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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Crônica: Litoral e Capital

“Todos os homens são filhos da puta”.

Somos filhos da puta mesmo. Alguns de nós mais do que o aceitável, outros menos do que deveríamos.

Mas você tem que nos perdoar. Somos todos crianças. Mesmo o mais cínico, o mais orgulhoso e vaidoso de nós é uma criança. Sei que isso não é desculpa para nossa ignorância, mas é no mínimo um atenuante.

Às vezes, somos animais. Animais cujo maior pecado é a imaginação.

Mostre-nos uma loira, que fantasiaremos com rainhas nórdicas sob peles, num deserto gelado. Mostre-nos uma morena, que imaginaremos seu sangue latino fazendo pulsar seu corpo colado no nosso.

Uma mulher magra, para nós é flexível e móvel. Uma mais cheia, é quente e amorosa.

Hoje vi uma mulher na rua, na calçada oposta. Ela andava na direção oposta à minha. Quando meus olhos encontraram os dela, seu pescoço se deslocou para o lado, assim como o meu, e nosso olhar demorou mais do que os olhares que normalmente compartilhamos com estranhos na rua. Ela era alta, mesmo de longe, e usava um vestido roxo justo, que ressaltava bem seus seios. Tinha cabelos pretos, e sua pele era morena. Ela sorriu quando nos olhamos e eu sorri também.

E foi só.

Para ela, não deve ter sido nada. Apenas mais um homem lhe olhando na rua, nada fora do normal. Mas em mim, como seria em todos os homens, esse breve encontro gerou inúmeros pensamentos.

Nessa hora, eu estava com um amigo, e após ver a mulher, não ouvi mais nenhuma palavra dita por ele durante alguns minutos.

O modo como ela me olhara...

Nenhuma mulher sabe realmente o efeito de seu olhar sobre um homem. Muitas acham que sabem, mas se enganam.

A morena me afetara de tal maneira que eu não pude deixar de imaginar aquele vestido roxo jogado no chão, e seu corpo deitado sobre o meu, comigo lhe explorando com meus dedos e minha boca, como se eu pudesse penetrar no mais profundo de seus segredos, e como todos os seus desejos se abrissem para mim, apenas com meus toques.

O que me despertou para a vida foi o tropeço que dei num buraco na rua. Quase caí de cara no chão.

Não sei o que a mulher sentiu depois de nosso pequeno momento urbano. Provavelmente bem menos do que eu. Mas, com minha imaginação de homem, eu posso me dar o prazer de imaginar que ela também teve alguma ligeira visão, ou pelo menos uma sensação diferente, algo que não sentiria normalmente no dia a dia.

Porque, no fim das contas, o mínimo que nós homens desejamos é sermos lembrados como algo fora do comum, como alguma perturbação da rotina da mulher.

Não queremos simplesmente dominar as mulheres. Queremos dominá-las, e ser dominados também. Queremos a ligação quase religiosa que apenas o amor físico pode proporcionar, mas que só existe com a presença de mesmo a mínima afinidade intelectual. É contra intuitivo um homem falar isso. Ora, seria contra intuitivo mesmo se eu fosse uma mulher, do jeito que as coisas andam hoje em dia.

Mas é a verdade.

Claro que o oposto também é verdade: É difícil existir o amor romântico sem a atração física.

Toda a mecânica do amor então se torna algo muito complicado, quase como aquele desenho de Escher, com as mãos desenhando umas as outras. A grande pergunta não deveria ser “quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha”, e sim “O que nasce primeiro? A luxúria ou a poesia?”.

De cara, parece fácil responder “luxúria”, mas não acho que seja assim tão simples.

Para falar a verdade, essa questão é a única que realmente não é simples nessa roda de relações.

Conheci uma garota, quando ainda era bem novo. Raquel era seu nome, e me apaixonei por ela, numa época em que meu corpo ainda nem sabia o que era excitação. Chame de amor infantil, ou do que quiser. A verdade é que eu a amava, e com ela descobri como era bom beijar uma garota, e me apertar em direção a ela, sem saber direito o que estava fazendo, apenas seguindo algum código secreto escrito em meu DNA. Tínhamos seis anos nessa época, e não a vejo desde então.

Quer dizer, nesse caso veio o amor antes da luxúria. Porém, se o contrário fosse impossível, não existiriam prostíbulos, pois os homens não conseguiriam apenas “foder” uma puta, eles teriam que “fazer amor” com elas, e teoricamente falhariam.

No fim do dia, tanto nós homens, quanto vocês mulheres, desejamos apenas alguém para nos agarrarmos quando estivermos com medo, e com quem comemorarmos quando estivermos felizes. Alguém que satisfaça nossas vontades, e que tenha as suas satisfeitas por nós.

Nem todo mundo encontra essa pessoa. Alguns acham que encontram, mas quando se viram para o lado e encontram apenas a carne fria, ou quando tremem e não há abraços que lhe aqueçam, percebem seu erro.

Outros...

Bem, outros têm certeza que encontraram, mas não são encontrados.

“O que nasce primeiro, a luxúria ou a poesia?”.

Para mim?

Só o fato da pergunta existir, já é um sinal que não existe uma resposta única.

E eu não sei. Às vezes é por isso que nos lançamos cada vez mais forte na vida, procurando a carne quente e os abraços acolhedores em estranhos certos e conhecidos errados. Tão forte que não paramos quando encontramos o certo.

E muitas vezes, quando passamos batidos, não temos mais como voltar.

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