A filha da Dona Idalva partiu com a caravana...

 

  Regina Ruth Rincon Caires                                                                                                                                          


 







domingo, 20 de junho de 2021

A MAIS PURA SINTONIA

 



Alice e Maria Helena eram tão afinadas, cúmplices e solidárias que 

diziam menstruar juntas. O casal vivia um amor simbiótico, como se 

um ser indivisível fosse. Mesmo em corpos diferentes, suas almas 

se confundiam num grude só.  


Gostavam dos mesmos gostos, tremiam pelos mesmos medos, cantavam 

as mesmas músicas, dançavam os mesmos ritmos, rezavam pelos mesmos 

santos, liam os mesmos livros, bebiam dos mesmos copos, torciam 

pelo mesmo time, comungavam das mesmas opiniões, esbaldavam-se das 

mesmas delícias, gozavam o mesmo gozo. 


Quando choravam, choravam as duas. Quando riam, riam na mesma hora. 

Não divergiam, não discutiam, não discordavam. A harmonia era soberana, 

na bonança e na tristeza, no tufão e na calmaria, no tesão e na doença. 

Quando sentiam dor de cabeça dividiam as aspirinas. Xingavam pela topada

da outra, espirravam em dueto, tossiam em raro sincronismo. 


Até TPM repartiam, com humores alterados, dores somatizadas, fantasmas 

compartilhados. Não adotaram bebê por opção. Não entregariam um de seus 

úteros aos avanços da ciência por convicção. Egoístas, não se enxergavam 

amando mais do que a si próprias.  


Até que chegou Violeta, filha de uma prima distante de Maria Helena, viúva 

recém falecida, deixando a filha de 18 anos só e sem chão. Alice e Maria Helena 

não hesitaram em acolhê-la. E foi Violeta morar com elas. Menina já mulher, 

iluminada e especial, cativante e esplendorosa, meio tímida, meio 

atirada, meio anjo, meio diabo.


Certa noite, partilhando da mesma insônia de Maria Helena, Alice puxou 

o assunto.


- Amor, tenho que te contar uma coisa. É papo brabo.

- Diz logo, mulher...

- Essa menina Violeta, sei não, Maria, essa convivência  de repente

está mexendo comigo. Nunca imaginei que isso fosse acontecer com 

a gente. Ela me tira do sério, me dá queimação no peito, que desce pelas 

pernas.

- Não me diga que está se apaixonando por ela, Alice?

- Como você percebeu?

- Porque também estou, querida. Completamente. É coisa forte e 

perturbadora. 

 

Antes que o sol nascesse, Alice e Maria Helena foram ao quarto ao lado. 

E fitaram Violeta nua, semi embrulhada nos lençóis, cabelos castanhos 

emaranhados sobre o rosto, pernas abertas fazendo um quatro, mão sobre 

a relva do sexo exposto, provocando um ligeiro movimento pélvico 

ritmado por delicados suspiros. Sinal de que boa coisa ali se sonhava.


Alice e Marie Helena assistiram ao ressonar de Violeta, abraçadas, 

pulsantes e desejosas de que aquilo não acabasse nunca.  

Mas eis que Violeta acorda de supetão. Senta-se na cama, tira os cabelos 

do rosto, e descortina os seios em riste. 

A menina ronrona com sua pureza maldosa. 


- Alice, Maria Helena… posso dormir com vocês? Estou tendo sonhos 

estranhos…


E assim inauguraram as três uma vida de amor puro e intenso. 

Passaram a dividir cama, mesa, banho e óbvias gostosuras. 

Riam, se divertiam, faziam-se de gato e sapato, dormiam abraçadinhas, 

preparavam comidinhas, assistiam a séries, saiam para dançar, passear, 

tomar chope no botequim. Tinham planos para o futuro, 

casa de campo, viagem à Europa, um filho para as três, talvez, 

por que não? Três barrigas, era só escolher. 


Mas um dia Violeta não chegou. 


Mesa posta para três, um silêncio foi servido na hora do jantar. 

Meia noite, noite e meia, madrugada, sol nascendo. Da janela, 

quatro olhos desassossegados entre persianas trêmulas e respirações 

suspensas, avistam um carro na entrada do edifício. Violeta exuberante, 

vestido esvoaçante, cabelos desajeitados, sandálias de salto na mão, 

sorriso de quero mais, se despede de um vulto alto e forte, 

supostamente bonitão. Um beijo eterno e contundente, 

um facada em dois corações.


Naquele instante flagrante, Alice e Maria Helena experimentaram, mais do 

que nunca, a perfeição suprema da mais pura sintonia. Quatro orelhas 

arderam, quatro pernas bambearam no mesmo chão que se abria. 


Duas gargantas, um nó. Um soco no peito que é um só. 

Pela primeira vez na vida, conheceram o ciúme. De corroer os estômagos 

siameses, suar as mãos entrelaçadas, soluçar em jogral. 

Nos corações gêmeos e nos rostos parelhos, a mesma dor da traição. 

 

 

 






sábado, 19 de junho de 2021

Azul celeste


Celeste era mesmo uma brisa da cor do céu; a menininha e o tesouro escondido do papai. Quando eu a encontrava em trajes rústicos, na cabeceira do rio, sentia tanto magnetismo, com o seu singelo sorriso demarcado na expressão dos olhos, que me afoitava para a água, em modos de pescador do nada, e logo vinham me tolhendo os passos profundos de Ignácio – o miserável pai. Eu não intuía a disposição de um velho querer a filha só para si, como se fosse um bibelô, para escorar algum livro empoeirado relegado a uma estante inservível. Ele me afetava com uma zanga de outros séculos, limando qualquer princípio de amistosidade entre nós. Houve um dia em que o encontrei na estrada de piçarra para o sítio Paraíso, ele indo para o mato, trabalhar, arranjar o de-comer, e eu em direção ao meu fado, que não era tão paradisíaco assim. Eu o encarei, como que a cinquenta metros de distância. Ele me viu, mas baixou a cabeça; e, quando se cansou, olhou para o lado, disperso, como se estivesse à procura de uma caça imaginária. Conhecia a sua estratégia, e bolava jeito de o dissuadir. Contudo, ele se mantinha rígido para o meu lado, sem responder aos meus contatos, que variavam de “Bom dia, mestre!” a “Como vossa senhoria está?”. O máximo que correspondia era o sufoco e a afobação. Pronto, ele se danava para algum esconderijo incógnito e, se estivesse com a princesa, arrastava-a pelo braço, como um bezerro caído do ventre da mãe, desengonçado. Aquilo me doía demais. Não chegava à minha compreensão a ausência de atitude da mulher mais linda. Por que ela era tão constrita às ordens, abertamente ilegais, absurdas? Pensei em roubá-la, como se fazia na época do cangaço, mas haveria o risco de me complicar mais, uma vez que Ignácio prestava, ocasionalmente, serviço ao coronel Lacerda, um poderoso que juntava todas as forças de padre, delegado e prefeito. Mandava em tudo ali. E, suponho, era cismado comigo por trabalhar com o velho coronel Araújo, que, com a sua coleção de anos, já não reunia forças para lutar; era, muito diferente dos tempos de sua mocidade, uma pena inerte, prestes a voar nalgum vento traiçoeiro. A mim, raciocinava, não sobrava nenhuma salvação, a não ser os lindos olhos de Celeste. Foi que, no dia de São José, como o sertão se enchia de água e nos animava para uma grande festança, com o povo absorto, prevendo a fartura, recolhi os restinhos de roupa e o trivial para me sustentar por uns dias. Peguei o meu companheiro Mixaria, um burrinho de pouco mais de sete anos, caindo aos pedaços, lustrei-o, como se faz a um carro, e rumei em direção à casa de Celeste; estava disposto a enfrentar o que o destino tivesse me reservado. O aguaceiro era vasto, de fazer tremer o coitado do Mixaria, e amenizei no trato para não desperdiçar as forças e a oportunidade. A cerca de cem metros do local desejado, avistei a minha pequena, que correu para dentro de casa, certamente amedrontada com o que poderia acontecer. O velho não estava lá. Eu sabia de tudo, tintim por tintim; o intento era calculado. Estava, de fato, preparado, tendo regulado a distância do inimigo. Gritei o seu nome, num tom suave, nada agressivo, para ver se despertava o seu encanto. Isso não foi suficiente. Precisei me aventurar mais. Bati à porta, com profundo respeito. “Sou eu, minha princesa, vim lhe buscar!”. “Tá doido, homem, eu não posso sair daqui!”. “Pode, sim! Para o amor, só basta disposição”. Esperei ao pé da porta uma, duas horas, com receio do regresso do tinhoso. Desandei a declarar tudo o que havia no meu coração. Que ela era a mulher da minha vida. Que seríamos muito felizes, longe da imprecação. Que eu estava preparado para o que viesse, menos para um “não”. “Homem de Deus, meu pai é muito brabo; se eu fugir, é capaz de ele me buscar no fim do mundo e me matar”. “Mata não. Primeiro tem de passar por cima de mim. E eu não sou homem de deitar fácil… Avia, Celeste, que essa hora é nossa!”. Como por um milagre, a mulher apareceu na porta, ainda atordoada, com duas ou três mudinhas de roupas. Hesitou; mas, extraordinariamente, me olhava alegre, talvez aliviada. Ajudei-a a subir no Mixaria e, antes de sair, sacudi a terra dos pés, para não azarar os planos. Cortamos as matas e paramos, para nos abastecer, cada um com uma manga, num ponto isolado, perto de Oiticica, como a quinze quilômetros do local da partida. A meta era mesmo aí, pois que poderia me esconder, por uns dias, na casa de tia Severina, irmã de meu pai. Chegamos, no começo da tarde, e fomos recebidos com o maior entusiasmo, como se tia visse o seu irmão. “Mas é a cara cuspida e escarrada do pai! Meu filho, se achegue; bote suas coisinhas aqui!”. Tia Severina morava só, não tinha temor a nada, apenas a Deus. Para se ter uma ideia, andava com uma peixeira no cós e uma espingarda a tiracolo. Era mulher respeitada, atrevida, por isso resolvi me aportar nesse bendito aconchego. Mas, logo no segundo dia, Celeste se amuou, parecia uma cabrita desmamada. Eu me esforçava para convencê-la de que éramos um para o outro, agora. Que eu seria a sua família. Ela disse que tinha dó do pai. Descobri que chorava mais por pavor às consequências. “Celeste, minha vida, não tem nada que perturbe o nosso amor! Se acalme; vai dar certo!”. E a enchia de beijos acauteladores. Com duas semanas, houve histórias de buscas; decerto coronel Lacerda mandara seus capangas para conferir as agitações, porventura, do lugar. Tia Severina, muito pronta, nos arranjou numa casinha de apoio, no meio da mata, e relatou que aí não haveria perigo, pois que o recinto estava demarcado por fantasmas de uma chacina, briga de família, ocorrida no século passado. Celeste se desorientou, mas concordou em ficar. Tia Severina me confiou a sua adaga e, assim, me senti um verdadeiro guerreiro, aprontado para a batalha. Nada sucedeu, afora as suspeitas de lobisomem e bichos desconhecidos, que se debandavam com os meus tiros. Com o estirar dos dias, Celeste acreditou que não estaria num pesadelo e se entregou a mim, integral. Fixamo-nos para lá da Serra Azul, longe dos olhos das raposas. Selamos o nosso compromisso, sob os auspícios da mãe natureza. Raiamos em sintonia com as manhãs. Dançamos com a leveza celeste do tempo próspero, prometido. Nosso Senhor, quando abençoa, não tem cristão que dê jeito. É tudo de mais poderoso. Clara e Francisco são a prova de que valeu a pena; vale a pena amar. Azul celeste é a perfeição para o sonho se tornar realidade. 





quinta-feira, 17 de junho de 2021

Flor de cerejeira












terça-feira, 8 de junho de 2021

Aqui há gato...

“Não me viro, não me viro...”, repetia em surdina, sem se importar com o que pudessem pensar os transeuntes que se cruzavam com ela, muitos deles pessoas conhecidas. Só queria chegar à mercearia sem o ver, depois pensaria no drama do regresso. Mas com a porta já à vista, não resistiu, virou-se e... Ali estava o maldito gato que lhe infernizava a vida.

Podia ser um outro, gatos tigrados há muitos, sobretudo gatos de rua, mas sem saber bem porquê sentia que era o mesmo. E mais misteriosamente ainda, que a andava a seguir.

Sabia até exatamente quando tudo começara, fora na manhã seguinte àquela malfadada noite que se esforçava com unhas e dentes por não recordar. Só reparara nele porque ao sair de casa como de costume para ir às compras para o almoço tivera a sensação arrepiante de que estava a ser observada e na rua totalmente vazia só conseguia ver um gato muito bem sentado no passeio mesmo à sua frente e com os olhos fixos nela.

Era um gato de aspeto vulgaríssimo, sem nada que o tornasse notável, pelo menos para alguém como ela que nunca se interessara por felinos ou, até, por qualquer tipo de animal doméstico — sempre achara que não valiam o trabalho e sujeira que criavam. A única coisa que chamava a atenção era que o modo como a olhava, um olhar fixo, quase gélido, que a fizera arrepiar-se.

Mas com um puxar de orelhas mental retomou a serenidade e começou a caminhar em direção ao pequeno supermercado, ou antes, mercearia do bairro, reparando, sem reparar, que ele se erguera e começara a andar na mesma direção. E quando saiu da loja ali estava ele muito bem repimpado do outro lado da rua, como se estivesse à sua espera. E parecia ter mesmo estado porque se levantou de imediato, seguindo-a até casa.

A partir daí não conseguia pôr um pé fora de casa sem o avistar e sem ser seguida. Ia para onde ela ia, esperava à porta das lojas, enfim, tornara-se uma autêntica sombra. Até mesmo quando foi ao cemitério levar umas flores pelo aniversário da morte da mãe, mal desceu do autocarro no regresso ao bairro a primeira coisa que viu foi aquela malfadada criatura.

Sempre ouvira dizer que os gatos dormiam umas 18 horas por dia, pois bem, este devia pertencer a uma espécie desconhecida porque sempre que o via — e via-o inúmeras vezes por dia — estava sempre bem acordado.

Não conseguia explicar a sua reação a um mero animal que de ameaçador nada tinha, só sabia que sentia calafrios sempre que o via e que, pouco a pouco, a estranheza que sentira inicialmente se convertera em verdadeiro temor. E surgira-lhe a crença arreigada de que tudo isto estava relacionado com “o evento”, a tal noite que daria tudo para esquecer. É que se lembrara de ter ouvido dizer que a velha tinha um gato, o único ser a quem dedicava algum carinho, e tinha a certeza de que era ele que a seguia, sedento de vingança.

Ao fim de alguns dias sentia-se de tal modo acossada que até pensou ir ter com o gato e explicar-lhe que só o fizera por estar desesperada, ia perder a casa e na sua idade e com uma reforma de miséria, o que seria dela? E a velha bem a podia ter ajudado, se não fosse tão egoísta e sovina. Fora vê-la naquela noite apenas para lhe suplicar, mais uma vez, que a ajudasse a pagar a última prestação da quantia que o irmão lhe exigira a troco do velho andar que fora da mãe.

Devia estar certamente louca, quando o fizera e agora, a pensar explicar-se a um mero gato de rua. Também não admirava, mal conseguia sossegar, de noite quase não conseguia dormir, sempre com a imagem da maldita velha a encher-lhe os sonhos  — e de dia lá estava aquela criatura a relembrar-lhe tudo.

Ainda se fosse culpada! Mas vendo bem as coisas, não passara tudo de um acidente, um acidente infeliz para a velha, sim, mas apenas isso. Que culpa tinha ela se ao empurrá-la no ardor da discussão a malvada caíra desamparada, batendo com a cabeça na esquina da mesa e morrendo de imediato? O único crime que cometera fora revistar-lhe a casa à procura do dinheiro que todos sabiam que não confiava a bancos nem a ninguém. E que afinal não era tanto como imaginara, mas juntamente com algumas joias antigas, de que conseguira vender uma parte como tendo-as herdado da mãe, fora o suficiente para a manter no seu lar.

Pensando bem, até lhe fizera um favor. A fazer fé nos seus eternos queixumes, a velha sofria permanentemente de dores em tudo quanto era sítio e suspirava pela “fim deste vale de misérias” e pela “tranquilidade da morte”.

Fora isso mesmo que tivera, uma morte súbita e sem sofrimento. E ela conseguira a garantia de um resto de vida sem sobressaltos... se não fosse o maldito gato!

Entre insónias, pesadelos e terrores diurnos, não admira que uma manhã tenha atravessado a rua sem olhar, tendo morte instantânea ao ser colhida pelo autocarro que tantas vezes apanhara para ir ao cemitério.

Como único herdeiro legal, o irmão ficou com a casa e com todo o seu recheio, vendendo tudo ao desbarato exceto uns brincos e um anel que nunca vira à irmã mas que deduziu terem vindo da mãe, uma vez que esta, tendo ficado viúva muito cedo, deixara de usar joias.

E o gato? Bom, o gato voltou à sua rotina diária de bichano doméstico, tendo sido adotado por uma das vizinhas da velha. O seu único desgosto, fugaz, aliás, para o seu feitio felino, foi ter perdido a fonte do forte cheiro a “catnip” que emanava daquela mulher desde a noite em que a vira a remexer as gavetas da dona e a meter no bolso do casaco que usava sempre uma bolsinha bordada que continha uns restinhos daquele seu tão apreciado petisco.

Luísa Lopes

Foto de Luke Stackpoole, Unsplash






quinta-feira, 3 de junho de 2021

A LUMINOSIDADE ATRAVÉS DA JANELA



Faz alguns anos

que eu estou

do lado de fora

observando o

movimento.

 

Do ponto de

onde eu estou

vejo a luminosidade

de uma janela

no 2º pavimento.

 

Todos os dias

de um ponto neutro

de observação

eu vejo o que seria

a rotina da família.

 

Percebo os vultos

que se locomovem

dentro da casa

numa harmonia

pressentida.

 

Tarde da noite

alguém chega

até a janela

e fecha as cortinas

de persianas.


Minutos depois

a lâmpada foi

apagada dentro

do casulo de seda

visto pelo lado de fora.

 

Faz alguns anos

que eu estou

observando

a luminosidade

do ângulo externo.

 

E quando eu subo

as escadas encontro

a porta fechada.