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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Sitiada


As primeiras folhas secas
crepitavam no fogo baixo

A fumaça, escura e densa
tomava forma de presságios

- o inverno encerrou a trégua -

E as portas tremulam
- reverberam irritadiças
pela iminente violência

Em breve marchará
- o exército do desespero
sobre as ruínas da consciência






sábado, 25 de agosto de 2018

A extinção do Português



Há tempos tive a visão clara da extinção do Português. Um grupo de brasileiros, provavelmente recém-chegado, tentava fazer-se compreender num restaurante de Lisboa. E entender o empregado. Um deles acabou por exclamar: — Não entendi porra nenhuma!
Estará o Português em perigo? A incomunicabilidade entre versões de uma língua é um forte sinal de alarme. Uma língua tem um comportamento semelhante a uma espécie viva: evolui a partir de uma antepassada, ganha massa crítica de indivíduos, autonomiza-se, cria rebentos semelhantes, pode expandir-se, pode ficar isolada, definhar e morrer.
Hoje, existem cerca de seis mil línguas, fora os dialetos, mas todos os anos desaparecem dez, em média. Com elas perdem-se os tesouros culturais que veiculavam. E, tal como as espécies, uma língua, uma vez extinta, não reaparece mais. O limite da sobrevivência situa-se por volta dos cem mil falantes. Na história humana terão já desaparecido mais de vinte mil línguas. Algumas, pelo contrário, sobrevivem há mais de dois mil anos. O segredo do sucesso parece ser o grande número de falantes. Como o número de indivíduos nas espécies, o número de indivíduos que usa uma língua assegura-lhe a continuidade.
Neste ponto, o Português, com os seus 250 milhões de falantes, tem boas condições de sobrevivência e até de expansão. Só o Brasil tem quase 210 milhões. Outros milhões são falantes em grandes países africanos com excelente potencial de crescimento. É uma das nove línguas que, só elas, congregam metade da população mundial. É como uma espécie endémica; o seu êxito é inquestionável. Evoluiu do latim, a partir do regionalismo galaico-duriense, e conseguiu constituir-se como língua autónoma, apesar do convívio contagioso com o castelhano. Mas estes 250 milhões ainda falam uma só língua?
As virtualidades que lhe deram nascimento podem ser também as que a ameaçam. Como os tentilhões de Darwin, cujas populações insulares evoluíram de maneira díspar devido ao isolamento forçado, as diversas populações de falantes do Português, separadas por oceanos e sujeitas à deriva linguística, vão desenvolvendo línguas-filhas, afastadas da origem e entre si. O próprio território imenso do Brasil, com as suas inúmeras paisagens humanas, tem produzido e alimentado muitas, nas suas versões orais. Que vão contaminando a escrita.
Neste aspeto, os acordos ortográficos são, para a unidade da língua, como as seleções de cruzamentos e de ninhadas são para os criadores de animais domésticos: fortalecem, artificialmente, as características de resistência desejadas. Parece, no entanto, que, mais do que acordos, o que fortalece a unidade de uma língua é que os seus falantes, por mais dispersos e distantes que se encontrem, a usem, a oiçam, a leiam numa versão comum que, não sendo homogénea, seja sentida como familiar, como os diversos timbres e modas vocais entre os membros de uma família são entendidos como familiares, e não língua estranha.
Outra estratégia de preservação e expansão é a disseminação. Enquanto as plantas desenvolveram estratégias de dispersão de esporos e sementes, faixas das populações que falam o Português, devido ao fado secular da pobreza, têm sido obrigadas a emigrar, levando consigo a semente linguística. Esta estratégia, embora tenha criado, ao longo dos séculos, bolsas de falantes da língua de Camões, parece ter como resultado não mais do que um enquistamento das primeiras gerações, e uma permanência linguística forçada pela tradição, entre gentes remotas. A imigração, pelo contrário, tem criado populações que se veem contaminadas pela língua de acolhimento.
No económico reside uma grande parte do poder de uma língua no confronto com outras. O sucesso do Inglês reside muito na racionalidade e na simplicidade gramatical dessa língua e na brevidade da maior parte das suas palavras, mas assenta sobretudo no poder económico dos países que a usam. Esse poder impõe-na nos fóruns internacionais, nas agências de notícias e no entretenimento. Há miúdos, pelo mundo fora, a entender o Inglês desde os três ou quatro anos. O cinema introduz anglicismos na linguagem de todos. O Inglês é um macho alfa em exercício. O Mandarim será outro, em breve. Podem usar-se poucas estratégias em presença de um macho dominante. Lutar é uma, mas costuma dar mau resultado; fugir é outra, mas não conduz à procriação. Usar as capacidades intelectuais para superar o adversário, imediatamente ou a prazo, é o que consegue levar os genes a bom porto.
Na seleção natural não há só competição; as simbioses e outras formas de cooperação são modos de organização que podem desencadear os resultados desejados. Por exemplo, conseguir que outros países tratem o Português como segunda língua, e vice-versa, é uma estratégia de cooperação que pode produzir bons frutos.
A força do audiovisual é enorme, chega a públicos imensos. Trocar telenovelas, filmes e outros programas entre espaços do Português permite tomar contacto com outros sotaques e, na prática, homogeneizar a língua. Tornar aliciante e saborosa a palavra de uns perante os outros é uma boa estratégia de sedução de falantes. São “contaminações” positivas, que alargam e tornam coeso o grupo.
De importância menor, mas não negligenciável, está a palavra escrita. Uma literatura pujante em Português, rica em vocabulário e em sonoridades subjacentes, seria a cereja em cima do bolo linguístico. Para que esta bela espécie não se extinga.

Joaquim Bispo
*
Esta crónica foi uma das dez finalistas, na sua categoria, do Concurso Literário de 2018 da Academia Leopoldinense de Letras e Artes, Leopoldina, Minas Gerais, Brasil.

*
Imagem: Carlos Alberto Santos, Camões [um dos 124 cromos, a partir de guaches, desta coleção], 4ª edição, [Lisboa], Agência Portuguesa de Revistas, 1966. 


* * *





segunda-feira, 20 de agosto de 2018

O FILHO DO SURDO

Nem o mais puro dos crendeiros poderia perceber que os raios que cruzaram os céus
da floresta significavam algo além de chuva próspera. Raios severos era desgrama,
rezava o senso comum e as matildes maldosas do fim de mundo nos cafundós daquele
pontinho insignificante onde sei lá nem sei. Chuva boa é o que não era.
Diziam que o diabo estava mandando mensagem.

– Maricota pariu um padre!

Gritos foram ouvidos entre trovões e peidos de horror. De fato, uma mulher se
estrebuchava de dor nos quartos, quando se deram os primeiros, segundos e terceiros
trovões de nuvens nenhumas sobre aquela insignificância de vida terrena. Ao quarto
trovão, que clareou o céu noturno, que fez desaparecer a lua e seus luares, que fez
a terra tremer, que fez espocar onda de três metros nas margens plácidas do rio largo,
afluentes e igarapés, que dizimou bichos maus nadadores, que confessou-se o inconfessável
pela iminência do Juízo Final, pariu-se a desgraça em forma de gente e choro, que fez
a parideira falecer no ato e o chão de terra e folha molhada receber de súbito carne
viva e gosmenta, onde lá ficou a berrar, até que um surdo caboclo errante viesse a perceber
que era hora de acudir um inocente.

E assim conta-se sobre o momento em que, enjeitado desde a prenhez, que depois por
circunstâncias do destino comandado por almas incautas, um anjo caído veio ao mundo.
Pois fora um ribeirinho surdo de nascença, que nada ouvia, portanto nada falava, quem
acolheu a posta de carne e berro, enterrou a parideira do jeito que pôde ali mesmo e
seguiu com o menino mata adentro, à procura de quem lhe desse guarida nessa vida de
nada a oferecer. Andou a esmo pela floresta já densa pelos caprichos geográficos,
foi dar com os costados numa aldeia, protegida por cercas vivas de vegetação hostil,
mas com um buraquinho entre galhos e espinhos, capaz de servir de passagem estreita
a um surdo e seu pedaço de ser, até encontrar uma mulher indígena de descendência goyá,
que disse em seu falar esquisito algo que o surdo entendeu, mais ou menos assim:

– Fala, homem. O que traz entre os trapos?

Nada de fala de volta. Talvez um grunhido ao erguer do recém-nascido, acompanhado de uma
expressão que valia mais que mil palavras.

 – Entendi, foi o que supostamente apreendera o surdo do som que se espargiu entre
aqueles beiços cor de urucum.

O surdo também fez que entendeu e levantou os braços, entregando sua oferenda aos desígnios
dos bons deuses daquela gente. Recebeu em troca um colar de dente de jacaré. O que seria
uma das esposas de um murumuxaua de uma suposta tribo extinta pegou nos braços a encomenda
considerada divina, acolheu em seu colo e deu as costas ao surdo, que baixou a cabeça,
fez sinal da cruz, deu meia-volta e sumiu no breu. Mal sabia a silvícola o que portava
nas suas mãos.

O menino ganhou acolhimento numa aldeia de Goyazes primitivos e denominação Membira Capanós, como se filho do surdo fosse. Mas o início da convivência foi tenso. Como a índia apresentou o achado, pensou-se que fosse caça. E decidiram assá-lo. Mas a sabedoria do pajé goyá cuidou de desfazer a intenção.

– Não se come caça filhote, disse ele em seu dialeto. Há que se engordarem suas carnes e tripas,
até que todos possam repartir a refeição mais robusta com justeza, concluiu com a hierarquia
que o tempo havia lhe conferido.





sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Deslocamento Terrestre - I








                Decidi que jamais deixaria vazio meu bilhete de ônibus. Nunca menos que uma passagem, para sempre chegar em casa, ou o mais próximo possível. Um último recurso. Ao virar a chave da porta, tomo banho, como, descanso. Não demoro em repor esse valor. Sempre terei como voltar, não importa aonde vá. Sempre terei como voltar.

















quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Sombras de carne


Lola limpou a boca no lençol, pouco se importando com o olhar magoado do rapaz ao seu lado. Aqueles encontros estavam começando a irritá-la. Rodrigo aparecia mais de uma vez por semana no Mercado Municipal, com um jeito desamparado de cachorro com fome, e ela acabava por ser deixar vencer pela piedade. Os olhos... Eram os olhos de Rodrigo que atraíam, prendiam. Não a boca, nem os gestos que não passavam de uma mão trêmula e gelada, e de um único grito abafado na hora do gozo. Seus olhos, no entanto, cuspiam sofrimento, escondiam algum segredo.
Havia entre os dois um comércio. Nada mais. Lola não gostava da demora do rapaz, do tempo arrastado que levava para gozar. Uma coisa tão simples essa de trepar, mas Rodrigo insistia em fazer de cada vez um ritual de afeto, como se estivessem num encontro. Ela já estivera com outros da idade dele, outros que se apaixonaram pelos seus seios e pelo seu sexo sem pelos, que a tocaram como gatos nervosos, desajeitados, arranhando, mordendo, se esfregando em sua pele lisa. Mas Rodrigo tinha aqueles olhos, só podia ser isso! E ela acabava por se deitar com ele novamente, rendendo-se a preliminares que não permitia a ninguém mais.
— Por que é que você limpou a boca? — o rapaz quis saber.
Sem lhe dar resposta, Lola enfiou o corpo carnudo debaixo do chuveiro. Ela tinha pressa. Sempre tinha. As coisas deveriam estar fervendo no mercado, e Xavier não gostava de ficar sozinho na banca. Reclamava da demora nas entregas e pedia a ela que não se ausentasse por tanto tempo. 
Não que desconfiasse dela. Não, isso nunca. Mas ficava desorientado quando a mulher não estava por perto para atender os fregueses. Embrulhava os queijos e as compotas no papel errado, amassava as frutas, e os fregueses só não iam embora por causa da amizade. Ela e Xavier mantinham a banca desde que tinham se casado, 18 anos antes. 
Dezoito anos atrás Rodrigo tinha três anos, pensou, se esquecendo do marido e do mercado. Mas logo afastou o pensamento e se concentrou no vaivém da toalha com que enxugava as costas.
Desde que Xavier tinha ficado doente, havia algum tempo, nunca mais fora o mesmo. Acabaram-se as brincadeiras prolongadas no colchão, o sexo em pé, atrás da porta, quando a urgência não permitia chegar ao quarto, e as fugas para os fundos da banca, onde se excitavam como adolescentes, escondidos atrás dos caixotes de fruta. Ela se acostumara, ano a ano, a fazer tudo com pressa. Não fosse aceitar aquela rapidez do marido, ficaria sem nada.
Traiu Xavier, pela primeira vez, seis anos antes. 
Um freguês perguntou se faziam entregas em domicílio e ela mesma se encarregou de ir levar as compras. Preferia que o marido ficasse na banca. Por mais desajeitado que fosse, Xavier era melhor do que ela nas contas, e havia ainda os fornecedores, com quem Lola preferia não ter que lidar. Quando chegou ao apartamento sofisticado, foi o próprio freguês quem lhe abriu a porta. Alto, com a pele clara e os cabelos escuros levemente ondulados, recendia a um perfume discreto, mas insinuante. Lola teve vontade, assim que o viu, de passear os dedos naquele peito largo. Deve ser bom deitar em cima dele depois do sexo, se pegou pensando. Depois, as mãos que se roçaram na entrega das compotas, o pacote que caiu, os dois corpos que se abaixaram juntos na tentativa de pegá-lo, e o perfume que se impregnou nos seus sentidos, roubando-lhe o juízo. Por fim, os olhos se provocaram. E os dois se completaram pela fome. Era assim que Lola gostava de se lembrar das coisas.
Fizeram sexo, ela e o homem do perfume suave, por quase um ano. Ele ia até a banca, encomendava os produtos e pedia que fossem entregues em sua casa. E a entrega se fazia no suor dos corpos apressados. Lola lhe fez uma exigência: que comprasse sempre muito. Aplicava, assim, ao amante e a si mesma, um mea culpa. Ambos pagavam, a seu modo, pelo que consumiam. 
Quando o amante parou de procurá-la, Lola percebeu que não sentia falta dele, mas das compras que fazia em abundância. E decidiu que era preciso repor o prejuízo. Da banca e do corpo. Um a um, foram surgindo outros fregueses. No princípio, ocasionais, induzidos pela boca pintada de Lola, que parecia a polpa das frutas que vendia. Mas, em poucos meses, o plantel que a solicitava era constante.
Assim que Xavier quis contratar um ajudante para ajudá-la com as entregas, ela se opôs: Desse jeito, o lucro vai-se embora!, afirmou. Aos 42 anos, Lola se rendia pela primeira vez em sua vida a um vício. Viciou-se não somente no sexo diversificado, mas na urgência, no desejo pelos corpos que aliviavam os seus tremores. Nenhum dos amantes dava trabalho. Nenhum deles fazia do sexo mais do que o prazer das línguas ansiosas, das penetrações que a invadiam com mais ou menos força. Aceitava o aperto nos seios, as bofetadas ocasionais que levava ou dava, a cavalgada e a posse animal. Recusava-se, apenas, a dentes que lhe marcassem o corpo que Xavier veria, cedo ou tarde; e aos beijos na boca, que se empenhava em reservar para o marido. Negava-se, também, a se deitar com menores, e com mais de um amante ao mesmo tempo. Afora essas rejeições, fazia pouco sexo com mulheres, porque sentia falta da penetração e dos fluidos.
O primeiro rapaz com quem fez sexo tinha uns 20 anos. Lembrava-se sempre dele e dos outros, de mesma idade. É impressionante como são desajeitados!, pensava, observando seus gestos durante a trepada. Como muitos deles não tinham dinheiro ou renda, comprometiam-se com a obrigação de levar pais e amigos à banca no mercado. Cumpriam direito o trato, com medo de perder Lola e ter que correr atrás das jovens cheias de espinhas e regras que os afastavam por pudor ou esperteza.
Rodrigo tinha ido à banca, pela primeira vez, num dia frio. Primeiro, ficou olhando para o chão, com timidez, mas no momento em que seu olhar cruzou com o dela, Lola percebeu a inquietação que havia naqueles olhos que fugiam de tudo. Chegando ao pequeno apartamento do rapaz para entregar as frutas e os doces, surpreendeu-se com a arrumação e o bom-gosto do lugar. E surpreendeu-se mais ainda quando Rodrigo lhe disse que morava sozinho. Fizeram um sexo ruim sobre a cama macia e larga, mas Lola não estava interessada nas habilidades de Rodrigo. Impressionava-se era com os gestos relutantes e respeitosos do rapaz. 
— Primeira vez? — perguntou, curiosa.
— Não, com certeza não. Mas, de uma certa maneira, sim.
Apesar de intrigada, Lola decidiu que já tinham conversado demais. Coitado, não bate bem das ideias, pensou enquanto saía do apartamento de Rodrigo, logo depois.
Agora, já eram cinco meses que o rapaz a procurava. Procurava sempre, em excesso. E Lola concordava em se deitar com ele por pena, curiosidade, culpa. Sim, era culpa aquele sentimento que sempre a levava a fazer coisas das quais se arrependia depois. Sentia-se culpada por não conseguir dar a Rodrigo o alívio que vira em outros homens, em outros rapazes como ele. Era o mesmo sentimento que a tomava quando percebia os olhares perdidos de Xavier, o cenho franzido, as mãos apertadas como se fossem dar socos no vazio, ou como se pensamentos absurdos lhe passassem pela cabeça.
Chega!, pensou contrariada, descendo com barulho as escadas do prédio de Rodrigo. Enquanto caminhava de volta ao mercado, decidiu que se livraria dele. Rodrigo não lhe fazia bem ao corpo nem aos pensamentos, que se aceleravam em hipóteses que ela não conseguia entender. 
Que se foda com os seus segredos!, decidiu, pouco antes de chegar à banca. Resolveu que seria aquela noite mesmo que o dispensaria. Xavier estava fora, num dos cursos para comerciantes que vivia fazendo, e ela teria tempo de sair e voltar sem ser vista. O marido não era homem de controlar os seus passos, mas ela preferia não ter que se explicar, para não ter que mentir. Orgulhava-se de pensar que não mentia para Xavier. Eu omito coisas dele, eu o engano, mas não minto para ele, repetia para si mesma quando a consciência teimava em vir à tona.
Aprontou-se rapidamente e borrifou nos pulsos e nas orelhas o perfume que usava diariamente. Em vez do táxi que inicialmente pensou em pedir, preferiu caminhar. A distância não era muita. 
A noite estava um pouco fria e a falta do agasalho fez com que seus mamilos se avolumassem sob o vestido de malha decotado. Prosseguiu a passo rápido, dando-se conta de onde estava apenas quando começou a ouvir algumas cantadas pesadas e assovios que a incomodaram. O atalho pela praia não tinha sido uma boa escolha. Percebeu, tarde demais, que atravessava uma das zonas de prostituição da cidade. Nos muros, as sombras dos corpos que faziam sexo não a assustavam tanto quanto os corpos que enxergava em carne e osso consumindo-se perto dos barcos, na areia, ou nos carros estacionados ao longo do meio-fio. Correu para afastar-se daquelas Lolas multiplicadas em trepadas rápidas, daqueles espelhos incômodos. Nervosa, se encostou nas grades de uma loja fechada e vomitou.
Pouco depois, retomou a caminhada com passos ainda mais rápidos. Virando a última esquina em frente ao porto, suspirou aliviada. Foi quando viu os dois corpos projetados numa parede mais à frente. Pensou em parar, em recuar, mas alguma coisa a atraiu, deixando-a excitada. Com tesão, procurou com pressas os próprios seios, apertando-os com força e sem parar. Devagar, gemendo baixo, aproximou-se mais e mais do muro que se contorcia. Queria ser parte daquele clímax.
Então, seus olhos se cruzaram com outros. Nos de Rodrigo, mais nenhum segredo. Nos de Xavier, o fogo que ela tinha perdido para sempre.