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sábado, 28 de outubro de 2023

Medicina Primitiva

 

 
Na Madrugada dos Tempos – Parte 15
 

A arte da medicina consiste em distrair o paciente enquanto a Natureza cuida da doença.

Voltaire

Escritor, historiador e filósofo iluminista francês

(1694-1778)

Enquanto o grupo reunido por Himono e Kiala se apressavam noite dentro, Erem mandou quatro homens levar o jovem, que se debatia em aflição, para o santuário.

Transportaram o ferido numa padiola, logo seguidos por um dos estrangeiros, de nome Amanur e quase toda a população da aldeia. Passaram pela área ainda não preenchida do círculo que já contava com seis imponentes megálitos. Deitaram-no sobre a pedra que servia de mesa para os sacrifícios e mantiveram-lhe os braços seguros enquanto Zia invocava a atenção de Swol e Mensis.

O céu estava encoberto, mas as franjas das nuvens refletiam a luz forte da lua que brilhava bem acima delas. Não fora isso, estaria uma noite magnífica, de um céu estrelado onde Mensis governava invicta sobre as humildes estrelas, que eram as fogueiras do povo do céu.

O chefe apressou-se a ir buscar a sua cabeça de leão cerimonial e o cocar de penas da mulher. Vários homens acorreram a trazer madeira e fogo para acender no meio do círculo, aos pés da pedra sacrificial frente ao ídolo Swol. A cerimónia teria de ter tudo o que era exigido para obter o favor dos deuses.

Os mais próximos olhavam espantados enquanto Nehir esculpia e aguçava uma fíbula de corvo e utilizava os finos ossos das costelas para esvaziar o interior do osso maior. Em poucos minutos, obteve um pequeno tubo reluzente e afiado, que estendeu em oferta para o céu.

Zia, já devidamente ataviada com o seu cocar de penas de pomba, “cantava” a Swol, enquanto circulava em volta do monólito que o representava. Entoou a história, cantada por pais aos filhos durante incontáveis gerações, do dia em que Manu, o primeiro homem, abriu os olhos. Lembrou aos deuses como Swol e Mensis se apaixonaram por aquele ser indefeso e desceram dos céus para o ensinar a sobreviver sem garras nem dentes temíveis. Como Tharun atirou o fogo dos céus, fendendo em milhares de lascas o Grande Carvalho de onde nasceu o mundo, dando o fogo e criando as lanças para os homens. Lembrou como Swol, cuidou de Manu e usou o seu calor para derreter as neves e florescer as plantas e como o seu brilho atraiu os animais de todos os tamanhos e feitios para que ele se alimentasse. Cantou sobre Mensis que se transfigura no céu noturno e que vela sobre a noite, trazendo a luz sobre a escuridão e o poder sobre os espíritos das sombras.

Depois estendeu as mãos sobre o objeto que a filha lhe apresentava e invocou os nomes Da Pater e Da Mater[1] para que guiassem a mão de Nehir. Em seguida, pegou de num cesto de vime fechado, uma pomba completamente cinzenta e, após a exibir aos céus por poucos segundos, torceu-lhe o pescoço sem cerimónia.

Um dos homens estendeu uma pequena taça de barro a recolher o sangue que a sacerdotisa vertia ao abrir ao meio a ave sacrificada.

O círculo exterior do santuário estava preenchido por um enorme grupo de homens e mulheres, agora que se lhe juntavam os elementos da responsabilidade de Tailan. Erem, com a cabeça de leão sobre a sua, conduzia-os num som gutural grave, que fazia vibrar o peito e os próprios menires, ritmando com o bater de uma grossa vara numa pedra e acompanhado por alguns homens que ressoavam peles esticadas sobre quadrados de madeira.

A sacerdotisa tomou a taça com o sangue e aspergiu o ferido que se debatia cada vez com menos intensidade. Depois pintou uma linha vermelha no rosto do paciente desde o queixo até ao cabelo, dividindo-o ao meio e exclamou: — Em nós, existem Swol e Mensis, o rei do dia e a rainha da noite. Unidos no nosso corpo como um só! — Repetiu a linha vermelha no rosto da filha e incentivou: — Que os deuses guiem a tua mão!

Perante o olhar estarrecido de Amanur, Nehir, sussurrando o encantamento da cura, colocou a mão direita atravessada desde o queixo do moribundo cobrindo todo o pescoço. — Agarrem-no bem. — Avisou, enquanto com a esquerda, apontava a agulha de osso que preparara na parte mole logo abaixo da área tapada. De olhos postos no céu, que começava a ganhar cor, invocou a ajuda divina: — Swol! Salva o teu filho! Mensis, dá-me o poder da cura — Tornou a atenção para a mão que segura a agulha e, com a direita, deu-lhe uma pancada seca.

Um espirro de sangue aspergiu os mais próximos e no segundo seguinte, o som ofegante do ar a entrar e a sair começou a ouvir-se através da cânula. O paciente começou imediatamente a acalmar-se.

— Da Mater te proteja e mantenha os maus Ansu[2] afastados. — Pediu Nehir colocando a mão sobre a testa do ferido.

Amanur, ainda indeciso se o seu companheiro morria ou estaria salvo, continuava a agarrar-lhe o braço com força, até que a mão do, até aí moribundo, tocou-lhe, indicando que o magoava. Olhou para o rosto de Tibaro onde a tonalidade cinzenta começava a desvanecer-se. Os olhos dele estavam novamente abertos e vivos, aparentemente ainda a tentar perceber por onde respirava. A sua expressão exibia sofrimento pelo pescoço magoado.

— Podem deixá-lo. — Anunciou Nehir para todos os que agarravam o ferido. — Swol ajudou-nos por agora, mas os próximos tempos é que dirão se se salva ou não.

— Os outros têm de chegar com a cabeça do auroque antes do nascer do sol. — Zia sussurrou preocupada para a filha, antes de gritar para a audiência com os braços no ar: — Swol seja louvado!

— Swol! — Responderam os presentes em êxtase, fazendo ressoar as suas vozes nas pedras do círculo inacabado.

A curandeira colocou, cuidadosamente, um pouco de mel em volta do novo ferimento para evitar infeções e segurar a agulha de osso que lhe permitia respirar. Depois untou-lhe o pescoço com uma pasta de urtiga e lavanda para reduzir a dor e a inflamação.

— Vai viver? — Perguntou Amanur, quase para ninguém em especial.

— Está salvo para já. Mas não pode falar e só poderá beber, não comer. Só respira por este buraco. — Confirmou Nehir sobre os gritos de graças dos acólitos. — Temos o mau Ansu[3] que está no pescoço e que o pode matar ainda. Se o tirarmos de lá, daqui a uns dias poderemos tirar o osso que lhe pus. Precisamos da cabeça do auroque. Vem, reza connosco.

— Rezar? — O outro hesitou com um trejeito da boca. — Ao vosso deus? Swol? O nosso é Tarunte, o deus do trovão.

— Também adoramos Tarhun, deus do trovão e da guerra. — Esclareceu Nehir com estranheza. — Mas é Swol, o rei dos céus, quem comanda a vida. Ele salvou o teu companheiro. — Encolheu os ombros e juntou-se ao coro.

Desconfiado, Amanur quedou-se de joelhos junto de Tibaro. O seu amigo estava salvo para já. Seria Swol ou Tarunte o seu salvador? Aquele círculo inacabado de pedras era tão rude quanto intimidante e o ídolo grosseiramente talhado no menir central parecia escarnecer dele.

A curandeira e a xamã mandaram distribuir uma infusão de folhas de secas de papoila e ajoelharam-se, sentando-se sobre a parte anterior das pernas, sempre implorando a ajuda do deus. Todos os presentes colaboravam no som ressonante e profundo que parecia preencher todo o espaço e ressaltar nas pedras.

Rompiam os primeiros alvores da madrugada quando o grupo de oito homens, alagados em transpiração, surgiram no santuário. Quatro deles transportavam a descomunal cabeça segurando-a com esforço pelos longos cornos. Os outros quatro traziam as patas traseiras e dianteiras em cestos de vime. Os gritos de graças, que já duravam há uma eternidade, calaram-se abruptamente. O tamanho do troféu era maior do que alguma vez alguém havia visto.

Alguns homens e mulheres, entorpecidos pela imobilidade e atordoados pelos efeitos da infusão, acudiram a animar o fogo que era pouco mais do que umas pequenas chamas que refulgiam entre os troncos quase consumidos. Gerou-se de imediato uma atividade frenética e curiosidade em volta dos recém-chegados.

Amanur falou apressadamente com Kiala e Himono, apontando alternadamente para Nehir e Zia, contando tudo o que se passara durante a sua ausência. Ambos olharam com espanto para Tibaro e apertaram-lhe os braços com alegria, vendo-o a recuperar as cores.

A Xamã, assim que achou a fogueira digna do sacrifício, reuniu seis guerreiros que com ela dançaram em volta da dos despojos do auroque, pousados no chão aos pés da pedra sacrificial onde estava ainda deitado Tibaro. A cada três passos, apontavam as lanças para a cabeça decepada, simulando atacá-la.

Os gritos de Swol dos assistentes e os de ameaça dos dançarinos, o rufar das peles deixava-os a todos como que hipnotizados, a transpirar e de olhos esbugalhados. Por fim, a um grito de Zia, com as mãos erguidas, todos se imobilizaram e o silêncio caiu como uma pedra em todo o espaço. Numa aproximação ritual, Erem, imponente debaixo da temível pele de leão, caminhou rodopiando artisticamente uma clava que desfechou com força na cabeça do auroque.

— Swol! — Gritou Zia. — Salva o nosso irmão! — Como um eco, toda a assistência repetia as suas palavras. — Envia o mau Ansu[4] para junto de Welnos[5]! — Nova pancada com a clava. — Oferecemos-te este ser magnífico, que deu a vida para que o nosso povo não tenha fome!

Com estas palavras, os guerreiros ergueram a cabeça decepada e colocaram-na sobre a fogueira onde começou a crepitar. Zia e Erem colocaram as patas dianteiras da besta a cada um dos lados da cabeça. As traseiras seriam depois atiradas ao rio para que o auroque nunca consiga completar-se e perseguir os seus matadores.

Durante horas, sob o olhar atento dos estrangeiros, homens e mulheres cantaram e dançaram em volta do fogo onde os restos da besta se consumiam, embora alguns desistissem e fossem e abandonando a cerimónia.

Quando apenas já pouco restava identificável na fogueira, eram apenas seis os membros do clã que ainda se mantinham a acompanhar o chefe, a xamã e a curandeira.

Tibaro acabara por adormecer na sua “cama” de pedra coberto com uma pele negra e só quando os cânticos foram substituídos pelas conversas dos resistentes é que despertou novamente. Zia e Nehir ajudaram-no a erguer-se e logo se aproximaram os seus companheiros, que até ali se haviam mantido sentados em pedras a assistir. O paciente foi levado para a tenda de Nehir onde continuaria o seu descanso tão necessário à recuperação.

Erem, visivelmente cansado, despediu-se dos “resistentes” e dirigiu-se para a sua cabana, logo seguido por Zia. Mas os acontecimentos não haviam acabado naquela manhã, onde o sol já ia alto; no largo em frente à sua casa, o cativo jazia, ainda amarrado ao poste, com a cabeça pousada numa poça de sangue e lama. A pouca distância dele estava a pedra que utilizaram para o matar.



[1] Deus pai e deusa mãe.

[2] Espíritos

[3] Espírito

[4] Espírito

[5] Deus do submundo


Manuel Amaro Mendonça

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14 - Decisão Dificíl

14 - Decisão Difícil

 

 

A seguir:

 

A Embaixada

Na Madrugada dos Tempos
Introdução – Na Madrugada dos Tempos





sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Canções do Outono






quarta-feira, 25 de outubro de 2023

História para adormecer

 



— Sabes de quem me lembrei há dias, Mami? — A mulher está sentada na borda de um leito e fala para a idosa acamada que a ouve de olhar alheado. — Do Gola. Lembras-te, Mami? Acho que tu gostavas dele.

A voz da mulher deve ter evocado alguma recordação importante, porque o olhar da idosa parece ganhar algum brilho.

— Era um preto que tinha vindo de Angola com o patrão, com a descolonização. Exprimia-se mal e acho que também tinha um atraso. Lembro-me de brincar com ele quando era pequena. Ele trazia-me seixos e fazia construções com pauzinhos, para me agradar. Vivia numa quinta para o lado dos Arcos, mas aparecia na nossa muitas vezes. A partir de certa altura, passou a andar esfarrapado e pedia comida. Tu davas-lhes pão e queijo, mas ele tinha de andar à fruta, para se aguentar. Acho que foi porque o patrão morreu e ninguém queria saber dele, não foi, Mami?

A mulher vai falando, mas não parece esperar resposta da velha.

— É engraçado como recuperei estas memórias, que estavam completamente apagadas. Nunca mais me tinha lembrado dele. Estava tudo apagado. Foi há tempos, quando a televisão noticiou que houve um grupo grande de palestinianos que conseguiu escapar do cercado de Gaza e atacou e matou quantos israelitas encontrou. Mais de mil e quinhentos. Não me lembrei logo dele; só senti uma inquietação difusa, estranha. Porquê, se estamos a milhares de quilómetros? Só me lembrei porquê, quando anunciaram, logo depois, que Israel tinha cortado a luz e a água aos habitantes de Gaza. Talvez para os derrotar pela sede. Então, um clarão repentino atingiu-me com dezenas de imagens do Gola.

O olhar da velha voltou a ficar alheado. Dá a ideia de que não sabe nem lhe interessa o que a mais nova diz, que é filha, possivelmente.

— Agora tenho 52; na altura devia ter uns 14. O pai tinha morrido uns dois anos antes e eu, no verão, andava à solta por toda a quinta, pelas bouças, pela serra, sem peias, sem constrangimentos, com poucos tabus. Uma autêntica selvagem. A minha sexualidade começava a despertar. Lembro-me que um dos meus prazeres era observar os garranos a pastar na serra, na sua nudez imaculada, sem pudores. O Gola aparecia de vez em quando, ainda me trazia coisas, mas comecei a notar uma alteração de atitude para comigo. Parecia mais tímido, mas olhava-me com um olhar mais intenso, tocava-me a despropósito e, várias vezes, percebi que se escondia nas moitas a espiar-me. Nessa altura ele já andava maltrapilho e dava bem para perceber que, por baixo da roupa, andava por ali um pénis, “ao badalão”. Às vezes, a meia-haste. Foi aí que comecei a ganhar consciência do poder do meu corpo. Pelo menos, sobre ele. Mas não estava a achar piada. Tinha algum medo de que se entusiasmasse mesmo e me obrigasse a alguma coisa. Ele devia ter uns 60, mas ainda era possante.

A mulher faz uma pausa, atenta melhor no rosto da idosa, mas, claramente, a anciã parece longe dali. Ainda assim, espicaça-a.

— Eu acho que também davas por isso. E que era mesmo a presença dele que não te deixava afundar, depois da morte do pai. Que o facto de ser evidente a presença de um pénis, ainda que não te passasse pela cabeça usá-lo, te dava ânimo e te levava a ajudá-lo com comida. E a acarinhá-lo, como a solteira que se derrete a pegar num bebé-homem. Longe de mim sugerir que o querias sexualmente, Mami, não! Acho que era só essa coisa inspiradora de saber um homem por perto.

Os olhos da velha parecem nublar-se ligeiramente, enquanto o sobrolho descai.

— Então, passou-me uma ideia perversa pela cabeça: testá-lo a ele, enquanto homem, e a mim, enquanto mulher em formação. Eu conhecia o corpo dos meus colegas, já tinha feito uns jogos de toques de corpo, mas como funcionaria um homem adulto, sem as timidezes de adolescente? E, pensei eu, nessa investigação, podia aperfeiçoar as poucas técnicas de sedução que conhecia. A genialidade da ideia é que iria fazer todos os testes em segurança.

Agora a mulher olha para o teto, a evocar lembranças, esboça um sorriso largo, ao recordar como conseguira convencer o velho negro a entrar num abrigo de pastores da serra e a trancá-lo lá.

— Havia na serra um cortelho ou cardenha, em bom estado, com uma tranca exterior. Meti lá dentro uma quantidade de fetos, para ele dormir, e improvisei mais duas trancas. Depois foi só propor-lhe uma espécie de jogo sensual, a que ele, ingenuamente, acedeu. Quando deu por ela, estava trancado na cardenha, toda de pedra, de lado e por cima, só com umas fisgas na porta para espreitar.

A velha, claramente, mostra um fisionomia confrangida. Se é que percebe, não espera coisa boa.

— Fui-me lembrando de tudo aos poucos. Esta memória, do dia em que o tranquei na serra, veio-me, ao assistir a uma série de bombardeamentos a edifícios de Gaza e ver os montes de escombros resultantes. Pareciam muitas cardenhas juntas. A salvo de reações dele, encetei todo o tipo de jogos e posições sensuais. Às vezes, não se continha e masturbava-se, dava para perceber. Ao longo das semanas, testei-lhe o entusiasmo com mais ou menos perna à mostra, com mais ou menos mama, de perfil, de frente, de trás. Sabes o que ele apreciava especialmente, Mami? Quando eu me dobrava, de rabo voltado para ele.

Esta evocação faz soltar uma pequena risada à mulher, enquanto a humidade nos olhos da velha ameaça gerar uma lágrima.

— Estas investigações práticas foram-me dando autoconfiança, como mulher, mas, aos poucos, começaram a desinteressar-me. Uma vez, estive três dias sem ir à serra. Lembrei-me disso quando se começou há pouco a falar de fome em Gaza, e mostravam mulheres palestinianas desesperadas a levantar as mãos ao céu. Quando voltei, ouviam-se os berros de longe. Felizmente, não havia vivalma por quilómetros em redor. Comeu o pão e o queijo num instante. E bebeu a garrafa de litro de água, toda. Depois, compensei-o. Sentei-me de pernas abertas para ele e, aos poucos, fui puxando o vestido, até se verem as cuecas. A respiração apressada dele ouvia-se cá fora. Então, fui-me acariciando por cima da roupa e, não tardou, ouvi-lhe o orgasmo. Potente, a avaliar pelo grito. Isso deu-me ideias.

Duas lágrimas tinham rolado por cada face da idosa, mas a mais nova nem repara.

— No dia seguinte, resolvi testar-lhe a resistência total. Sentei-me da mesma maneira, fui insinuando que me masturbava e, a certo momento, afastei a roupa para o lado. Foi instantâneo, com um urro imenso. Mas a ideia era saber até onde ele conseguia levar aquele feito masculino. Três. Não mais de três vezes, Mami. Com intervalos de poucos minutos, mas cada vez mais demorados. Quando eu esperava conseguir um quarto estertor, comecei foi a ouvir um choro. Baixinho, mas um choro. Nem a minha rosa, exposta no seu esplendor carnal, lhe resgatou o ânimo. As provas estavam feitas. Deixei-lhe uma dose extra de pão e fruta e fui-me embora.

A mulher faz uma pausa na narrativa. Baixa um pouco a cabeça, pensativa.

— Em vez de me sentir realizada e poderosa, fiquei desapontada. Na minha ingenuidade, ter percebido que o Gola não aguentava mais do que três orgasmos deixou-me sorumbática, ressentida mesmo. Resolvi não voltar mais à serra. A situação tinha perdido a piada. As vezes que tu perguntaste por ele… Lembrei-me disto ontem mesmo, quando noticiaram que já se contavam mais de 120.000 mortos por bombardeamentos em Gaza, e a caminho dos milhares por fome e sede. Hoje alguém comentou que, mesmo assim, ainda não é desta que conseguem reduzi-los a menos de 30.000, para os acantonarem numa reserva murada no deserto, solução que resultou muito bem com os índios.

A mulher terminara a narrativa. Limpa os rastos de lágrimas no rosto da idosa e acaricia-lhe os cabelos, depois compõe-lhe os lençóis no peito, levanta-lhe a cabeça, retira-lhe a almofada e aplica-lha com força na boca entreaberta e desdentada.

— Dorme bem, Mami!

Joaquim Bispo

*

Imagem: Cardenha

Ermelo, Soajo.

* * *





quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Digníssimo

 



Estou completamente convicta de que o tempo acabou. Faria sentido se João estivesse aqui, me ajudando, me dando forças para continuar. Meu único irmão era a minha luz. Ele continha o segredo do destino; quando me dizia que tal fato daria certo, sim, acontecia – e vice-versa. Ou será que eu dependia de sua aprovação? Minha amiga Joana falava de uma carência doentia. “Como pode, Maria, você deixar ou não de fazer uma coisa por conta do conselho do seu irmão? Por acaso ele é um deus soberano? Você não tem fé?” – e ela emendava em perguntas desafiadoras, como a colocar em xeque o poder do meu irmão. Por que esse vínculo tão forte? Bem, preciso dizer que meu irmão e eu fomos muito pobres. Depois que nosso pai morreu de tanto beber ele assumiu a família, vendendo diuturnamente salgados que mamãe preparava. Ele voltava somente quando vendia o último salgado, cerca de trinta por dia. Houve momentos em que dormia ao relento, nas ruas, esperando os boêmios comprarem os nossos quitutes. Mais grandinha passei a sair com ele, complementando as vendas com copos de sucos. Vendíamos bastante para as firmas, para peões de construção, por exemplo. Nunca passamos necessidade justamente pela garra e, sobretudo, pela disposição sobrenatural de meu irmão. Ele não saía de casa antes de prever o que poderia acontecer. Em duas oportunidades, dizendo que seria assaltado, deixou de ir à labuta. Acreditávamos. Minha mãe achava que ele era um menino santo. Alguns moradores das redondezas souberam e começaram a pedir bênçãos em nossa porta. Ele, de início, abençoava, mas foi se zangando, razão que nos fez ir morar no outro extremo da cidade, anônimos. Ele não se sentia especial, “apenas um menino com bons pensamentos”. Era muito positivo e enérgico. Passava sermão em mim e em minha mãe, para que não nos fragilizássemos com as desventuras, porque “o dia de amanhã será sempre melhor” – e era. Com o tempo, formou-se no ensino médio, pelo EJA, e depois começou a fazer faculdade em administração. Logo foi empregado em uma grande firma de software. Era o mais competente vendedor. Mudou as nossas vidas. Forçou-me a estudar e pagou a minha faculdade em enfermagem. Concluí os estudos e trabalhei longos anos no Hospital Geral, até cair numa irremediável depressão. Como disse, ele era a minha bússola, meu guia e meu melhor amigo. Cuidava de mamãe com tanto zelo que me sentia devedora de sua bondade. Tornou-se dono de um conglomerado de materiais para informática. A sua empresa é conhecida internacionalmente. Sem dúvida, trata-se da melhor do Brasil no ramo, e compete com as grandes de fora. Julinha, minha sobrinha, é hoje a CEO. Viaja bastante e não tem tempo para as minhas queixas. Ela prefere me mandar uma boa mesada a ter de me ouvir; é um verdadeiro cala-boca. Quando João Nunes de Alencar morreu, o conceituado magnata cearense, foi uma comoção geral. O governador decretou três dias de luto. Todos os órgãos, inclusive estatais, precisavam dele. Antigamente, quando tinha tempo, foi assessor do governador para assuntos tecnológicos. Foi o principal mentor do Porto do Pecém. Mas tudo isso há cinco anos não vale mais nada. Para mim, no testamento, deixou uma quantia razoável para sustentar até a terceira ou quarta geração, que não tenho. Não me importo com mais do que o suficiente para sobreviver. Trocaria tudo por sua vida, para que vivesse comigo, fosse meu eterno companheiro. Joana pergunta por que não invisto ou promovo benfeitorias para os mais pobres. Já não há mais tempo; as energias se esvaem com a pobreza da minha alma. João é o meu digníssimo cúmplice. Sonho com ele todas as noites, me acariciando, me amando. Resta o vazio. Não conto as horas para encontrá-lo, e devorá-lo, na nossa eternidade.





terça-feira, 17 de outubro de 2023

"Queria eu invejar Narciso..." poema de Letícia Félix Fraga.

 








Queria eu invejar Narciso por ter amado tanto o seu reflexo e

não encontrar em mim tantas terceiras pessoas em um

diálogo que me ignora. Por fim,

prendo o cabelo e saio.















Do livro A poética das incompletudes, Editora Patuá.





























terça-feira, 10 de outubro de 2023

Neste solene momento (homenagem aos 100 anos de Fernando Sabino)

 


Em algum lugar, acima das nuvens, o escritor observa como sempre o fizera quando circulava pelo nosso mundo. Tudo sempre poderia render uma boa história. Como afirmava: é dinheiro achado na rua.

Ele, com argumentação persistente, conseguira sua licença de visão de longo alcance, permissão que já conquistara na sua vida terrena, pois poucos são aqueles que conseguem transformar algo do cotidiano num conjunto de sensações, de experimentações para o leitor.

Eram muitas as lembranças. Quando ainda se é jovem, não há como saber quanto tempo dura a missão e muitos escrevem, pintam, cantam, fazem de tudo com a vontade e a dedicação de quem faz pela última vez. Ele fazia como se fosse a primeira.

Um de seus textos poderia ter sido a sua última crônica, um último sentimento experimentado. Se o fosse, teria valido a pena. Pensar no sorriso da menina de cabelo crespo era uma doce lembrança. Quando a escreveu limitou-se ao relato, como um bom narrador-câmera. Não falou das próprias sensações: como era gostoso aquele bolo amarelo-escuro, sabor felicidade. Ainda bem que não foi a derradeira, nem nunca será, pois mesmo a distância, sopra suas histórias nos ouvidos daqueles que procuram ouvir.

Ao longo da sua jornada, foram vários encontros marcados. Ali, acima das nuvens, já não havia toda essa formalidade, mas naquela fração de tempo entre as duas eternidades, acertou de reunir-se com um velho amigo. Já não tinham mais a diferença de idade da existência anterior, pois lá não há relógios ou calendários, nada é relativo.

– Olá meu Menino! Como está!

– Não tão bem quanto o senhor, meu Poetinha! Como não tenho o dom do verso, me resta a prosa.

– Modéstia sua! Mas bom de verso mesmo é o Chico.

– Pois é, eu fico observando daqui, esperando uma daquelas letras que fazem diferença. Em outra ocasião eu me lembrava do texto de “Meu caro amigo” e imaginava o que ele diria novamente para um amigo distante, quem sabe você!

– Pior é que ele nem poderia dizer que a coisa lá continua preta, pois poderia ser mal interpretado. Dizem que lá tudo está ficando muito chato, qualquer coisa é motivo para intriga.

– Tem razão, fico pensando se eu lá continuasse escrevendo hoje em dia, teria que rebolar para evitar confusão. A sinceridade não é mais uma das virtudes admiradas. Muitos não querem enxergar a realidade, muito embora ela esteja debaixo do nariz de cada um. Quem sabe eu fosse considerado um preconceituoso, aí poderia justificar dizendo que sou apenas um mentecapto, como tantos outros.

– Falando em adjetivos, lembro de uma vez que lhe perguntaram se você era um mentiroso.

– Foram várias vezes. Sempre respondi que eu inventava alguma coisa para que as pessoas pudessem perceber a realidade. A realidade é que é muitas vezes mentirosa, eu apenas abusava um pouco da licença poética.

– Como seria você escrevendo suas crônicas e concorrendo com um youtuber de visão míope ou mal-intencionado?

– No final dos anos 1980 eu afirmava que a comunicação suplantou a expressão. Hoje eu poderia dizer que a expressão, principalmente a literária, sucumbiu.

– Talvez a poesia também!

– Quem sabe eu seja um tanto purista, mas como sempre afirmo: há mil maneiras de dizer uma coisa e só uma é perfeita.

– Muitas vezes a mais simples, mas não a banal.

– Sinto uma certa saudade do tempo em que eu achava dinheiro na rua. E só achava porque ia para a rua, vendo onde os outros não viam, sentindo o que não sentiam, para depois fazer com que experimentassem as próprias sensações que antes ignoravam.

– Sabe, meu sujeito que nasceu homem e morreu menino, até hoje não acredito que nos permitiram ficar por aqui. Fizemos coisas boas, mas não fomos santos.

– Como eu sempre digo, é a “graça de Deus”. Ainda bem que ele também tem bom humor!

– Por isso ainda podemos “trocar figurinhas”. Eu queria poder ver o que acontece lá embaixo como você. Mas me diga, quando observa, olha mais para o Rio ou para Minas?

– Minas ainda me acompanha, onde quer que eu vá. Minas está aqui neste banco, comigo, mas é claro que observo outros pontos.

– Você voltaria para lá?

– E deixar a turma toda aqui? Nem pensar. Foram os amigos que fizeram valer a pena viver, como neste solene momento. Continuo esperando, pois tem uns teimosos que lá ainda continuam. Ainda bem que há quem acredite na literatura como forma de transformação, de evolução da sociedade. Eles, alguns dos mineiros, por exemplo, mantém vivo um evento: distribuem milhares de livros de graça, numa das praças da cidade. Precisa ver, tem gente de todo tipo, de todas as idades. Um livro ou uma história continuam fazendo diferença na vida das pessoas. Tem paciência para ouvir a narrativa de uma das minhas observações?

– Claro!

Logo cedo havia muito movimento na Praça de Santa Tereza. Os últimos trabalhos de montagem dos brinquedos, a colocação das cadeiras sob as tendas, milhares de livros foram desembalados e colocados nos pontos de distribuição. Os autores do livro infantil num bloco de tendas, os do livro para os mais crescidos no outro.

Em pouco tempo, a praça ficou lotada de gente. A grande maioria, curiosa com as histórias, abria de imediato o livro. Começavam a ler em pé, sentados ou mesmo andando para lá e para cá.

As filas para os autógrafos logo cresceram. Um verdadeiro ponto de encontro, muitos deles não marcados. No meio de gente experiente havia um novo velho autor de contos. Ele estava muito feliz por estar entre os autores do livro, mas ainda se sentia inseguro em relação à qualidade de seus textos, pois entre os leitores que buscavam um autógrafo ou um bate-papo com os autores estavam escritores de renome, jornalistas, pessoas influentes da sociedade mineira. O que dizer para gente que conhecia tanto de um mundo para ele ainda pouco debatido.

Mais da metade da manhã havia passado. Ele lembrou que precisava ir ao banheiro, havia alguns instalados num outro ponto da praça. Passo apertado apontou para uma das portas. Não havia dado dez passos quando percebeu uma senhora que chamava pelo seu nome. Ela se aproximou e foi despejando:

– Foi você quem escreveu o conto da página 11?

– Sim, fui eu.

– Sabe, hoje saí de casa um tanto desanimada, parecia carregar o peso do mundo. Resolvi caminhar, sem rumo. Eu não lembrava que haveria um evento na praça. Quando vi o movimento foi que recordei a fala da minha sobrinha sobre o trabalho do pessoal da montagem dos equipamentos. Resolvi entrar na fila e esperar por um livro. Quando o peguei, abri de imediato, numa página qualquer. Era a sua história. De repente, me vi sorrindo, imaginando cada uma das cenas descritas. Há um bom tempo eu não sabia o que era sorrir. Descobri que ainda posso. Me perdoe por abordá-lo dessa forma, mas você fez muita diferença na minha vida hoje. Obrigada! Posso lhe dar um abraço?

O novo velho autor, ainda sem saber como reagir, retribuiu o abraço. Sorrindo, ela sacudiu o livro como quem segura um prêmio e saiu, caminhando de costas por um breve momento, sorrindo. Acelerou o passo como quem volta para casa.

Naquele dia o novo velho autor de cinquenta e dois anos descobriu uma das missões de quem narra uma história, declama um poema, canta uma canção ou pinta um quadro: atrever-se a provocar sentimentos, sensações como rir, surpreender-se, perder o fôlego de êxtase ou de felicidade. Nem todo mundo consegue.

– Pois é, menino! Nem sempre quem escreve se dá conta do que é capaz de provocar. Uma frase, um verso, podem ser transformadores.

– Quem sabe os encontros não marcados sejam mais marcantes que os programados!

– Quem sabe! Aproveitando ensejo, vou-me. Nos encontramos por aí! “De repente, não mais que de repente”.

– Sem tristeza! “Se em horas de encontros pode haver tantos desencontros, que a hora da separação seja, tão-somente, a hora de um verdadeiro, profundo e coletivo encontro”.

– Verdade. Acho que nos apressamos na despedida. A nossa prosa vai se estender um pouco. Veja quem vem lá!

­– Olha só! Vem no mesmo pique de outrora, os Vintanistas.


(Texto vencedor do Concurso Livro de Graça na Praça - 2023)





segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Sabes que não me meto

 


Sabes que nunca me meto onde não sou chamada, mas francamente! Tu e o António?!

É quase tão mau como a tua irmã e aquele desgraçado. Um arzinho sonso de menino bem-comportado e vê lá no que deu, não vejo os meus netos há meses. E não lhes dei motivos para isso, sabes bem que nunca me meto na vida dos outros, limitei-me apenas a dizer o que pensava de um homem que se despede de um bom emprego para ficar a viver à custa da mulher a fim de seguir a veia literária. Veia literária! Já viste o nojo que ele escreve? Não que eu tenha lido tudo, nunca consegui passar das primeiras linhas, mas pela amostra...

Como disse à Arminda, sabes, a minha vizinha de baixo que sofre de inchaço das pernas por estar horas sentada, se aquilo é escrita, qualquer um o pode fazer, não vale a pena largar tudo por isso. Vê lá que amuou! Que culpa tenho eu que o filho seja outro sonsinho que vive à custa dos pais enquanto espera pelo estrelato musical? Estrelato! Com aquela voz de cana-rachada! Sim, bem o ouço quando “ensaia” com os amigos, outros molengas como ele.

Mas aquilo é uma família desgraçada, o pai, um manga-de-alpaca que mais parece um agente funerário, sempre com aquele ar lúgubre e pastinha na mão para parecer ocupado e não conversar com ninguém, não me lembro de termos trocado mais de meia dúzia de palavras, parece até que me evita, chega a usar as escadas “para bem da saúde” quando me vê à espera do elevador. E a filha, então, se visses como cria o bebé! Bem tentei dar-lhe umas orientações, mas pôs logo uns ares ofendidos e agora finge que não me conhece. Francamente, uma pessoa a tentar fazer o bem e anda por aí a chamar-me intrometida! Intrometida, eu, que nunca interfiro!

Mas tu e o António... perdeste a cabeça? Sabias que o pai foi suspeito de desviar dinheiro da empresa onde trabalhava? Bem sei que não deu em nada, acabaram por dizer que fora apenas um engano, mas onde há fumo... E a mãe? Uma língua-de-trapos, sempre armada em vítima e a queixar-se de que se farta de trabalhar, mas passa horas na coscuvilhice com  quem calha. Vais mesmo ligar-te a gentinha dessa?

E vão viver de quê? Sim, os tempos são outros, como estás sempre a repetir, e sei que ganhas bem, muito bem, mesmo, mas no meu modo de ver é ao homem que compete sustentar a família, mesmo se a mulher trabalha. E o teu António, sem estudos de jeito, sim, filosofia não é curso que se veja, só se fosse para o ensino, mas ele é “fino” demais para isso, nunca o poderá fazer, pelo menos ao nível a que foste criada. Vais ser tu a pagar as contas enquanto ele medita no “significado do universo”, como tentou impingir-me?

Mas a vida é tua, faz o que quiseres, não me quero meter, sabes bem que nunca o faço.

Luísa Lopes

Imagem feita com QuickWrite





terça-feira, 3 de outubro de 2023

AUTORRETRATO III

 


Eu não sou apenas

este rosto envelhecendo

sou também

aquele corpo ainda magro

mas com os pulmões já curados

e um pouco menos descrente.

Eu não sou apenas

aquelas velhas cicatrizes

numa epiderme manchada

sou também

(ainda e sempre)

as circunstâncias

daquele passado.

Eu não sou apenas

aquele sorriso juvenil

disfarçado em lentes

de óculos para miopia

minha gente

sou também

a alegria mais escondida

e um grau bem diminuído

da acuidade visual, e quanto

às cáries que vocês tinham

eu não sei,

mas as minhas

eu obturei.

Eu não sou apenas

este sexo masculino

sou também

aquele menino que imaginou

culminâncias de carinho

e acabou meio sozinho

entre hiatos e ausências

tendo que recorrer às vezes

ao antigo método.

Eu não sou apenas

aquilo que comi e que bebi

ao longo desse muito tempo

sou também

os excessos, a parte excretada

e as consequências atuais

dos hábitos continuados.

Eu não sou apenas

aquele amontoado de órgãos

sou também

as cirurgias que tive de fazer

em alguns deles

isoladamente.

Eu não sou apenas

aquelas palavras e atos

e gestos da juventude

sou também

(e depois de tudo)

as circunstâncias

advindas.

Eu não sou apenas

as caminhadas e as pausas

que fazemos para avaliar

sou também

os descaminhos, os equívocos

e o mesmo percurso no escuro

(nisso eu não mudei nada).

Eu não sou apenas

funcionário público

seus merdas

sou também poeta.