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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Manifesto Urbanicista

Volmar Camargo Junior

 

 

O escritor urbano, sem ser literato, sonhador, massivo, político faz ficção urbana. (Re)Cria o espaço, o tempo, e principalmente, os citadinos seres humanos: idiotas, espertos, doentes, intelectualizados por mentiras, sensíveis uns aos outros de maneiras improváveis, seres humanos de ficção que ouvem, contam, recontam e continuam rindo da mesma velha anedota de sempre. Escreve sobre si mesmo. Mas também, é provável, aceitável, até desejável que seja sobre todos os urbanos, porque, sendo tão parecidos, são todos irremediavelmente atraídos uns pelos outros. E parecido é um eufemismo para iguais.

 

A ficção urbana é a pior das criaturas dessa realidade, porque é feita rigorosamente da mesma massa de que ela, a realidade de cimento, asfalto, borracha, fios de cobre, leds e derivados de petróleo. Os urbanos falam sobre ser urbano, e ao mesmo tempo, falam sobre não sê-lo. A ficção, quando é boa, faz-nos pensar na grande idiotice em que vivemos atolados, e, paradoxalmente, joga-nos ainda mais para o fundo dela. A ficção urbana não quer que sejamos idiotas, porém, não teme falar sobre o fato de a vida urbana ser, efetivamente, idiota, e estarmos constantemente fugindo dela por variadas e deleitosas válvulas de escape. A ficção urbana é, antes de tudo, uma metaficção.

 

E, vejam, nem falei em literatura, em arte literária. Penso que isso, se existe, é um ideal, velho como os livros, divino, inacessível, a própria constituição de porções significativas da nossa idiotice, e que, por tanto a desejarmos, nem sabemos mais o que ela é. A arte literária é, como os ideais, as lutas e as revoluções, uma piada de mau gosto, da qual ela própria, a abstrata literatura, ri-se. A arte, se há, mais importante, mais completa, mais instigante, mais capaz de arrancar o urbano do lodo de sua própria existência é a ficção. E pouco importa se é ou não literatura.

 

 

Por tudo isso, o presente manifesto é pelo Urbanicismo:

 

Não é luta – basta de lutas!

Não é revolução – estamos fartos de revoluções!

Não é ideal – chega de ideais!

Não é sonho – há sonhos, sim, mas é o fato, e não o sonho, o que o escritor urbano, doravante urbanicista, quer.

 

Este é o movimento da constatação. Não somos bons, não somos maus, não somos melhores que o que fomos no passado, nem seremos melhores num futuro. A ficção urbanicista é sobre o que há, e convida a olhar – sim, a olhar, não contemplar, mas olhar, estar presente, capturar o que há – no urbano.

 

Não é a supremacia do citadino sobre o do campo, porque mesmo o campesino é urbano, quando quer sê-lo e quando abomina a urbanidade.

 

Não é a supremacia do prosaico sobre o sublime, porque o sublime é a moldura, a forma e a estrutura do prosaico.

 

O escritor urbanicista captura o fato, como uma câmera fotográfica. Quem sabe, uma câmera digital, porque o resultado é imediato, instantâneo – das tantas maravilhas, idiotas, mas úteis, que nos fazem tão especiais.

 

O urbanicista não apenas quer a unidade com o outro, mas assume-se, sem restrições e sem medos, que é o outro, que é o eu-poético, que é o personagem de ficção.

 

O urbanicista respeita o ideal do passado –  ele não quer revoluções – mas constata e aceita as tantas formas de expressar-se, sobretudo a língua, como são, e, como devem ser, porque esta é uma interação constante, infinita, e não cabe ao escritor julgar, talvez, nem posicionar-se. Cumpre-lhe a tarefa de capturar – e mostrar, não como denúncia – a urbanidade: o que a constitui, o que nela há, o que ela é, e, principalmente, quem a vivencia.

 

O Urbanicismo existe já de antes deste manifesto. O escritor que deseje aderir a ele deve antes esquecê-lo – não combatê-lo. Se quiser começar a escrever ficção urbanicista, deve primeiramente esquecer-se do universo, do mundo, da cidade, dos outros, de si, e voltar olhar para o próprio ato de escrever: o seu primeiro fato. Todo escritor urbanicista deve, antes de tudo, traçar o seu próprio Manifesto, porque em cada urbano há um olhar da urbanidade – que é um, e é muitos – e só ele pode saber como expressará esse olhar.



 

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