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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

As Cinco Dádivas da Vida, de Mark Twain

Mark Twain
trad.: Henry Alfred Bugalho

Capítulo I
Na alvorada da vida, uma bondosa fada apareceu com sua cesta e disse:
— Aqui há presentes. Pegue um, deixe os outros. E seja cuidadoso, escolha sabiamente; ó, escolha sabiamente! pois apenas um deles tem valor.
Os cinco presentes eram: Fama, Amor, Riquezas, Prazer, Morte. O jovem disse, ávido:
— Não há necessidade de refletir — e escolheu Prazer.
Ele foi para o mundo e buscou os prazeres que deleitam os jovens. Mas cada um deles era fugaz e desapontador, vão e vazio; e cada um, ao partir, zombou dele. No fim, ele disse:
— Desperdicei estes anos. Se eu pudesse escolher novamente, escolheria mais sabiamente.

Capítulo II
A fada apareceu e disse:
— Restam quatro presentes. Escolha uma vez mais; e, ó, lembre-se: o tempo voa, e apenas um deles é precioso.
O homem demorou-se a refletir, então escolheu Amor; e não reparou nas lágrimas que brotaram dos olhos da fada.

Após muitos e muitos anos, o homem estava sentado ao lado dum caixão, numa casa vazia. Então ele soloquiava, dizendo:
— Uma por uma, elas se foram e me deixaram; e agora ela, a mais querida e derradeira, jaz aqui. Desolação após desolação passou por mim; para cada hora de alegria que o Amor, o mercador traiçoeiro, me vendeu, paguei mil horas de pesar. Do fundo do meu coração, eu o amaldiçôo.

Capítulo III
— Escolha novamente — era a fada a falar — os anos lhe deram sabedoria, certamente. Restam três presentes. Apenas um possui valor; lembre-se disto e escolha com cautela.
O homem refletiu por muito tempo, então escolheu Fama; e a fada, suspirando, partiu.
Anos se passaram e ela retornou, postando-se atrás do homem onde ele se sentava solitário, refletindo, diante do crepúsculo. E ela sabia qual era seu pensamento:
“Meu nome percorreu o mundo e todas as línguas o exaltaram, e isto me contentou por um tempo. Mas por quão pouco tempo! Então veio a inveja; depois detração; depois calúnia; depois ódio; depois perseguição. Então ridicularização, que é o começo do fim. E, por fim, veio piedade, que é o funeral da fama. Ó, a amargura e a miséria do renome! Aponta para a lama logo em seu apogeu, para a desgraça e compaixão em seu declínio.

Capítulo IV
— Escolha uma vez mais — era a voz da fada — restam dois presentes. E não se desespere. No começo, havia apenas um que era precioso, e ele ainda está aqui.
— Riqueza; pois é poder! Quão cego fui! — disse o homem — agora, por fim, a vida merecerá ser vivida. Gastarei, desperdiçarei, resplandecerei. Aqueles que zombam de mim e me desprezam rastejarão na imundície diante de mim, e eu alimentarei meu coração faminto com a inveja deles. Obterei todos os requintes, todas as alegrias, todos os encantamentos do espírito, todos os contentamentos do corpo que agradam um homem. Comprarei, comprarei, comprarei! Deferência, respeito, estima, adoração — todas as espúrias graças da vida que o mercado do mundo trivial pode prover. Perdi muito tempo, e, até agora, escolhi mal, mas deixe estar; eu era ignorante e considerei o melhor aquilo que parecia sê-lo.
Três rápidos anos se esvaíram e chegou o dia em que o homem se sentava num sotão imundo; e ele estava esquelético, lívido e com profundas olheiras, vestido em trapos; ele estava ruminando um pão duro e resmungando.
— Malditos todos os presentes do mundo, pois são ardis e mentiras douradas! — e os insultou, a cada um deles — Eles não eram presentes, mas meros empréstimos. Prazer, Amor, Fama, Riquezas: Eles eram disfarces temporários para as realidades duradouras — Dor, Pesar, Vergonha, Pobreza. O que a fada disse era verdade; em todo seu estoque havia apenas um presente que era precioso, apenas um que não era desprezível. Quão pobres, baratos e imundos sei agora que eles são comparados com aquele inestimável, aquele caro, doce e gentil, que encharca num sono sem sonhos e duradouro as dores que perseguem o corpo, e as vergonhas e pesares que consomem a mente e o coração. Traga-o! Estou exausto, descansarei.

Capítulo V
A fada veio, trazendo novamente quatro dos presentes, mas faltava a Morte. Ela disse:
— Eu a dei para a queridinha duma mãe, para uma pequena criança. Era ignorante, mas confiou em mim, pedindo-me que escolhesse por ela. Você não me pediu para escolher.
— Ó, pobre de mim! O que restou para mim?
— Aquilo que nem você merecia: o impiedoso insulto da Velhice.

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