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domingo, 24 de fevereiro de 2008

Três poesias
Duas autoras convidadas

Penetrável
(de Aline Gallina)

Ela soma o ar da janela
Tropeça na mão direita a cada 20 segundos
O dia cinza reflete em seu corpo
sujo
Bolas pretas gigantes que se movem
no rosto -
Precisa escondê-las hoje
- rolam para debaixo da cama
Não guarda mais o segredo das cartas antigas
Eis a caixa da caixa
Onde vive, morta para dormir
No necessário.
A paçoca de papel e capim, sua -
melhor amiga - do peito.
De quantas chamas é feito o dia?
24 goles ásperos e a cortina para
cada lado do ombro.
Perde as pontas dos dedos em cada passado.
Imprime a sombra no rosto, pois
a lua fere quando sorri.





Peixe Seco
(de Priscila Lopes)

Girava, girava (saltos no ar)
Juntando os elementos da terra
- Mas vai durar? Até quando?
Por que é tão frágil o que nasce
da pedra?
Era um peixe quase golfinho
tamanha a peraltice
– prateava o céu azul
Infantil e lindo –
não percebia o turista deslumbrado:
o peixe estava partindo.

Era um peixe quase pássaro;
à noite, tentava ser gaivota:
salt-ar gaivoando
das águas – arriscar se perder,
sim, arriscava. Lá embaixo
o escuro assombrava:
nem de algas nem de plânctons mas de latas
sacolas plásticas, pequenos dejetos, restos
de placas, e algumas lágrimas:
aDeus.





Estrambolia Melancótica
(de Priscila Lopes e Aline Gallina)

Tenho vontade de mim mesmo
vontade sob consciência de fato,
de tanto que se viveu, e viverá,
os cegos só enxergam minha ausência.
Tenho horror, tenho pena...
E não vale a pena descrever os sentimentos
outros. Mas se invento um novo tento
meu amor é simples como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho fome
umbilical por todos que de passado
a contemporâneo me alimentam
e a sede nova-mente é de novo
que em mim se prolonga. A corola
revela levemente suas pétalas

(e cinco espinhos são) na minha mão.





Sobre as Autoras

Aline Gallina é de Florianópolis (SC), estudante de Artes Plásticas e de Arquitetura e Urbanismo. Já participou de diversas antologias de contos e poesias pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores, também pela Editora Mar de Idéias (Menção Honrosa). Possui um poema-plaquete com previsão de lançamento em Santa Catarina para março de 2008. E-mail: aalien.soul@gmail.com

Priscila Lopes também é de Florianópolis, Bacharel em Relações Internacionais e estudante de Letras (Francês). Já participou de diversas antologias de contos e poesias pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores, também pelas editoras DeLeon e Mar de Idéias, além da Revista Poité (UFSC). Mantém uma coluna semanal no site do fotógrafo Marco Cezar (www.marcocezar.com.br) com a personagem Taty Paty Matias.

Acesse: http://cincoespinhos.blogspot.com





sábado, 23 de fevereiro de 2008

Agonia

Estou trancada num barraco imundo, amarrada por fios e cordas, deitada no chão de terra, não me sinto mais humana, sou um bicho enjaulado, fedendo a suor, mijo, imunda, à beira da loucura,só quero sobreviver ou ter uma morte rápida.

Mas sei que é pedir muito.

Como policial cada minuto neste cativeiro significa o esforço dos companheiros que já devem ter cercado o morro e tomado cada viela.

Os traficantes estão desesperados porque o movimento está parado, a polícia está cercando outros morros, prejudicando as bocas que não podem vender as drogas. Eles não vão agüentar muito tempo a pressão.

Tenho 22 anos, passei no último concurso para a Polícia Civil, ainda estou novinha na função. Estava fazendo um reconhecimento de área em uma favela no Rio de Janeiro quando pegaram meu parceiro. Tentei revidar, mas uma pancada muito forte na cabeça fez com que perdesse os sentidos.

Acordei assim. Preferia estar morta. Ouvi quando meu parceiro foi executado. Eles deram muitos tiros, mas não o mataram logo; ele sofreu muito nas mãos daqueles bandidos covardes. O barraco onde estou fica no alto do morro, ouço os helicópteros sobrevoando a área e os bandidos estão monitorando cada passo da polícia pelo rádio. Estou nas mãos deles há seis horas, são muitas vozes discutindo o que fazer. Matar, queimar, fuder, estou perdida, se pudesse me
matava agora. A polícia está apertando o cerco e eles estão cada vez mais agitados.

Eles entram e me colocam em pé, são oito bandidinhos de merda, alguns ainda adolescentes. Tento falar mas levo um, dois, perdi a conta dos socos. Minha boca sangra, alguns dentes caem e eles não param de bater. Um deles parece o líder, é mais velho, atarracado,olhos injetados, muito doidão. Ele arranca minhas roupas e expõe meu corpo magro, xinga, grita que sou uma puta, polícia de merda, me arrasta pelos cabelos, fura os meus seios com um facão, morde meus mamilos, suplico, imploro e eles riem. Sou uma aberração que urra numa poça de sangue: — Me mata, me mata por favor, me mata.

Imploro. Eles não ouvem, estão fumando e cheirando sem parar, cada vez mais loucos e violentos. Não sei quantas vezes fui penetrada, por quantos, não sei como suportei tanta dor. Fui tragada pela escuridão e lá busquei conforto. Nada mais importa agora. Penso nos meus pais, chamo o nome da minha mãe várias vezes, esperando, apenas, o final da dor.





quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

estrelas

estrelas

de muito longe
há muito tempo
luz tardia no espaço lançada
agora umedecida
em reflexo abandonada
na superfície noturna do mar

um resto de brilho apenas
morta a substância
a energia pura reduzida
de matéria totalmente esvaziada

(lindas... vês?
e, vendo-as, sonhas?
- comigo... sonhas?)

sonhos vívidos
nos despertam pelo tato
ultrapassam as imagens,
têm gosto, temperatura, cheiro
no corpo adormecido
um toque, um afago, um beijo

apertam-se os olhos
na ilusão ou inefável ensejo
de segurar dentro o sonho
na vigília transformado em desejo

(assim sou... assim és...
somos luz de estrelas
que em quase instante
num ponto qualquer do infinito
se encontram
se tocam
se fundem
e tornam incandescente o universo)





quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Borboleta

Hoje, finalmente arrumei a casa. Pela primeira vez depois que você se foi, fiz a faxina que prometi a mim mesma.

Minha vontade foi rasgar os livros que lemos. Quebrar ao meio os cd´s com as músicas que embalaram nossas noites de amor. Amassar as contas velhas, pagas em conjunto.

Quis destruir o passado como se assim pudesse exorcizar a sua presença.

Mas preferi não.

Ao contrário, guardei tudo. Arrumei os livros na ordem que decidimos juntos. Organizei os cd’s por ordem de preferência das músicas. Até as contas velhas eu arquivei com todo o cuidado...

No fim, peguei uma folha em branco.

Nela, escrevi todo o amor, toda a raiva, toda a tristeza, todo o rancor, toda a alegria. Todos os sentimentos que alimentei por você.

Dobrei o papel em cuidadosos pedacinhos (lembra do curso de origami que fizemos juntos?). Transformei tudo aquilo em uma borboleta de papel branco.

Soprei-a da janela do 15º. andar, nesse dia chuvoso, como tantos em São Paulo.

Ela começou a cair, devagar. Como se meus sentimentos tivessem dado vida à borboleta! Ou teria sido o meu sopro?

Sei que vi o pequeno ser de papel adejar, batendo as brancas asas contra o fundo cinza.

E hoje, finalmente, nossa casa voltou a ser só minha.
Seu fantasma foi exorcizado nas asas frágeis de uma borboleta de papel branco





terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Como Billy Bob Jones mudou o Mundo

Billy Bob Jones nasceu numa grande família feliz. Seu pai, Jiminy Bob Jones, era um milionário, que fizera seu dinheiro construindo aterros sanitários. Possuía diversas mansões, porém a que mais gostava localizava-se no centro de um de seus aterros, o maior de todos eles.
Quando a Alta Sociedade da cidade soube que Jiminy Bob construiria uma casa de vinte e dois aposentos dentro de um lixão, as reações foram diversas:
“Ora, que original!”.
“Apenas uma mente mui engenhosa deselvolveria tal idéia!”.
“Mais uma inovação de Jiminy Bob Jones, o pioneiro!”.
Na verdade, o verdadeiro motivo pelo qual o pai de Billy Bob construíra sua mansão dentro de um lixão, era o fato dele ser clinicamente insano.
Jiminy Bob, como muitos antes de sua família, tinha uma propensão genética a tumores cerebrais.
Alguns de seus antepassados ficaram cegos, outros surdos.
Jiminy Bob ficara louco.
Fora isso, Billy Bob crescera feliz, e amava seu pai, mesmo quando ele aparecia em sua escola particular apenas com uma toalha enrolada na cintura, seus seios masculinos balançando, reclamando que o duende tinha cagado na banheira de novo.
Era de se esperar que Billy Bob manifestasse algum sintoma neurológico da patologia que permeava sua árvore genealógica. No caso de Billy Bob, o tumor em seu cérebro causou anosmia, ou perda do olfato.
Aos doze anos fora operado. Porém, a cirurgia deixou uma sequela inesperada: Billy Bob desenvolvera um problema no cérebro. Quando seu cérebro recebia a informação de um odor e o classificava como “bom”, ele enviava para Billy Bob o sinal de “ruim”. Ou seja, para Billy Bob, cheiro de rosas em um campo pareciam muito como esterco velho, e vice versa.
Como morava em um lixão, Billy Bob não se importava. Porém, sua condição lhe obrigava a ficar confinado em tal morada.
Para resolver o problema de sua educação, seus pais contrataram professores particulares, que eram obrigados a usar roupas mergulhadas no lixo e em fezes para dar as aulas de Billy Bob. Para impedir vômitos, Jiminy Bob lhes dava máscaras de oxigênio, e para impedir a recusa, muito, mas muito, dinheiro.
Com dezoito anos, Billy Bob perdera os pais num acidente automobilístico: O carro deles fora atingido por um caminhão de lixo, dirigido por um lixeiro e seu companheiro, Jack Daniels. Mais uma ironia para a lista da família Jones.
Billy Bob chorou durante dias. Amava muito seus pais, e suas mortes lhe pegaram de surpresa.
Decidira então sair para conhecer o mundo, ver as coisas como eram, adquirir alguma experiência fora de sua mansão no lixão.
Mudara de idéia no momento que saíra do alcance dos doces e suaves aromas do aterro sanitário que chamava de lar. Dera meia volta e se abrigara nos vapores aromáticos do lixão.
Nessa mesma noite, Billy Bob foi dormir pensando em como mudar o mundo ao seu redor, em benefício das pessoas, que precisavam conviver com aquele cheiro horrível, e nem se davam conta disso.
Foi nesse ponto que a insanidade de Billy Bob começou a bater na porta de sua mente.
Dormira, e em seu sono, a resposta veio. Era de simples conceito, porém de execução complicada. Mas não importava: Ele era filho de Jiminy Bob Jones, e isso significava apenas uma coisa:
Dedicação.
Bem, duas coisas: Dedicação e loucura.
Billy Bob passou então os próximos doze anos de sua vida estudando engenharia espacial. Durante esse tempo, contratara algumas das mais brilhantes jovens mentes da engenharia e da tecnologia espacial. Investira quase todo o seu dinheiro na Bolsa, e graças mais à sorte do que à conhecimentos ecônomicos, aumentara sua fortuna em dez vezes.
Finalmente, aos 28, Billy Bob Jones, umas das mais ricas e inteligentes mentes do mundo, revelou sua idéia:
Ele enviaria grande parte do lixo do mundo, retirado dos maiores aterros sanitários da Terra, para o Sol, em grandes contâineres de sua própria criação, construídos por ele e por seus cientistas, tão ávidos por mudança quanto ele.
O mundo aplaudiu a idéia de Billy Bob. Logo, os contâiners foram levados por todo o planeta, coletando o lixo de enormes aterros sanitários. Em pouco tempo, os contâiners se posicionaram de bases por todo o globo, e seriam lançados sincronizadamente.
Durante a contagem regressiva, o mundo aplaudia. Fotos do excêntrico bilionário Billy Bob Jones circulavam por todos os noticiários do mundo. Jornalistas diziam que ele seria mais um no hall de grandes mentes da história da Humanidade.
Em sua casa, Billy Bob acompanhava a contagem em seu laboratório pessoal. Esperava ansioso pelo momento que coroaria sua grandeza.
(É necessário notar que, nesse ponto, a loucura já tinha se assentado completamente na cabeça de Billy Bob. Ele constantemente falava sozinho, e até via duendes ocasionalmente, talvez mais uma herança de seu pai. Só que o seu duende cagava no tapete da sala, ao invés de na banheira.)
Começou a contagem.
10; 9; 8; 7; 6; 5; 4; 3; 2; 1:
Lançamento!
Aplausos ecoaram pelas maiores avenidas do planeta. Os contâiners foram levados por foguetes para o Sol.
Bem, pelo menos esse era o plano.
Em certo ponto, ainda próximos da Terra, os contâiners explodiram. Quantidades inacreditáveis de lixo entraram em órbita, transformando nosso planeta em uma rocha fedida no meio do espaço.
Civilizações caíram, a selvageria tomou conta do povo, religiosos clamaram o perdão de Deus, o Apocalipse havia chegado.
E no meio de tudo isso, Billy Bob Jones caminhava sereno pelas ruas, com seu detonador na mão, um sorriso no rosto, e respirando mais fundo do que nunca.





domingo, 17 de fevereiro de 2008

Folhas da Relva, de Walt Whitman



Walt Whitman
(31 de maio de 1819 - 26 de março de 1892) foi um poeta Americano, ensaísta, jornalista e humanista. Ele pertence ao período de transição entre o Transcendentalismo e o Realismo, incorporando ambas perspectivas em suas obras. Whitman está entre os mais influentes poetas do cânone americano, comumente chamado de "o pai do verso branco". Seu trabalho é também muito controverso, particularmente a coleção de poemas de "Folhas da Relva", descrita como obcena por sensualidade manifesta. (fonte: Wikipédia)


Folhas da Relva (seleta)


Para Você


Desconhecido! Se tu, ao passar, encontrares-me e desejares falar comigo, por que não falarias comigo?
E por que eu não falaria contigo?



Eu me sento e observo

Eu me sento e observo todas as mágoas do mundo, toda opressão e opróbrio;
Ouço os convulsivos soluços secretos dos rapazes, angustiados consigo próprios, arrependidos por seus feitos;
Vejo, na vida mundana, a mãe maltratada por seus filhos, morrendo, negligenciada, macilenta, desesperada;
Vejo a esposa maltratada pelo marido —vejo o traiçoeiro sedutor de moças
Reparo na mágoa do ciúme e do amor incorrespondido — vejo estes panoramas na terra;
Vejo os trabalhos da guerra, da peste, da tirania — vejo mártires e prisioneiros;
Observo a escassez no mar — observo os marinheiros jogando a sorte sobre quem deve morrer, para preservar a vida dos outros;
Observo a indiferença e o degredo lançado por pessoas arrogantes sobre trabalhadores, sobre pobres, negros e afins;
A tudo isto — a toda maldade e agonia sem fim, eu, sentado, observo.
Vejo, escuto e me calo.


Enquanto eu ouvia ao Erudito Astrônomo

Enquanto eu ouvia ao erudito astrônomo;
Enquanto as provas, as figuras, eram organizadas em colunas diante de mim;
Enquanto me eram mostradas cartas e diagramas, para adicionar, dividir e mensurá-las;
Enquanto eu, sentado, ouvia ao astrônomo, enquanto ele palestrava com muita aclamação no auditório,
Quão rápida, inexplicavelmente, entediei-me e me nauseei;
A ponto de me levantar e flanar para fora, vagando só,
Através do místico sereno noturno, e, de quando em quando,
Admirei, em silêncio perfeito, as estrelas.





sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Continhos

A diferença entre desejar e receber

Igor estava sentado numa cadeira, em sua faculdade. Essa se localizava próxima a um famoso morro, lar de uma famosa favela, que por sua vez era lar de alguns não tão famosos traficantes. O dia estava quente, a aula estava chata, e Igor estava debruçado numa janela, pensando. Sobre balas.
"Doeria", pensava ele pela milésima e última vez, "tomar um tiro?".
"Pessoas diferentes reagem de maneiras diferentes a um tiro. Talvez, eu poderia tomar um tiro no braço e gritar que nem um louco, ou levar um na cabeça e não sentir tanta dor".
"Claro, idiota, você estaria morto! Como sentiria alguma coisa?".
"Ora, eu não sei! Talvez eu não morresse na hora. Talvez eu ainda sentisse algo".
"Meu Deus, que idiota! Bem, não posso discutir com isso. Você venceu".
"Mas e..." - Só que nesse momento o sinal tocou. O professor e os alunos se foram. Apenas Igor ficou, olhando para fora, os olhos abertos, uma bala em sua testa.
No fim, só ele soube o que sentiu. Ou não sentiu.


Confissão

Eu tinha uma esposa. Eu a amava.
Nós casamos jovens, e nosso relacionamento era muito apaixonado. Porém, depois de alguns anos, seu fogo apagou.
Ela era linda.
O que eu mais amava em seu corpo eram seus longos cabelos ruivos.
Depois que o fogo apagou, ela se tornou frígida. Não queria mais nada comigo.
Pensei que estava me traindo, portanto mandei seguirem-na.
Nada. Nenhum amante.
Ela simplesmente ficara gelada.
Então a joguei em um incinerador.
Gelada ela não está mais, lhes garanto isso.





quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Não confie em tudo que lê


O projétil atravessa a janela e atinge João na testa. No jornal que lia, a manchete:

"Diminuem os casos de balas-perdidas na cidade".





Assédio

Olhei. Ele não viu. Mexi o cabelo. Nem notou. Sorri, tossi, deixei cair o celular. Nada. “Oi!” Será que é surdo? Chamei um brigadiano. “Foi esse aí!”. Levaram. Voltei para casa realizada.

Olho-gordo

— Que cachorro lindo, Ju!
— É, né Pa?
— Muito. Só que...
— O quê?
— Nada.
— Fala!
— Bobagem.
— Ó, preciso ir. Se cuida.
— Tchau...
À tarde, Ju foi atropelada. Amigos e parentes comovidos: Pa adotou o cão.


Má Sorte

— Joguei no bicho: galo na cabeça. Gato preto cruzou meu caminho. Chutei. Dono do gato me acertou uma paulada. Deu galo.
— Na cabeça?
— É. Na minha.





Vida de traça

Vivo metido em palavras. A história progride entre lágrimas, gritos, acidentes. Chega o fim. O papel acaba.

Paro para decidir. Poe? Eça?

Aposto numa comida leve. Rumo para o Sidney Sheldon mais próximo.

Faz bem para a digestão.





A Chave?

Era nervoso e impaciente.

Esqueceu as chaves dentro do carro. Num acesso de ira, arrebentou o vidro.

Não estava na ignição, mas nas mãos do seu filho que, ao seu lado, olhava espantado.


Ciúmes

Acostumado com boas obras, deu carona para uma grávida num dia chuvoso.

Tão logo ela foi deixada em casa, foi morta pelo marido. Enciumado, há muito desconfiava que o filho não era seu.


Inferno

Matou o filho dentro do carro, esquecendo-o ali com as portas trancadas.

Não se perdoou.

Trancou a si mesmo, esperando as portas do inferno se abrirem. Demorou. Ele mesmo as escancarou. Matou-se ali, no banco do carro, arrebentando os miolos com um tiro na cabeça.





Atrapalhadas

Atrapalhada, lado A
Dormiu mal, acordou atrasada. Vestiu qualquer coisa, tomou num gole o café requentado. Irritou-se com o marido: maldita mania de apagar cigarros no pires!
No elevador, a vizinha-perua, maquiada a essa hora como se fosse a uma festa black-tie! Quem ela pensa que é, afinal, Gisele Bündchen?
Na saída, escorregou diante do porteiro e da vizinha. Quis chorar.
Atabalhoada, não enxergou o moço com a pilha de papéis na mão. Espalhados pela calçada, os documentos dele se misturaram ao conteúdo caótico de sua bolsa de mulher. Na confusão, um breve encontro dos olhares. Corou. Desculparam-se. Sorriram.
Seguiu em frente, transformada na própria Gisele na passarela.


Atrapalhada, lado B
Finalmente ia conferir se o tal Papai Noel existia mesmo. Se estivesse lá o trenzinho elétrico tão ansiosamente esperado, era prova de que sim, e pronto! Ninguém o convenceria do contrário!
O coração disparou. Sob a árvore um pacote grande, papel dourado, laço vermelho imenso. Ele veio, pensou, ele existe e eu sou feliz!
Toda a manhã o pai passou montando trilhos. Postos no lugar locomotiva e vagões, chegaram os primos. Uma revolução aqueles primos! A prima menor, atrapalhada, entrou correndo, sem olhar por onde andava.
Pisou no trilho.
Emudecido e pálido, sentiu a dor da infância terminada.





quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Contos mínimos

Bebedeira

Fechou-as colocando a rolha nas duas. Num único momento, ao mesmo tempo. Então, pensou "Que bom!". Estava perto de obter o dom da ubiquidade.


Compreensão

Ela amava-o. Só que às vezes era uma pessoa confusa. Não entendia bem o que diziam. Por isso, quando lhe perguntaram, respondeu "Não!". E ficou solteira.


Corrida

Terminou. Treze segundos separaram o primeiro do décimo quarto.


Intenção

Após a entrada, no quarto quarto, no primeiro segundo ignorou quaisquer terceiros. Para depois se dar totalmente a sentidos sentidos.

A casa

A casa deles era grande. Levantavam-se bem cedo e chegavam à cozinha já depois da hora de almoço.


Viagem

Dois sobreiros conversam entre si. Diz o primeiro "Estou farto disto pá. Queres ir comigo para a América?". Responde o segundo "Gostava mas não posso. É aqui que tenho as minhas raízes!"


Acidente

Então, o pneu da frente disse para o de trás "Queres trocar de lugar comigo?"


A tartaruga e a lebre

A tartaruga sabia que a história estava escrita para ela ganhar. Dormiu em vez de correr. Perdeu.


Ao contrário

Então, nesse preciso momento, a loira entendeu a piada. Passam duas horas. Riu-se do que ele contou.


Procura

Andavam em círculos, à procura do centro...


Fala

Nunca fazia perguntas. Decididamente, só falava com quem não conhecia.


Escrita

Levava consigo para todo o lado o pequeno bloco de notas. Saiu. Á medida que o tempo passava, observava e riscava as palavras. Ao final da tarde regressou o vazio.


A formiga e a cigarra

Fartava-se de trabalhar. Até que chegou o inverno e a deslocalização. Foi despedida. Mais vale ser cigarra e pertencer a um bom partido político...


Céu

Era bom, honesto e íntegro ajudando os outros o mais que podia. Naquela noite vestiu-se a rigor e saiu para ir com a mulher ao Concerto. A partir daí tornou-se mau, uma verdadeira peste. Vigarizou, roubou, mandou matar. Morreu e não foi para o céu. E ainda bem (pensou). Porque detestava verdadeiramente o som de Harpa.

Timidez

Eram os dois tímidos. Tão tímidos que namoravam há cinco anos sem saber. Um dia, terminaram. Sem saber.





Exame último

Cambaleio e é com coragem que sigo e olho em frente e fito um por um os meus interlocutores. Meus olhos castanhos gastos, cansados não me respondem e não correspondem atempadamente a todos os meus anseios. Toda eu sou tormento e dor quando entro trémula em silêncio na sala grande e fria. E já não consigo ser eficaz. Não tenho mais a capacidade de estar a sós comigo mesma e nessa calma ver com a clareza e discernimento de antes. Sempre omnipresente está a dor! A muito custo mantenho minha presença e compustura. e meu ânimo já não é o que era. Tenho a doença, aquela doença, sabem !... E sei que minhas hipoteses de cura são extremamente reduzidas. A radioterapia e os outros tratamentos provavelmente não farão mais do que adiar um pouco o que já é inevitável.

Relembro os inúmeros testes desde a infância e meninice escola doce até à Universidade imponente e austera, de Coimbra, onde fui aluna regular na maior parte das matérias e até acima da média, quase exemplar em algumas cadeiras, as minhas preferidas. Onde troquei as festas e farras pelo aturado estudo noite dentro, noites e noites a fio, tanta vez... Recordo meu início de carreira, meus ideais, meu empenho pelo ensino nesta profissão que amo e à qual me fui habituando a dar tudo. Lembro o riso e o choro, a solidão e o namoro, a força de minha mocidade. E as exigências e apoio contante de meus pais que já se foram, bem hajam, Deus os tenha.

E sinto medo. Porque hoje vou a exame e este teste é diferente, de todo desprovido de qualquer estudo ou preparo. O resultado não depende de mim mas sim deles. Daquele grupo de desconhecidos que se perfila ao fundo por detrás da secretária. Serão humanos ou será que serei para eles apenas mais um número, roda dentada de métrica de eficiência e contenção de custos de tostões onde se continua gastando milhões sem quê nem porquê? Não sei. Por isso estou temerosa. E espero...

Uma voz lá do fundo, clara e fria, mecanográfica ordena que me levante. A deliberação vai ser proferida. Estou ansiosa, é o momento que chega. E ouço incrédula a decisão. Na qual eles dizem que a incapacidade alegada não é devida. Que deverei voltar e terei de me apresentar ao serviço fazendo o mesmo de sempre (provavelmente com as exigências de sempre). Quase não acredito, solto uma lágrima. Quero gritar mas não sou capaz. E fito as faces incrédula. Procuro em vão ajuda e compreensão mas não encontro pessoas, apenas rodas dentadas, cuidadosamente programadas e instrumentalizadas.

De repente percebo tudo e vejo que nada adianta lutar contra essa máquina surda. Que me aprova! Má sorte passar neste exame sem exame. Meu último!

P.S:
Meu personagem é inteiramente fictício. No entanto a história se inspira em factos bem reais. Em Portugal vários professores foram considerados aptos para continuar suas funções após análise pela "Caixa Geral de Aposentações" apesar de padecerem de doenças graves como o cancro. Alguns já faleceram. Felizmente que agora (mais vale tarde que nunca) estão fazendo algo para evitar esse tipo de situações.

Aproveito para apresentar extracto de notícia do jornal "O Público" na Net

"... A Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) garante que a Escola Alberto Sampaio, em Braga, garantiu "todas as condições humanas" ao docente recentemente falecido que a Caixa Geral de Aposentações havia considerado apto para leccionar, apesar de ter cancro na traqueia."





terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O Beijo

Um conto de Denis da Cruz


Interessante como algumas coisas são tão importantes em nossa vida. Aqui, escondido na penumbra desta noite, sinto a tensão do meu desejo.

Estranho reconhecer que minha vida sempre girou em torno de algo aparentemente simples: o beijo.

Quanto tempo faz? Não sei. Minha memória fez questão de expulsar várias coisas por quais passei. Mas desta história me lembro de cada momento.

Allice. Este era seu nome.

- Tom – disse ela naquele passado tão distante. – Meus pais estão muito doentes.

Os cabelos loiros cobriam-lhe o rosto bonito que não ousava erguer-se para mim.

- Mas...

- Por favor, me perdoe – continuou ela. – Eu sei que prometi um beijo. Mas não posso; não agora.

Não me conformei, mas acredito que meu rosto mostrava compreensão. Aquele encontro às escondidas era o momento perfeito para selar a corte que há muito eu vinha fazendo à Allice. Porém, nada saiu como meu coração desejava.

- Você sabe que sou prometida, Tom – finalmente levantou o semblante. Seus olhos azuis mostravam certa súplica – Não posso contrariar meus pais neste momento difícil. Dê-me mais um tempo.

Ela estava certa. Eu era um mero órfão, aprendiz de ferreiro. Não tinha nada para oferecer. Se quiséssemos ficar juntos, teríamos que fugir.

Allice tirou do pescoço uma corrente dourada. Entregou-me com um pingente na forma de um coração.

- Há coisas mais importantes que um simples beijo.

Deu um breve sorriso. Seus lábios vermelhos, tão desejados, afinaram de uma forma que a deixou ainda mais linda. Virou-se ao ouvir o trote distante de um cavalo e saiu do nosso reduto.

Foi-se o meu beijo, ficou em meu coração o ardente desejo.

Por alguns meses, nos comunicamos por pequenos bilhetes. Os pais de Allice não retrocediam na doença e Joe, seu irmão, era nosso pombo-correio. Garoto incrível, sempre alegre; fazia votos para que nosso relacionamento desse certo. O conquistei tempos antes, dando-lhe uma pequena adaga que fiz na forja de meu senhor, usando sobras de metal. A partir daquele dia, Joe foi um fiel escudeiro.

Por mais que o tempo tenha passado, não consigo me livrar das imagens da pior das minhas noites; a escuridão engoliu meus sonhos e levou consigo meu beijo.

Lembro-me bem. Acordei com um som fraco arranhando a janela da ferraria. Vivíamos num povoado pacato, não havia razões para medo. Abri e me deparei com Joe; suas roupas encharcadas de sangue.

Puxei-o para dentro enquanto olhava para a imensidão escura.

- Ele vai levar Allice – disse fracamente. Parecia haver sangue até mesmo dentro das órbitas de seus olhos. – Ele vai matar a todos.

Pude assistir a vida fugindo do corpo de Joe. Eu não sabia do que se tratava, mas se Allice fosse morrer, eu morreria com ela.

Peguei um florete e me apropriei do cavalo do meu senhor. A escuridão me abraçava enquanto meu coração apontava a direção.

As sombras debruçavam pesadas em toda a pequena propriedade da minha amada. Parecia haver movimento apenas no silo. Cavalguei e forcei o cavalo a arrombar as portas com as patas dianteiras.

Queria que o tempo curasse as feridas da mente. Mas não cura. Rasgados no chão do silo, estavam os corpos dos pais e de dois irmãos mais velhos de Allice. Ela estava pouco mais ao fundo; ajoelhada e de vestes brancas, manchadas com o próprio sangue, olhava para mim e para o nada.

Atrás dela um homem lhe segurava pelos cabelos. Sorriu desdenhoso enquanto eu descia do cavalo com o florete empunhado firmemente.

“Ainda posso salvá-la”, lembro-me de ter pensado.

- Tom? – disse o homem sorrindo ainda mais. – Ela me contou sobre você. O garoto que quer um beijo – gargalhou.

- Solte-a! – tentei gritar, mas só consegui que a frase saísse gaguejante.

- Ah, o amor, o beijo; o beijo, o amor – soltou Allice e veio em minha direção.

Meu corpo parecia ter petrificado. Não conseguia tirar meus olhos daquela figura hipnotizante que se fundia as robustas sombras do ambiente.

- Isto é tão lindo. Um rapazote apaixonado que vem para salvar sua amada – seu rosto estava frente ao meu; seus olhos pareciam ordenar que eu não me mexesse. – Ela vai morrer, Tom. Vai morrer agora e levará com ela o que você mais deseja: o beijo.

E assim foi. Aquele maldito virou-se e rasgou com as mãos a garganta de Allice. A vi arfar o próprio sangue e se debruçar sobre a poça vermelha.

A cena me tirou do transe e avancei. Cravei a espada nas costas do assassino. Vingança. Pelo menos isto eu teria.

Ele virou-se sorridente; o florete atravessando seu ventre. Finalmente percebi o que estava diante de mim. Aquela criatura gargalhou enquanto tirava a espada do corpo e pude ver suas imensas presas.

Ergueu-me do chão, grudando em meu pescoço.

- Patético. Mas vou te presentear com algo pior que a morte. Viva, garoto, para sempre, sentindo a perda da sua querida Allice.

Grudou as presas em minha garganta e pude sentir as veias ferverem. Parecia que fogo circulava pelo meu corpo e que minha alma estava sendo sugada para dentro da boca daquele monstro.

Quando minha vida se foi, me senti invadido por sombras. Meus olhos se abriram. Eu sugava o punho do assassino de Allice enquanto ele sorria. O gosto ferroso saciava uma fome sem limites.

- Chega! – disse ele puxando o braço. – Bem vindo às trevas.

Deixou-me ali, entre os cadáveres, e embrenhou-se na noite. A fome ainda era intensa e sorvi o que restou do sangue de Allice e de seus familiares.

Fui transformado numa besta assassina. Escondia-me durante o dia, caçava durante a noite. Por onde eu passava, deixava uma trilha de corpos e procurava aquele que me amaldiçoou. Jamais irei esquecer seu rosto. Por muito tempo, a única coisa que me fazia lembrar que eu era humano, era o coração dourado com que Allice me presenteou.

Finalmente encontrei um igual a mim, Dimitre. Ensinou a me alimentar sem matar e a descobrir muitos dos meus dons das trevas. Contou-me que, provavelmente, a doença dos pais de Allice era causada pela criatura que, depois de muito brincar, matou a todos.

Dimitre foi um grande mestre, porém não colaborou em nada na minha busca por vingança. Dizia que isto não devia ser a motivação nem para a mais vil das criaturas. Mas ainda hei de encontrar aquele monstro e cobrar a dívida de morte que tem comigo.

Interessante como algumas coisas são tão importantes em nossa vida. Depois de quase de dois séculos daquela maldita noite, estou aqui novamente escondido na penumbra, esperando ansiosamente por aquilo que nutre minha vida.

Uma mulher vem em minha direção.

Lembro-me de ter sorrido quando Dimitre me contou alguns termos usados por nós, os vampiros. O que mais me chamou atenção foi quando ele explicou como chamamos o ato de mordermos uma pessoa para nos alimentar.

Ela está próxima. Já está sob meu domínio.

- Não resista – digo saindo das sombras. – É apenas o Beijo. O Beijo de um vampiro.





segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Príncipe Heróico

Ana Carolina Brazil


Depois de procurar O Mais Isolado dos Castelos, enfrentar o Dragão Guardião e procurar A Mais Alta Torre, finalmente tinha alcançado o fim de seu treinamento de Príncipe Heróico e estava a poucos passos de cumprir aquilo que estava escrito, despertando a Princesa Adormecida para futuramente casar-se com ela e herdar todo o seu próprio reino!

Ela estava deitada numa cama no meio do quarto, o Príncipe Heróico deu solenes passos em sua direção. Segundo a Antiga Lenda, bastava apenas Um Beijo, um Único Beijo, para quebrar a Maldição e despertar a Princesa Adormecida!

Enquanto a observava em seu sono profundo, não podia negar que ela era bonita. Não parecia ter muito mais do que dezesseis anos, os cachos castanho-avermelhados caíam levemente por seu rosto e ombros, os lábios rosados pareciam um botão de rosa pronto para ser tocado pelos seus... Vai ver seria agradável ser seu marido e Senhor de um Vasto Reino.

Mas... E as horas cavalgando sozinho pelos campos, enquanto treinava? E a busca pelas Maiores Aventuras, a luta com Monstros Horrendos, os desafios a Lutadores Poderosos, as caçadas aos Dragões Mágicos – e, claro, encher a cara de cerveja na taverna enquanto desfiava seus Grandes Feitos?

Trocaria tudo isso por horas diante da lareira, um cachorro correndo no tapete junto das crianças pequenas, a Princesa Adormecida amavelmente bordando brasões a seu lado?

Definitivamente, não.

O Príncipe Heróico deu meia-volta. Logo apareceria outro Dragão Guardião e a Antiga Lenda seria cumprida por Alguma Outra Pessoa.


Publicado originalmente em Contos da Prisão de Vidro





Koyaanisqatsi (autor convidado)

por Marcello Henrique

Esse foi um dos trabalhos mais legais da ECO (UFRJ) que eu fiz. Curti de verdade escrevê-lo. Tudo bem, eu fui obrigado, mas isso não significa que não tenha sido divertido. Por isso quero compartilha-lo.

É a representação escrita do filme Koyaanisqatsi, do diretor Godfrey Reggio (aliás, vale a pena assistir!)


Koyaanisqatsi

Muito, muito tempo atrás. A Natureza ainda é a única responsável por tudo que acontece no planeta azul. Em harmonia, fauna e flora compõem silenciosamente o cenário: nada vive, nada morre, nada se constrói, nada se destrói.A Terra, porém, parece saber o que a esperava num futuro ainda distante e se revolta. O Vento, célere, não hesita em carregar nuvens e o que mais vier furiosamente, anunciando os novos tempos. Lá embaixo, as ondas dançam a dança que só elas sabem, no oceano sem fim. A Terra está viva...Fumaça. E onde há fumaça, há fogo. Os homens marcham firmes passos a caminho do salvador progresso; ou da temida destruição, quem iria saber? É o começo do fim do reinado da Mãe Natureza.

De alquimia a tecnologia de ponta, a ciência evolui vertiginosamente. O fogo, o mesmo dominado por selvagens para cozinhar, agora jorra de explosões assassinas, certeiros, em direção a inocentes, tão humanos quanto eu ou você. A guerra torna-se uma realidade. Nasce a indústria bélica.

Longe dos campos de batalha, a cidade moderna surge esmagando a paisagem de outrora. A selva de pedras é palco para um frenético ritmo de vida. Sob os imponentes arranha-céus os mais bizarros cenários são casualmente esquecidos. Nos becos, a miséria, a fome e a tristeza de vidas sem esperança passam ao largo da rotina alienada. A Cidade – o ente, quase vivo – não tem tempo para dar atenção a isso. É necessário seguir em seu alucinado ciclo de construir, destruir, construir, destruir, construir e destruir.Mola mestra dessa engrenagem, o Homem esta agora por toda a parte. Multidões deslocam-se para todos os lugares e para lugar nenhum pelas ruas da metrópole. Não são pessoas. São ternos, capacetes, uniformes, compromissos e agendas, alucinados. O Bombeiro, o Policial, o Soldado, o Executivo. Não importam os nomes, não importam os sentimentos, esses, escondidos no brilho dos olhos por trás de tudo isso. Mas isso, meus caros, só é visível em câmera lenta. A cidade não tem tempo. Nunca tem.

À noite, as ruas ligam os trabalhadores, exaustos, de seus postos aos lares. Nos apartamentos, pontinhos de luz iluminam, felizes, a cidade, que descansa. Nos metrôs e trens, o fluxo é contínuo e automático. Na próxima cena, salsichas são empaladas em séria na linha de produção. Pago um prêmio para quem me disser a diferença!. A cidade é um copo d’água e seus habitantes, moléculas de H²O.

Do espaço, a Terra parece dormir. Assim como um micro chip, em que bits circulam a mil por hora, parece inerte aos nossos distantes olhares.

Chegamos mais perto, mais e mais perto, e o que encontramos? Rostos. A câmera olha dentro dos olhos do Sr. Sou-só-mais-um-na-multidão. O que eu vi? Vazio. Afinal o que aguarda aqueles olhos no futuro? Talvez ele não se preocupe muito com isso? É preciso construir, destruir, construir, destruir...

Num último grito desesperado, o Homem constrói as carruagens siderais e lança-se ao Espaço infinito. Talvez a procura de mundos melhores (“vá, há outros mundos além desse”, disse certo personagem em certo livro...), fugindo do caos que ele mesmo criou. É a vida em desequilíbrio.
Koyaanisqatsi!





domingo, 10 de fevereiro de 2008

A Pirâmide do Mundo

Henry Alfred Bugalho

Tudo não passou de uma questão de espaço.

As cidades cresceram, lançando seus braços de asfalto por todas as direções, fábricas, comércios, residências, metrôs, trens, aeroportos. Cresceram tanto que se fundiram, confundiam-se, não se podia mais definir onde uma acabava e outra começava.

A primeira megalópole surgiu no Japão, também conhecida como Tokyoto (a aglomeração das cidades de Tóquio, Nagoya, Osaka, Kobe e Kyoto). Tal fenômeno logo se reproduziu na costa leste dos Estados Unidos — quando Boston, Nova York, Filadélfia, Baltimore e Washington deixaram de ser consideradas como cidades individuais e adotaram a nova nomenclatura de BosWash —, na Europa ocidental, nas margens do Rio Indo, Xangai e na Coréia do Sul.

Mesmo com o meio de transporte mais veloz, ainda se levava mais de três horas para cruzar tais cidades de um extremo ao outro.

Quando a expansão horizontal não se tornou mais possível, tanto por limites geográficos quanto pela conclusão de que o crescimento populacional jamais poderia ser detido, qualquer um familiarizado com a teoria malthusiana conhece as noções de progressão geométrica da população, engenheiros deliberaram que o melhor seria iniciar as construções de arcologias, um dos sonhos mais bizarros e fascinantes da ficção científica. Grandes monstruosidades de concreto, aço e vidro se ergueram em meio às intermináveis cidades.

O que se pretendia como sendo uma solução, demonstrou ser mais um agravante ao problema. Uma atrás do outra, as arcologias se ergueram e, ao invés de reduzir o espaço que as cidades ocupavam, passaram a arrebanhar mais habitantes e, das dezenas de milhões, tais megalópoles atingiram, facilmente, a marca de centenas de milhões de habitantes. E, quando não havia mais espaço para se construir arcologias, a solução foi adicionar novos andares, novos subsolos, aos já existentes, até o ponto em que nem isto mais foi possível, ao risco da estrutura não suportar o próprio peso.

Mesmo assim, a população não deixou de aumentar. As arcologias, tão belas, sistemáticas e organizadas no princípio, se tornaram superlotadas. Andares que acomodavam, no máximo, cinqüenta mil moradores, recebiam cento e cinqüenta, duzentos mil.

Em certo momento, a população das arcologias se tornou tão numerosa que eles, os edifícios, receberam o estatuto de cidades; posteriormente, os andares, por causa de suas imensas populações, também se tornaram cidades, enquanto os edifícios, estados.

Os moradores dos andares altos, das suntuosas coberturas, solicitavam à administração estadual mais espaço, queriam desalojar os moradores duma cidade inteira — entenda-se andar — para construírem um campo de golfe.

Quando a autorização foi dada pela administração e a ordem de despejo afixada nas portas de todas as habitações, a revolta se instaurou.

— Para onde eles iriam?

Certamente, uma pergunta sem resposta, pois não havia mais espaço.

O exército foi acionado, mas encontrou resistência. Mais tropas enviadas, porém, os rebeldes receberam reforços de outros andares inferiores, que temiam que a gana expansionista dos andares superiores também os atingissem, num negro futuro não muito distante. Isto era a guerra civil.

Os combates duraram anos. Desesperados com as derrotas, os ricos tomaram uma decisão drástica — toneladas de explosivos foram estrategicamente alocados nos andares inferiores e, com uma ordem do Comando Geral de Guerra, detonados.

Como uma resolução tão estúpida foi considerada e executada é um mistério sepultado com a arcologia, que implodiu com seus vários milhões de moradores.

Nenhum campo de golfe jamais foi construído.





sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Aposentadoria

Volmar Camargo Junior

Voltávamos para a sede de B.V. (uma das muitas cidades chamadas B.V. que há pelo Rio Grande). A escola onde lecionávamos ficava dentro da jurisdição do município, mas fazíamos, entre ida e volta, quase quarenta quilômetros de estrada de chão todos os dias.

Era chuva que Deus mandava, e parecia que São Pedro tinha aberto as cancelas do céu de deixado a rolar água. No micro-ônibus da prefeitura onde, por lei nem poderíamos viajar, estava todo o plantel de professores da Escola Municipal X (não é “dez”; é “xis” porque não vou dar o nome do santo). O carro era muito velho, mas ainda na ativa. Chamavam-no carinhosamente, em honra do estado dos faróis, “Fonforéco d’um zóio só”. E em dia de chuva, como era o caso, os passageiros precisavam esquivar-se das goteiras.

O motorista, vamos chamá-lo Gringo, — ou melhor, “Seu” Gringo — conhecia aquelas estradas de fazenda como ninguém. Já era adiantado da noite, e, segundo ele, havia grande chance de a chuva engrossar ainda mais. Por uma boca só, todo mundo votou contra quando o Seu Gringo disse que achava bom tomarmos um atalho.

Eu poderia apostar que Seu Gringo tinha um tanto de sangue germânico, porque não raro, o homem tinha uns acessos de “alemoíce”. Encasquetou na idéia, e meteu-se pelo caminho mais curto. É da sabedoria popular nos cinco continentes que atalhos não são aconselháveis. Hans Christian Andersen e os Irmãos Grimm estão aí para não me deixar mentir.

A estradinha, de fato, não era das piores. Quando já estávamos quase nos arrependendo de duvidar do “motora”, e ele, exibindo seu modo muito particular de mostrar a todos que ele é quem estava com a razão, justamente nesse momento aconteceu o que era visto. O “Fonforeco” apagou. Bem numa subida. E São Pedro, nada de dar arrego.

Era para ser apavorante, um grupo de dez pessoas no meio do nada (na verdade, estávamos, sim, no meio de uma fazenda, a Granja Santa Y.), a quilômetros de qualquer coisa, debaixo da maior chuva. Estava muito, muito escuro. O Gringo, por acaso, não tinha uma lanterna no ônibus. Foi então que alguém lembrou da única utilidade de um celular em uma estrada de colônia: a luz.

Confirmando a previsão do experiente italiano com sangue (e teimosia) de alemão, a chuva aumentou. Como já dito, era uma subida, que por aqui chamamos muito por “perambeira” ou “perau”. A torrente descia por aquela estrada barrenta feito uma cachoeira. O veículo começou a se mexer sozinho. Alguém falou, meio em tom de ordem, “vamo descer, gente”. E outro, decididamente imperativo, e gritando, disse “Devagar!”. Um a um, os professores e o motorista desceram a escadinha, enfiando em seguida o pé no barro.

Para quem não sabe como é uma estrada de fazenda, eis a descrição: em geral é de terra, ladeada por valetas fundas o suficiente para a água da chuva não “empoçar”. Algumas têm, em uma ou nas duas margens, um barranco. Aquele trecho tinha, pelo que ficamos muito gratos. O normal dessas vias é serem “cascalhadas” ou “empedradas” — dá no mesmo — mas em situações como aquela, não serviriam para nada nem cascalho, nem valeta. Ficou só o barro e o aguaceiro.

Descemos, e a água não nos arrastava por pouco. Conseguimos subir no tal barranco para, com a pouquíssima luz dos aparelhos de telefonia móvel, assistirmos ao espetáculo de camarote. Em instantes, o Fonforeco deslizou um pouco; depois mais um pouco; na terceira, deslanchou de vez em uma ré sem controle ladeira abaixo. Pendeu para a direita, escorregou e acabou com as rodas enfiadas na valeta, fazendo com que o corpo do carro pendesse para aquele lado até, finalmente, tombar. Breve silêncio. Era aterrador. Alguém soltou um “Puta Merda!” tão sentido que não deu pra agüentar. Caímos na gargalhada.

Foi aí que alguém teve a idéia de olhar para os celulares. Pois um deles estava mostrando, com costumava-se dizer, “um pauzinho de sinal”. Por acaso, era o meu. Disquei o número de alguém conhecido da prefeitura. A bateria do aparelho só deu tempo para dizer “Busca nós na subida da Granja Santa Y”. Como se vê, o lugar já tinha fama.

Pra encurtar a conversa: voltamos para B.V. na Kombi da Secretaria de Obras. Duas vezes tivemos que descer para empurrar. A chuva? Essa só parou uns três dias depois.

Depois dessa, o “Fonforeco d’um zóio só” finalmente foi aposentado.


(publicado no Recanto das Letras em 03/02/2008)





quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Machado, O Cronista

Machado de Assis

Biografia

Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) é considerado o maior escritor realista do Brasil e, provavelmente, o maior escritor da literatura brasileira. Nasceu numa família muito humilde e, para ajudar a família, começou a trabalhar como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional em 1856. De 1858 em diante escreve para diversos jornais importantes com regularidade.
Dentre suas principais obras estão seus contos (O Alienista e A Cartomante estão entre os mais famosos) e os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro. Foi o principal fundador da Academia Brasileira de Letras e o seu primeiro presidente. A crônica brasileira moderna tem, em Machado de Assis, um dos seus principais fundadores. Machado escrevia suas crônicas sob pseudônimos. Só 40 anos após sua morte é que se descobriu o verdadeiro autor das chamadas Crônicas de Lélio.
Na crônica abaixo, Machado de Assis aborda com ironia a questão da abolição da escravatura, que havia ocorrido no dia 13 de maio de 1888.


Crônica publicada no jornal Gazeta de Notícias, em 19 de maio de 1888.

Bons dias!

Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário fôr, que tôda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.

Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.

No golpe do meio (coup du milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado.

Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembléia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.

No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:

- Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
- Oh! meu senhô! fico.
- ...Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho dêste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
- Artura não qué dizê nada, não, senhô...
- Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
- Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.

Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Êle continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.

Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe bêsta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas tôdas que êle recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.

O meu plano está feito; quero ser deputado,e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a tôda a gente que dêle teve notícia; que êsse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposições) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.

Boas noites.


Texto extraído do livro
Obra Completa, Vol III. Machado de Assis. 3ª edição. José Aguilar, Rio de Janeiro. 1973. p. 489 - 491.

fonte: http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/cronicas/machadodeassis.htm





ESCREVENDO EM LÍNGUA PORTUGUESA




GREGÓRIO DE MATOS GUERRA
Patrono da Cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras

Gregório de Matos Guerra, advogado e poeta, nasceu na então capital do Brasil, Salvador, BA, em 7 de abril de 1623, e faleceu em Recife, PE, em 1696.
Foram seus pais Gregório de Matos, fidalgo da série dos Escudeiros, do Minho, Portugal, e Maria da Guerra, respeitável matrona. Estudou Humanidades no Colégio dos Jesuítas e depois transferiu-se para Coimbra, onde se formou em Direito. Regressou ao Brasil aos 47 anos de idade. Na Bahia, recebeu os cargos de vigário-geral e de tesoureiro-mor, mas foi deposto por não querer completar as ordens eclesiásticas. Apaixonou-se pela viúva Maria de Povos, com quem passou a viver, com prodigalidade, até ficar reduzido à miséria. Passou a viver existência boêmia, aborrecido do mundo e de todos, e a todos satirizando com mordacidade. Estabeleceu-se posteriormente em Pernambuco, onde conseguiu fazer-se mais querido do que na Bahia, até que faleceu, reconciliado como bom cristão, em 1696, aos 73 anos de idade.
Como poeta de inesgotável fonte satírica não poupava ao governo, à falsa nobreza da terra e nem ao clero. Não lhe escaparam os padres corruptos, os reinóis e degredados, os mulatos e emboabas, os “caramurus”, os arrivistas e novos-ricos, toda uma burguesia improvisada e inautêntica, exploradora da colônia. Perigoso e mordaz, apelidaram-no de “O Boca do Inferno”.
Foi o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, o tipo local, produto do meio geográfico e social. Sua poesia é a maior expressão do Barroco literário brasileiro, no lirismo. Sua obra compreende: poesia lírica, sacra, satírica e erótica. Ao seu tempo a imprensa estava oficialmente proibida. Suas poesias corriam em manuscritos, de mão em mão, e o Governador da Bahia D. João de Alencastre, que tanto admirava “as valentias desta musa”, coligia os versos de Gregório e os fazia transcrever em livros especiais. Não se pode afirmar que toda a obra a ele atribuída haja sido realmente de sua autoria.
Fonte: http://www.academia.org.br/


SONETO
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco c'os demais, que só, sisudo.





domingo, 3 de fevereiro de 2008

SAMIZDAT 1

SAMIZDAT1


O primeiro fascículo do e-zine SAMIZDAT está disponível para download, com obras de:

- Denis da Cruz;
- Elza Fraga;
- Henry Alfred Bugalho;
- José Espírito Santo;
- Marcia Szajnbok;
- Pedro Faria;
- Alberto Caeiro e
- Charles Bukowski (trad. Manuel Domingos).

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