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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Poesias e quebras


Separo para este mês duas pequenas poesias, ambas com temáticas relacionadas a quebras e fragmentos. Espero que apreciem estas pequenas construções:


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Fragmentos


Quebrou-se

no mergulho do pássaro

o espelho d´água



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Irremediável


A louça delicada

atirada na parede

partiu o silêncio
- em mil pedaços









segunda-feira, 26 de novembro de 2012

São rosas, Senhor.


A Fada sentou-se na folha verde. Como todos os dias, tinha andado num virote a espalhar Felicidade entre os Homens, desgraçada raça sempre tão triste.


A folha verde era muito maior que ela. Deitou-se e sorriu; estava cansada, sim, mas valia a pena. Tanta gente que era agora mais feliz!

Morreu sem dar por nada, quando a mulher a esmagou com a pequena pá de ferro:

- Estupores dos bichos, dão-me cabo das rosas.





domingo, 25 de novembro de 2012

Com a Melhor das Intenções

Joaquim Bispo



– Eh, pá, não tenho dúvidas; é um desses mails moralistas a puxar ao sentimento, mas mesmo tocante – dizia Barbosa ao seu colega de secção, no regresso do almoço, pelos corredores da Judiciária. – A história é, mais ou menos, assim: na Alemanha do século XV, havia uma família numerosa e pobre, cujo pai tinha de trabalhar dezoito horas diárias nas minas de carvão para alimentar tanta gente. Dois dos filhos queriam ser artistas, mas como? Combinaram que um trabalharia nas minas, para pagar os estudos de pintura do outro, e depois trocariam. Assim fizeram. No regresso da academia, o primeiro, já formado, quis honrar o combinado, mas o irmão disse que era demasiado tarde; que os quatro anos de trabalho nas minas lhe tinham destruído as mãos para a pintura. Então, o pintor desenhou as mãos calosas do irmão, como homenagem. Aí, o mail apresenta o desenho realista de umas mãos todas cheias de rugosidades.

– Manda-me isso – concluiu Magalhães, interessado. – Sempre quero ver se é melhor que os poucos que leio. A maioria, nem abro, quando percebo que é pieguice.



Pouco depois, o inspetor Magalhães fechava a página do eBay, onde, de manhã, estivera a pesquisar leilões de azulejos portugueses, e leu o texto do extenso e-mail que emocionara Barbosa, e que vinha acompanhado de umas mãos-postas desenhadas por Durer. Terminava com uma máxima: «quando você se sentir demasiado orgulhoso do que faz e muito seguro de si mesmo, lembre-se de que, na vida, ninguém triunfa sozinho!»

– Uou! É potente! Não sabia que o Durer era tão pobre.

– Esta máxima final parece feita de propósito para nós, não achas?

– Mas, sabes – prosseguiu Magalhães, cofiando a pera – há aqui qualquer coisa que não bate certo. A história puxa muito ao choradinho. Há muita miseriazinha, muita entreajuda cristã, uma grande lição de moral no fim... E as mãos não me parecem as manápulas robustas de dedos grossos de quem trabalhasse numa mina. Os dedos são tão compridos e esguios como os de um desocupado.

– Tens razão! Vamos ver de onde é que isto vem.

– Olha, “Durer mãos” no Google dá-me vinte mil resultados. É muito.

– Com a primeira frase dá novecentos. Isto está bem espalhado!

– O melhor é procurar na Wikipédia – racionalizava Magalhães.

– Está aqui um site em que o pai de família trabalha dezoito horas, mas no ofício de ourives. E tem dezoito filhos. Caramba!

– E tem razão. A Wiki diz que o pai de Durer teve dezoito filhos e era ourives.

– Escuta este: «Após uma demorada e memorável refeição, recheada de música e alegria, Albrecht ergueu-se do seu lugar de honra» – tal, tal… – «“agora, Albert, meu bendito irmão, agora é a tua vez. Agora podes ir para Nuremberg realizar o teu sonho, e eu cuidarei de ti.”» – recitava Barbosa, rindo. – Escuta a descrição do irmão: «Lágrimas corriam pela sua face pálida, enquanto agitava para ambos os lados a sua cabeça curvada, e em soluços repetia várias vezes “Não ... não ... não ... não.”»

– Que lamechas, esse imaginativo aspirante a escritor! – respondeu Magalhães, e prosseguiu no relato da sua pesquisa: – Parece que a família Durer vivia em Nuremberga, desafogadamente, e não numa aldeia próxima e miseravelmente. Ah, cá está! O jovem Albrecht foi colocado aos quinze anos como aprendiz na oficina do gravador Michael Wolgemut, dado o seu gosto pelo desenho. Pois! – reconfortava-se Magalhães – do que me lembro das aulas de História da Arte medieval e renascentista, as artes plásticas não se aprendiam nas universidades, mas sim em oficinas de mestres do oficio. Eram artes menores, manuais.

– Agora já não é o irmão Albert, mas um companheiro… Franz Knigstein. – chasqueava Barbosa de um dos sites por onde estava a navegar. – «Um companheiro seu, também muito pobre, o ajudou. Os dois iam à igreja, participavam da Ceia do Senhor, e o companheiro de Durer cultivava uma equilibrada vida de oração.» Este site puxa para a Igreja. Pudera! Faculdade teológica… «Um dia, Albrecht encontrou Franz de joelhos, com as suas mãos postas em atitude de oração, ásperas, no entanto, oferecidas a Deus em amoroso sacrifício, orando para que ele, Albrecht, tivesse pleno êxito na carreira de pintor.» – Ah, ah, ah! – «Prontamente, Durer desenhou o momento e produziu um símbolo do significado da oração. Desde então, a oração intercessora, simbolizada por aquela atitude faz-nos lembrar que a oração e a amizade correm juntas. A pessoa a Quem oramos teve Suas mãos atravessadas pelos cravos em nosso favor.»

– Para com isso, Barbosa!

– «Mãos tortas e calejadas, de pele ressecada, mas apontando para o céu, em atitude de súplica.» – descobria Barbosa.

– Para com essas baboseiras! «Durer elaborava infindáveis estudos de mãos, cabeças, objetos domésticos, plantas e animais: “O mínimo detalhe deve ser realizado o mais habilmente possível”, dizia, “nem as menores rugas e pregas devem ser omitidas.”»

– Só mais este – deliciava-se Barbosa. – «Eles trabalhavam juntos numa oficina de escultura em madeira; um deles fez as malas, se despediu e foi para Viena/Áustria; o outro começou a trabalhar numa ferraria. Não demorou muito, as mãos finas e sensíveis se tornaram grossas e cheias de calos.»

– Gaita, que esse pessoal não se limita a copiar. Quantas versões já encontraste?

– Sei lá! «E cuidou do amigo, que não precisou mais trabalhar na ferraria.

Esta é uma história de quatro mãos, de dois amigos que oravam um pelo outro, e de um artista reconhecido graças a uma forte amizade. “Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente. Ame os outros como você ama a você mesmo.”» – Colégio evangélico.

– Há gente que não se importa de inventar e deturpar tudo para puxar a brasa à sua sardinha. Sacanas de falsários! Neste caso, fanáticos com as melhores intenções catequéticas.

– «1490». «Os dois amigos viviam na mesma pensão». «Não, eu sou mais velho e já tenho emprego no restaurante.», dizia o amigo. Já viste estes, Magalhães?: restaurante! – gozava Barbosa, virando o nariz avantajado para o colega da secção de Furto de obras de Arte, da Judiciária.

– Diz aqui que as mãos foram desenhadas em 1508, como desenho preparatório da figura de um apóstolo para um altar.

– «Suas mãos rígidas, endurecidas, articulações grossas e dedos torcidos pela labuta diária durante tanto tempo, impediam o suave manejo dos pincéis.» – continuava Barbosa, imparável. – Mas olha, este site tem comentários. Ouve o que diz quem comenta estas balelas: «A beleza das mãos calejadas de Durer toca-me profundamente a alma. São mãos que trabalharam por amor e com abnegação por toda uma vida. São mãos que carregaram peso, tocaram muitas vezes a água...» Água?; onde é que esta viu a água!? Outra: «Essas são, sem dúvida, “mãos de sol”, mãos iluminadas de uma pessoa idem, que teve a humildade de se sacrificar em prol do irmão.»

– Será que ninguém repara que não são mãos de trabalho? – irritava-se Magalhães, fazendo tremer as bochechas arredondadas. – São escuras porque têm as sombras todas marcadas e são rugosas como as mãos de qualquer pessoa, se forem desenhadas meticulosamente.

– Só encontrei um a falar em «dedos emagrecidos». Ah! Finalmente o comentário de alguém que agarra a tarefa de desmistificar a trapaça: «Gostaria de informar que li diversas biografias do pintor renascentista alemão Albrecht Durer, escritas por estudiosos como Moriz Thausing, Erwin Panofsky, Ernst Rebel, Matthias Mende, entre outros, e em nenhum deles encontrei qualquer menção aos fatos citados.» Temos uma justiceira, Magalhães – alegrou-se Barbosa, batendo palmas. – É uma tal Constanze de Curitiba. Grande mulher! Ou será homem? «O pai de Albrecht Durer, assim como seu avô, era ourives de profissão, uma das profissões mais reconhecidas na Idade Média. Húngaro de nascimento, mudou-se para a cidade de Nuremberg, onde mais tarde casaria com Barbara, com quem teve 18 filhos. Desses, apenas 3 sobreviveram, o próprio Albrecht Durer (1471-1528), Endres (1484-1555) e Hans (1490- ?), este também artista. Quando Albrecht Durer tinha 4 anos de idade, seu pai, já um renomado ourives, comprou sua casa própria em Nuremberg, onde o artista cresceu e viveu durante 30 anos. Como fonte destas informações os autores citam uma “Crônica Familiar”, espécie de diário que Albrecht Durer manteve durante sua vida. O quadro citado, “Mãos que Oram” – “Betende Hände” – foi desenhado a pincel em 1508, sobre papel azul, e trata de um esboço/estudo de mãos para uma figura de apóstolo para o painel central de um altar encomendado por Jakob Heller para a igreja dominicana em Frankfurt. O painel foi destruído num incêndio por volta de 1729, mas cerca de 20 esboços preliminares ficaram preservados, dentre eles, este citado tornou-se um dos quadros mais famosos de Albrecht Durer. Trata-se, certamente, de uma brincadeira que circula livremente pela Internet, sem o cuidado de verificar sua autenticidade.»

– É isso mesmo! – entusiasmou-se Magalhães. – Pesquisei «altar Heller», e olha o que descobri. Chega aqui!

Barbosa aproximou-se da mesa de trabalho do amigo e ambos observaram, reconfortados, a imagem de um grande retábulo em cujo painel central estava pintado um conjunto de apóstolos assistindo à ascensão da Virgem, um dos quais tinha as mãos postas tal qual as do esboço que os tinha intrigado na última hora e meia.

– Datado de 1508. Nesta altura tinha Durer… 37 anos – calculava Magalhães.

– Mas, o altar não tinha ardido?

– Diz aqui que é uma cópia feita por um outro pintor, em 1614.

– Sabes o que eu senti? Um grande repúdio pela tacanhez desta gente para quem umas mãos, só por estarem pintadas em escuro, têm de estar encardidas de carvão, e por estarem minuciosamente desenhadas, com todos os volumes, todas as rugas, têm de estar calejadas e deformadas. E uma grande indignação por utilizarem a mentira e a falsificação para atingirem o coração crédulo das pessoas. Por outro lado, fiquei muito agradado que tivesse havido alguém a dar-se ao trabalho de esclarecer estes ataques à verdade histórica. Se calhar, devia haver uma entidade, uma organização não-governamental, engajada com a divulgação do conhecimento, que tomasse por missão desmascarar esta gente que espalha a aldrabice pela Internet, como quem espalha o vírus duma doença epidémica.

– Vamos à biblioteca, que quero tirar isto bem a limpo.

Pouco depois, confirmavam quase tudo o que «a justiceira» dissera. E ficaram a saber, também, que o desenho das mãos postas está no museu Galeria Albertina, em Viena.

– Mais um caso resolvido – gracejou Magalhães. – Vamos lanchar?

Antes que o parceiro pudesse responder, tocou o telefone. Era o inspetor-chefe a distribuir serviço: «Roubaram mais um painel de azulejos do século XVII, num palacete do Lumiar. Passem aqui a buscar a documentação».









sábado, 24 de novembro de 2012

NANOCONTOS DE EDWEINE LOUREIRO

Olá, amigos. Convido-os, nesta edição, a conhecer alguns de meus nanocontos (textos produzidos com até dez palavras, excluído o título). Espero que se divirtam!

Saudações Literárias.

Edweine Loureiro
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CHAT

Chateou. E chateou-se.

*

VINDE A MIM OS PEQUENINOS

Mal sabia Jesus que era hora do recreio...

*

O ESTRONDO

Perdido na escuridão, escutou um tiro. E nada mais.

*

O ASTRO LITERÁRIO

Fez pacto com o Diabo: e vendeu-se para vender.
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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Como é lindo o sorriso de uma criança


Você já percebeu como é lindo o sorriso de uma criança? Penso que quando uma criança sorri é porque, na sua ingenuidade, ela consegue ver a alma da pessoa, do objeto. Quando uma criança sorri para um adulto. O sorriso é uma dádiva; é como se fosse uma maneira do mundo dizer ao adulto que lhe perdoou todas as faltas.
O tempo deixa marcas irreparáveis, mas nos olhos daquela criança eu vi o perdão pelos meus erros. Sei que no fim da minha vida, condenado a morte, por uma doença incurável, não posso recomeçar, mas pelo menos tenho o consolo de que alguém nesse mundo me perdoou.
No que diz respeito às realizações, meus objetivos nunca tive o que reclamar. Lembro me como se fosse hoje, quando decidi o rumo de minha vida. Talvez, essa seja a única coisa que ainda hoje orgulhe me: a persistência e a determinação de ter dominado a minha vida por completo, mas sempre há um preço.
Nasci em um vilarejo pobre, conheci desde pequeno as consequências de ser pobre. O poder avassalador daqueles que oprimem. Da minha família. Sei que enquanto a tinha, era uma existência feliz. Mas quando aos 18, perdi meus pais em um acidente de carro. Foi difícil. Não refiro me ao lado prático: ambos sustentavam me e sempre tive comida no prato. Meu irmão foi morar com minha tia. Quanto a mim, resolvi buscar minha vida, minha independência. 
Entrei para a faculdade e conhecia pessoas que aprendia a apreciá-las, mas o meu tempo não era para elas precisavam ganhar o mundo. Foi quando conheci Virgínia  uma menina que fez com que o tempo parasse para mim e quase arruinou minha vida. Amei ela, da maneira como os poetas descrevem o seu amor em seus escritos. Hoje vejo que foi o tempo mais feliz da minha vida, conheci pessoas que por longos anos lhes fui legal, graça a amizade mútua que tínhamos. Nos aniversários sempre comemorávamos juntos. As vezes brigávamos, mas as brigas eram necessárias para que construíssemos o nosso caráter. Foram anos difíceis, mas que com a ajuda deles tudo parecia fácil. Naquele tempo tínhamos sonhos, queríamos mudar o mundo. Transformá-lo em lugar mais justo, pensávamos em nossos filhos. Foram sonhos que são comuns naquela idade. Tudo era possível, e desde sempre descobri que para mim era. Fazer grandes coisas parecia o meu destino, mas não sabia se essas coisas grandiosas serviriam para o bem ou para o mal.
Na metade do curso, fui estagiar e conheci um homem que me ensinou a viver em um mundo onde a maioria das pessoas acha que tudo era impossível. Comecei a conhecer mais as leis, e quando podia burlava ao meu favor. Aprendi a conhecer pessoas influentes e conversar sobre o que elas queriam, sobre o que elas gostavam. Isso me valeu o emprego e muitas promoções. Ao final do curso, além do trabalho que me rendia um salário considerável e o respeito na empresa, era dono da minha primeira empresa imobiliária. Não tinha imóveis, mas percebi que as pessoas que os tinham não sabiam negociar, fui ganhar dinheiro para elas e assim também ganhava um reforço em minha renda. Nesse tempo quase não via Virgínia  e ao cabo de dois anos após a formatura, quando tinha três imóveis em meu nome e aberto duas filiais de minha imobiliária terminamos. O consolo foi manter alguns amigos, e dedicar-me aos negócios. Sempre quis ter poder, e no ramo imobiliário tinha alcançado isso. Em um acordo com o meu chefe, sai do emprego fixo e com o dinheiro e com alguns telefonemas abri duas filiais e outros estados. Já não ia à todas as festas de aniversário, mas nas cidades onde eu tinha os meus negócios era sempre convidado por políticos e empresários de nome. Foi quando me aconteceram duas coisas que determinaram minha vida: despejei uma familia e comecei no ramo de construções com outros sócios.
NO ramo de construção, além de bajulador comecei a ser bajulado. Políticos me procuram, partidos queriam que eu os representassem, as festas mais importantes do pais eu era convidado. Aceitava o convite, após uma análise das pessoas que iam, e é claro do anfitrião. Agora eu falava apenas com três dos amigos da faculdade, meu irmão me procurava, mas raramente eu podia falar com ele. Agora, tinha responsabilidades mais sérias e o tempo me faltava. Após um ano de nossa conversa descobri que ele tinha morrido, estava com uma doença e precisava de tratamento médico adequado, como não tinha dinheiro e não conseguia falar comigo ficou dependendo da política. Nessa época, dei um jeito de me livrar dos meus sócios e fique quase com o monopólio das construções no país. Meus investimentos, além do ramo de imóveis estavam em aplicações da Nasdaq e da bolsa de Nova Iorki. Era conhecido mundialmente como um homem influente graças as empreitadas positivas. Comecei a trabalhar de consultor para alguns investidores exteriores e com uma certa frequência o presidente me pedia ajuda. Nessa ocasião resolvi entrar para a política. Graças a uma campanha de marketing muito bem paga, fui eleito deputado estadual, deputado federal e em muito pouco tempo estava no senado. Com esses anos na política outro caminho me abriu: terceirizar alguns serviços do governo. Agora com contatos e conhecendo as pessoas certas, isso foi fácil em pouco tempo era o maior fornecedor de serviços para o governo. Enfim, tudo o que eu tinha planejado para minha vida eu tinha alcançado. Mas não falava mais com o pessoal da faculdade, a Virgínia desaparecera completamente.
E quando eu pensei em me casar, descobri que estava com essa doença. Como sempre fiz em minha vida, tracei um plano para me curar. Consultei vários médicos, os melhores do pais. E me afastei da política por problemas de saúde, os negócios iam bem e isso não me causaria problemas. Nesse país, como em outros, uma vez que você entra para o grupo que governa, você não sai mais, e como o grupo não muda… Não tinha com o que me preocupar. Fui para o exterior, nossos médicos não possuem os aparelhos necessários. Comecei a pensar na vida.
Tive dois infartos seguidos, o que agravou a minha situação e me lembrei do meu irmão. Fiz o meu testamento e o que pude deixar deixei para o meu sobrinho, era o mínimo que eu podia fazer, por não ter ajudado o pai dele. O que eu queria ter na minha vida eu tive, mas não fui quem eu queria ser . Voltei a pensar em Virgínia e me arrependi de termos terminado, arrependi de ter abandonado as pessoas de que eu gostava. Lembrei de meus pais e das coisas que eu poderia ter feito para ajudar os outros. Tive medo de morrer. Queria ter frequentado mais a Igreja, ter sido católico ou qualquer outro devoto, queria que minha influência servisse para conversar com Deus. Pela primeira vez em minha vida, senti um vazio imenso e chorei. No dia seguinte, recebi a noticia de que morrerei em poucos meses e não há dinheiro, influência ou poder que negocie esse prazo. Sempre cumpri os prazos com os meus clientes, mas dessa vez eu queria que o prazo atrasasse. Tinha vergonha do que eu era.
Talvez tenha sido o sorriso da criança que tenha feito com que eu resolvesse escrever ao mundo o que se passou comigo. Escrevo em poucas linhas porque pela primeira vez na vida, eu realmente não tenho tempo, não é apenas uma desculpa para não falar com meu irmão, ou para não ligar para os amigos, para Virgínia.  Dessa vez há uma empresa muito mais poderosa que a minha, mais responsável pelos seus prazos, mais capacitada em destruir vidas, a morte. Irei morrer mas ficarei com a imagem daquele sorriso, daquela criança com o seu pai e com a sua mãe; com a criança que viu em minha alma o arrependimento de não ser o que eu gostaria de ter sido, só porque tive tudo o que quis.





quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Menino e a Atiradeira


Era um bom menino, avesso às pequenas malvadezas tão comuns no universo infantil, mas queria ter uma atiradeira. Nunca pensou em matar passarinhos, judiar dos gatos, bater nos meninos menores, mas queria ter uma atiradeira, símbolo de status entre a gurizada do bairro, um rito de passagem, porta de entrada para o mundo dos garotos maiores. E ele desejava ser da turma dos maiores.
Diziam ser ele inteligente e observador, qualidades que amenizavam sua timidez, quase um bicho do mato. E sendo tímido, não se encorajara em pedir a outro menino para lhe fazer um estilingue. Inteligente e observador, estudou por semanas a construção daqueles meio-brinquedos, quase armas, a enfeitar as mãos dos moleques descalços quando invadiam o sítio fronteiriço à comunidade para caçar pardais e rolinhas.
Adquirindo segurança em seus planos, pôs mãos à obra. Cuidando de ocultar no esconderijo do seu quarto o projeto que certamente a mãe abominaria, o menino serrou a forquilha colhida de uma goiabeira até conquistar a forma do ipsílon característico do bodoque. Arrancou a casca com auxílio do seu canivete, presente do pai que há meses fora embora de casa, e o quarto inundou-se pelo cheiro da clorofila liberada pela operação. Lixou o artefato e uniu as pontas menores do vértice às tiras de câmara de pneu previamente cortadas, atando as extremidades livres a uma peça de couro retangular que alojaria a pedra a ser arremessada.
Trabalhou o menino com extrema habilidade na criação de sua atiradeira. Ele mesmo surpreendera-se com o talento manual hibernado dentro de si. Agitado pela novidade, experimentou uma, duas vezes o estilingue, esticando e soltando inúmeras vezes as alças elásticas, lançando ao longe obuses imaginários. Escondeu o brinquedo debaixo da cama e custou a ser visitado pelo sono naquela noite, fruto da ansiedade para usar de seu bodoque no dia seguinte.
Mal os galos cantaram, o menino já estava de pé. Era período de férias e ele podia assim gastar toda a manhã provando de seu novo brinquedo.
Sozinho, no campinho de futebol próximo a sua casa, treinou a pontaria em latas de leite enferrujadas, dispostas lado a lado, próximo a uns dos gols. Fazia com cuidado a mira, esticando as tiras, enquanto olhava concentrado dentro do vértice. Soltava a pedra com suavidade, sem mover o braço. Foi quando o menino viu um camaleão sair de seu esconderijo e subir em um pequeno corte do terreno atrás do gol. O bicho parecia se aquecer, ganhando vida ao banhar-se com os primeiros raios solares do dia.
Lentamente, para não afugentar o réptil, o menino abaixou-se e pegou uma pedra. Novamente de pé, apontou o estilingue em direção ao pequeno animal. O mundo pareceu estancar naquele momento, só existindo o caçador e sua presa, tal a concentração na qual o menino depositou o tiro que atingiu de modo preciso a cabeça do camaleão, arremessando-o por força do impacto para uma moita atrás do corte.
Tonificado pela adrenalina da ocasião, o menino ansioso vasculhou a moita e encontrou o camaleão agonizante. A pedrada esfacelara parte do crânio, carnes estavam expostas, um olho havia sido arrancado. A respiração do bicho se fazia ofegante, e o réptil movia apenas uma das patas traseiras.
A visão do animal às portas da morte o chocou. O remorso então lhe inundou alma, afogando a sanha assassina que minutos antes o fizera predador. De súbito, tomou asco pela atiradeira que tanto desejara e jogou-a no meio do mato. Pela primeira vez ele matara, e viu que fora ruim. Voltou para casa corroído pela culpa. Lágrimas umedeciam sua face. A mãe, assustada, perguntou o que ocorrera. Preferiu o silêncio. Trancou-se no quarto durante o resto do dia, pensamentos dominados pela imagem do camaleão atingido.
Quando o cansaço venceu e o sono o tomou, o menino foi perturbado durante toda a noite por sonhos maus, protagonizados pelo camaleão ferido.
Os galos novamente cantaram, anunciando a nova alvorada e o menino, nem bem despertara, correu para o local onde jazia o réptil. Nada encontrou. Vasculhou em torno e nem sinal do bicho. "Quem sabe ele sobreviveu"? - pensou o menino. Um rasgo de esperança assaltou seu coração e um sorriso brotou novamente em sua face cuja tristeza havia se esculpido por quase 24 horas.  Aquele sorriso juvenil transformou-se em uma risada gostosa, aplacando o remorso pelo mau ato de véspera, atestando em seu íntimo que, apesar do acontecido, ele ainda era um bom menino.
O menino nunca soube que um grupo de garotos maiores, daqueles que ele admirava, havia se reunido ali para jogarem bola enquanto ele estivera trancado em casa, remoendo-se em culpa. Divertiram-se atirando o corpo do cameleão em um riacho próximo ao campinho para ver os peixes devorá-lo. Quanto à atiradeira, também encontrada, serviu de motivo para contenda entre eles. O maior dos meninos, e mais forte, vencera a batalha, e era agora dono de um estilingue de fazer inveja. Deus escreve certo por linhas tortas.





terça-feira, 20 de novembro de 2012

O BRANCO QUE ME ASSALTA

Uma mulher de 40 anos se casa com um viúvo bem sucedido, pai de um filho pré-adolescente, ainda inconformado com a perda da mãe. No processo penoso e diplomático de conquista da confiança e do possível amor do enteado, acontece o inusitado, o inexplicável, o incontrolável: a mulher é surpreendida por uma ensandecida atração carnal pelo menino, que por sua vez, com a sexualidade em riste, alimenta o tesão recíproco. Parece um caso escabroso de pedofilia e perversão, daqueles em que a gente esbarra nos noticiários, e que quase sempre acabam em escândalo, quando não em tragédias acachapantes. Mas tudo isso é fruto da imaginação de Mario Vargas Llosa, expresso com requintes de poesia e erotismo no romance “Elogio da Madrasta.”Por que isso agora? Porque não consigo pensar em outra coisa senão em histórias extraordinárias de amor e sexo – meu fetiche literário preferido -, conseqüência angustiante do início do meu processo criativo. É sempre assim. Começar a escrever uma história é de dar frio na barriga e palpitações de tamborim. Enrolo o máximo que posso, chacoalho o mouse, passo um paninho na ameaçadora tela em branco, sopro farelinhos entre as teclas, troco a fonte das letras, bato pernas pelo Google, opero manobras ridículas para dar tempo ao tempo, até que uma idéia, uma mísera inspiração que seja, se aproxime e se enrosque em mim. Enquanto ela não vem, caio na armadilha das lembranças de tantas histórias entulhadas
no sótão do inconsciente. Elas surgem esfregando na minha cara a inveja de seus férteis criadores, na inocente e descabida pretensão de que eu poderia - ou gostaria - de ter sido um deles. Na sequencia da madrasta tarada, aparece um Nelson Rodrigues decantando a desventura de um homem que,
ao sair do trabalho, passava na casa da amante, onde se locupletava na cama e na lauta mesa posta. Desconfiada, a mulher oficial resolve em silenciosa vingança preparar supremas iguarias para o jantar tardio. Covarde, o sujeito jantava duas vezes. Uma rabada antes e um bobó depois, macarronadas
e seguidas bacalhoadas, estrogonofes e imediatos vatapás. Tudo cabia no estômago enfastiado do infeliz, vítima de uma duplicidade amorosa da qual não conseguia se desvencilhar. Não digo o final. Procurem “O homem que jantava duas vezes”, conto da série  “A vida como ela é”, obra tão contundente e humana quanto, por exemplo, uma história ácida de Rubem Fonseca, que me persegue em momentos de lacuna criativa. Trata-se de um jovem casal recém casado, que parte em lua de mel para um acampamento nas margens de um rio no Colorado. Mesmo tendo experimentado as delicias do sexo bem sintonizado desde o primeiro beijo, a lua de mel é um desastre. O rapaz perde totalmente o desejo pela mulher, uma patricinha afetada, passa a agredi-la com o desprezo sexual e se instala o tormento. A cada dia que passa, não se reconhecem mais. O casamento mal começou e já vive a iminência de um desastre até que o rapaz espreita a mulher saindo do sanitário rústico do acampamento com um rolo de papel higiênico na mão. Sem que ela perceba, vai até lá e confere in loco: uma formação cilíndrica castanha, semi-submersa, portentosa, repugnante. E a partir da simbologia do extremo da intimidade, o desejo reacende. Transam a transa das transas sem parar, como humanos e animais que são. Forte, esse Rubem Fonseca, não? Mas não mais que Sófocles que escreve sobre um sujeito que mata o pai e tem relações sexuais com a mãe, sem saber o quanto essa história daria pano para manga e fartura para psicanalistas. Na esteira do mote, vem um filme com Marcello Mastroianni, que faz o papel de um cinquentão que 20 anos depois volta a uma vila para reviver um amor da sua adolescência. Claro que não encontra a mulher, mas para não perder a viagem, tem um caso com uma ninfetíssima Natasha Kinsky. E no auge dos orgasmos múltiplos,
desconfia que ela é sua filha, fruto daquela tal paixão deixada para trás. Doideira. Quer outra? Maria Eduarda e Carlos Eduardo se apaixonam. Vivem um amor intenso até que descobrem que são irmãos, numa trama genial de Eça de Queirós. Agora quem me aparece é Machado de Assis, com sua indecifrável dúvida sobre a fidelidade de Capitu e, logo depois, Jorge Amado me cutuca com a história de uma mulher mais feia que o diabo com dor de dente, que atraía os homens mais bonitos da cidade, fenômeno justificado pelo fato de a mulher possuir uma “vagina chupeta”, “em cujas profundezas havia um anjo a chupitar”. Vale esclarecer que a primeira palavra da sutil descrição do autor não é vagina, mas aquela mesma, de rima rica com chupeta e de despudorada sonoridade.
Coisas de Jorge Amado, o mesmo que presenteou o mundo com o caso da cozinheira que prevaricava com o fantasma do primeiro marido. E por aí vai meu pensamento, bloqueado pelos amantes de Verona, pela tara vespertina da Belle de Jour, pela comovente Madame Butterfly,
pelo persistente amor dos tempos do cólera, pela impossibilidade da paixão de um gorila por uma loura, pela felicidade engolida numa neblina de Casablanca. Enredos e fábulas extraordinárias me atropelam como um trem desembestado, mas ideia nova que é bom, nada. Chego ao momento de entregar os pontos. Confesso que deu branco. Meu processo criativo não passou da primeira fase - fracassei ao primeiro beijo - e me curvo diante da torrente de tantas histórias já escritas e bem escritas. Peço desculpas a quem me lê pela falta de imaginação, e aos citados, pela usurpação. O que me consola é que, se a inspiração me derrubou, pelo menos, acho que sugeri algumas histórias formidáveis, que podem ser visitadas ou revisitadas em livros, Blue Rays, DVDs, internet, tanto faz. O importante é que, assim como o amor e o sexo, as boas idéias - ousadas e poderosas - sempre engrandecem a nossa alma.





segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O que é um bom livro?

O que é um bom livro? Hoje, em dois momentos distintos, deparei com essa questão: primeiro, durante a aula em um curso de idiomas, li um extrato de um texto de pensadores franceses sobre o assunto, e precisei escrever sobre ele; pouco depois, participei de um bate-papo literário que, em princípio, seria sobre os desafios da publicação e acabou tomando o rumo da qualidade da literatura.
Do que li e ouvi, e também de reflexões que já fiz hoje e em outras ocasiões sobre o assunto, a primeira conclusão a que cheguei é de que qualquer avaliação sobre um livro ser "bom" ou "ruim" é, em princípio, subjetiva, pessoal. Por mais que tenhamos lido, por mais que tenhamos estudado a literatura, será que temos, realmente, a capacidade (ou o direito) de julgar uma obra?
Claro, podemos avaliar o nível de linguagem utilizada, a correção gramatical, a verossimilhança, a existência ou não de pontas soltas, talvez a adequação a determinado público. Podemos analisar ponto de vista, voz narrativa, originalidade (mas há mesmo uma história original?), capacidade do texto de manter a atenção do leitor. Isso, entretanto, não nos habilita a afirmar, como verdade plena, que tal obra é, sim, sem possibilidade de contestação, um bom livro - e, principalmente, não nos habilita a dizer que, não, ele não é um bom livro e não merece ser lido.
O assunto é controverso, e sei que muitos, do alto de seus supostos conhecimentos do mundo da literatura, julgam-se aptos a denegrir determinados livros ou autores como indignos da mais leve atenção do leitor. Mais precisamente, como disse um editor convidado do bate-papo a que me referi acima: "muitos pensam que só o que eles próprios escrevem é bom, e o que os outros escrevem, principalmente se esses outros estão vendendo bem, não é literatura".
Isso leva a outro ponto: que literatura queremos, enquanto leitores e enquanto escritores? Aquela que fica encastelada na academia, sendo louvada como inovadora, ou aquela que é realmente lida? Lemos por prazer, porque aquela leitura é algo interessante e que pode, eventualmente, nos trazer aprendizado junto com esse deleite estético, ou simplemente porque achamos que aquele livro "deve" ser lido, porque é um clássico ou muito bem recomendado? Escrevemos para quem? Para nós mesmos? Para os críticos? Ou para os leitores? Escrevemos para o dito leitor culto, ou para as massas? E, alguém me explique, que ainda não consegui entender: por que é tão mal visto querer escrever para as massas, para o leitor comum? Somos nós tão especiais, tão diferentes assim, que não nos identificamos com a "massa"?
Não costumo ler a maioria dos best-sellers que estão por aí, mas não é por achá-los "baixa literatura": é simplesmente porque seus enredos não me atraem. É, antes de tudo, uma questão de gosto. Nem por isso vou me achar no direito de criticar quem os lê. Aliás, quantas vezes tentamos ler um livro altamente recomendado, e não conseguimos ir adiante? Atire a primeira pedra quem nunca passou por essa situação...
A leitura, creio - e isso, como todo o resto, é apenas a minha opinião - tem vários níveis, mas isso não quer dizer que um é melhor do que o outro. E, às vezes, transitamos entre esses níveis, dependendo da fase pela qual estamos passando, ou simplesmente do humor do momento. O fato de eu ler Alexandre Dumas ou Stendhal ou não me impede de, amanhã, querer ler um romance de banca ou, se me der na telha, algum best-seller erótico do momento. Sou uma péssima leitora por causa disso? Não creio.
Enfim, acredito que cada leitor deve preocupar-se em buscar aquilo que mais se encaixa no seu perfil,, encontrando, em primeiro lugar, o prazer da leitura. Ler por obrigação só mata o interesse nos livros. E quanto aos escritores, ou aspirantes a, deveriam preocupar-se em burilar seu texto, em torná-lo interessante, atrativo. Para quem se está escrevendo deveria ser a primeira pergunta antes de colocar uma história no papel. Não é uma questão de nivelar por baixo: a questão é preocuparmo-nos mais com o nosso texto do que com o dos outros. Afinal, eu ao menos ainda não ganhei o Nobel de Literatura ou outro equivalente do gênero para me julgar capacitada para distribuir julgamentos por aí...





domingo, 18 de novembro de 2012

FANDANGO DA SAPATILHA


Crônica (quase um causo) de Campanha.
                                                                                                                    Otávio Martins 
 
 Era a grande chance para que a cidade tirasse o pé do barro. Precisaria, apenas, que todos somassem esforços para os preparativos de uma recepção em grande estilo para receber visita tão ilustre.

   Deixando de lado as velhas divergências, uniram-se - inclusive os políticos – com o propósito de atrair o senhor ministro e mostrar-lhe que a cidade poderia, sim, superar aquela situação caótica que atravessava. Para isso precisava, e com urgência, tão somente de verbas.

   Na reunião, que transcorria no salão nobre da prefeitura, compareceu gente de tudo que era canto da cidade. Seria preciso definir uma estratégia e, principalmente, que impressionasse o senhor ministro e sua ilustre comitiva.

    O prefeito já havia pedido a todos os cidadãos que se reunissem em suas comunidades e trouxessem propostas e, também, de que forma cada uma delas poderia colaborar.

   Praticamente, todos os setores da sociedade foram convocados.

   A sugestão que pareceu mais feliz foi trazida por Dona Zaida, mulher do coronel Gumercindo Alcântara Ferraz, patrão do CTG “Garra Farroupilha”. O coronel, como quase todos os outros fazendeiros da região, estava completamente quebrado.   Tinha tentado o arroz, mas as duas últimas safras foram pra arrebentar.   Ex-fazendeiro e ex-arrozeiro e, também, pode-se dizer, ex-coronel, pois a “patente” de coronel, a ele conferida, era justamente pela condição de forte fazendeiro.   Mas, o Coronel e a Dona Zaida, ainda gozavam de algum prestígio; foi o que restou dos bons tempos, antes da cidade ter embarcado numa aventura financeira, ocasião em que caiu no conto do dinheiro fácil, aplicado por tal de Gambôa. O ministro era a única salvação das lavouras, das fazendas e de toda a cidade.

   Com aprovação unânime, um grande fandango seria, sem dúvida, a maneira mais alegre e descontraída; também, a mais democrática, oportunidade onde todos poderiam participar independente do nível social, raça ou religião e serviria, ainda, para mostrar a força e a arte do seu povo. Passariam o pires com dignidade e muita alegria.

   Dona Zaida foi à luta.   Reuniu-se com outras senhoras da alta sociedade que, bem dizer, eram as mesmas que freqüentavam o “Garra”. Setembrino, o assador oficial do coronel Gumercindo Alcântara Ferraz, já estava escalado. Iria ser uma festa “com muito churrasco, cerveja, vinho e, principalmente, muita dança e cantoria”, prometia a anfitriã. Valeria à pena essas pequenas despesas que, certamente, seriam cobertas, ou repostas, por ocasião da liberação das tão esperadas verbas por parte do senhor ministro.

   Na reunião, que foi realizada no CTG, já pra ir pegando o clima, Dona Zaida assumia a liderança dos preparativos.   Algumas amigas, talvez por inveja, costumavam dizer que ela era um tanto prepotente.  Mas, era o jeito dela, assim mesmo. Não obstante, mandou o veneno: “Vou encomendar a roupa do Gugu, com o Carlos Orestes”. Foi o bastante para que os preparativos se transformassem numa pré Fest Fashion Campeira.

   Carlos Orestes era o estilista mais famoso da região da campanha.  Em resposta, Belinha, a mais nova do grupo, anunciou que o Rafa – seu namorado – viria pra arrasar. Isabel Cunha Lemos era diretora do Centro Municipal de Belas Artes e responsável pelas aulas de balé. A moda pegou.  As mulheres preparavam seus companheiros para a grande noite no CTG “Garra Farroupilha”, o mais bem frequentado da cidade.

   Assim, a cidade foi-se agitando na expectativa da visita do senhor ministro.   Os homens, principalmente os políticos, participavam de tensas reuniões, onde exibiam os seus planos, ou projetos, para demonstrar como pretendiam convencer o senhor ministro a liberar as tais verbas.  As mulheres, enquanto isso, organizavam, cuidadosamente, o que oferecer em troca de uma possível gentileza.  Tinham lá as suas disputas – picuinhas – mas, nessas circunstâncias, estariam unidas em torno da mesma causa. O lema, óbvio, “mulheres unidas, jamais serão vencidas”.

     A palavra de ordem era inovar.   Mostrar ao senhor ministro e sua comitiva - da qual fazia parte a sua esposa - ainda que preservando os traços de suas tradições, tinham as antenas voltadas para o futuro. Através da arte, poderiam demonstrar a sua capacidade em acompanhar as mudanças exigidas pelos novos tempos da globalização, tão difundidas através dos meios de comunicação de massa.
                              
    Dona Zaida “era assim” com o Wawá Maravilha, o Oswaldo Mendes de Carvalho, coreógrafo do mesmo Centro de Belas Artes, onde Isabel era diretora, e que também ensaiava alguns grupos de danças do CTG.  Soou como uma ordem.

   Imediatamente deu-se início aos ensaios.  Com os pés no seu tempo e a inquietude no futuro, Wawá passou a criar coreografias, onde misturava movimentos e passos de danças tradicionais gaúchas – como a “Dança do Pezinho” – ao que de mais novo era conhecido em matéria de dança popular levada nos grandes centros.

   Na “Dança do Garrafão”, agregava, no mínimo, dois novos elementos, os quais exigiam precisão e perfeito sincronismo.  O casal, de frente um para o outro, com as pernas entreveradas, desciam num frenético vai-e-vem, da cintura para baixo, até os fundilhos encostarem-se na boca de um garrafão de cinco litros de vinho (símbolo de exportação), e de vez em quando um acarinhava o tchan do outro, assim, na manha, com muita sensualidade.  O pessoal estava achando maravilhoso aquilo tudo, a não ser um ou outro comentário meio moralista do seu Justino, encarregado da copa: “Isso é uma poca vergonha”.  Mas, que também, já tinha se entupido de vinho.  Talvez por isso o pessoal não tivesse dado muita bola, aderindo com muito gosto e frenesi.

   Agora, a sugestão vinha por parte de dona Rosa da Conceição: já que era uma festa popular e, assim, tão descontraída, que os homens deixassem as suas botas fechadas e pesadas de lado e fosse obrigatório o uso de sapatilhas, já há um bom tempo incorporado – talvez pelo baixo preço - à indumentária do gaúcho.    Isabel adorou, batizando a festa com o nome de “Fandango da Sapatilha”.  Planejando brilhar na grande noite, propôs que, em homenagem à esposa do Ministro, fosse organizado um concurso, não só dos trajes dos cavalheiros, mas que, também, estes, individualmente, apresentassem uma coreografia - puxando a sardinha para a sua brasa.  Dessa forma, os homens passariam a ser a atração da festa.

   Prometia um belo duelo.  Gumercindo de Alcântara Ferraz, o Gugu, como o chamava, carinhosamente, dona Zaida, contaria com o figurino de Carlos Orestes e uma bem cuidada coreografia do Wawá Maravilha, arquiinimigo da sua diretora no Centro Municipal de Belas Artes, a Isabel. A diretora, que por sua vez responderia pelo figurino e a coreografia do seu namorado, o Rafael Pinto de Almeida, filho de outro fazendeiro quebrado da região, coronel Genésio e, endividado, como todos os outros, até aqui, com o Banco do Brasil. Rafael, a bem da verdade, era amarrado num uísque.
   A cerveja corria solta.   Setembrino andava as voltas com tanta carne; um calor infernal.   Os garrafões de vinho iam sendo esvaziados numa velocidade estonteante e usados na dança criada por Wavá, que, inegavelmente, fazia um grande sucesso. Vista assim de longe, um verdadeiro bacanal coreografado.  Seu Justino, na copa, já pra lá de Bagdá, emprestava os garrafões um pouco a contragosto, mas de vez em quando soltava uma piadinha, tipo, “cuidado, que o gargalo engana; o grosso, vem depois”.   O “cardápio” era com base no gosto do coronel Gumercindo.  Setembrino não perdia a mania de agradar o Coronel, desde os tempos de antão: carne bem gorda e não poderia faltar o salsichão de porco.  A maioria foi pra comer e beber, mesmo.  O churrasco andava meio raro, a carne, com o preço aos olhos da cara. A cerveja já a três e cinquenta em qualquer boteco da cidade.

   A comitiva ministerial já estava um tanto atrasada.   Aquela era a terceira cidade que visitaria naquele dia de ano eleitoral.   E isso aumentava ainda mais a expectativa dos participantes que, num estado tal de ansiedade, comiam e bebiam feitos uns condenados.  Quando o senhor ministro adentrou o “Garra Farroupilha”, já entrava a madrugada.

   Carlos Orestes explicava lá à sua maneira, pra dona Zaida, o resultado de sua criação para a roupa do seu Gugu. Maldosamente comentavam - à boca pequena - que ele estava mais pra odalisca do que para um verdadeiro gaúcho.  Talvez pela escolha do tecido meio transparente das bombachinhas - estilo baloné - e o colete arredondado nas pontas e na altura da gola; ficara, assim, uma espécie de bolerinho.   O problema nem era esse.  O coronel Gumercindo exagerou na carne de ovelha, muito pesada e, também, o vinho misturado com cerveja não lhe caía muito bem. E ainda faltava encarar o concurso de fantasia e a tal de coreografia.  Dona Zaida fez-lhe uma advertência ao pé do ouvido, tendo sido um pouco enérgica: "Se tu me caíres no meio do salão, eu te capo”.  Foi o que manteve o coronel Gumercindo em pé, no justo tempo de atravessar, cambaleante, numa velocidade forçosamente acelerada, de um lado ao outro do salão. “É na estrutura do ziguezague que o bêbado se garante”, comentou Januário, o espirituoso gaiteiro, depois de muitos copos de vinho e de tocar alguns vanerões sambados.

    O Coronel nem arriscou os dois corrupios no estilo piorra loca e o fechamento em arabesque, previstos na coreografia do Wawá, que estava possesso com o mau desempenho do seu pupilo. “Tudo por água abaixo!”, lamentava.   Isabel contava nisso uma vantagem.  Porém, não percebera que o Rafa já fazia mais de meia hora que não piscava; totalmente empedrado. “Drurys é fogo!”, tentava justificar o amigo que lhe dava uma força naqueles momentos que antecediam à sua apresentação.  Bons tempos do Johnnie Walker, Black label! E também, que era a estréia do Rafa nas sapatilhas de ponta.  Ainda assim, cumpriu os primeiros passos d’A Morte do Cisne, precipitando o “gran-finale” ao desabar nos braços de Isabel, que contava humilhar o seu principal concorrente, o mestre Wawá. Tudo acabou num melancólico zero a zero.

   A comitiva, assim como veio, partiu.  O prefeito jamais havia colocado uma gota de álcool na boca antes daquele fandango; além de pertencer à Igreja, tinha uma úlcera nervosa que o incomodava há anos.  Vinho tinto de garrafão, com muito calor, todo mundo sabe, provoca um efeito arrasador.  Diante do senhor ministro, não deu uma só palavra.





sábado, 17 de novembro de 2012

I
Eu sou o amor, dele.



II
Dele, que endereça palavras para mim. Dele, que, quando quer amor, sou a quem ele se dirige. Dele, que pensa em mim. Dele, que me ama. Retribuo com igual intensidade tudo o que ele faz. Não sinto vergonha em dizer dele, que é o meu homem; deito na cama dele e toda ela já é normal, como se fosse minha. Sorrio com o jeito atrapalhado, excessivo, dele. Sei pouca coisa de antes, só sei, dele, depois de mim.



III

Tenho a chave da casa dele e carrego-a com certeza. A chave, dele, fica junto das minhas chaves (ele sabe o que cada uma abre). Eu amo ele. Já amei outros mas amá-lo tem outro significado. Há vezes em que ele é confuso, outras, correto. Eu sei ouvi-lo, sei falar com ele. Ele escuta o que eu digo.



IV

Ele me ama. Ele beija meu rosto. Ele o cobre com beijos, dele; tenho de aguardar ele terminar. Ele demora. Ele gosta de tocar em mim. Ele demora tanto que eu durmo, não por tédio; por ele descansar minha cabeça. Durmo um sono pesado, de sonhar longe. Acordo com a presença dele, de seu corpo, descansado por ter tocado em mim. Descansada pelas mãos, dele, viro para ele, e amo.



V

Fazemos companhia um para o outro. Dele, eu tenho um adversário feroz, que não deixa eu ganhar. Só se eu ganhar com mérito, dele. Ele não gosta. Da mesma maneira que ele gosta de me vencer. Ele provoca sem parar e eu discuto as ideias, dele, e as minhas. Algumas vezes chegamos ao consenso; outras, peço com ênfase para que ele se cale. Seus argumentos seguem certa linha e é fácil reconhecer, as opiniões, dele.



VI

Quando quero conversar, ele escuta, pergunta as coisas para mim, ele dá palpites. Ele elogia meus cabelos, minhas roupas, ele quer sempre que eu esteja bonita, não só para ele, mas, para mim, mesmo.



VII

Nos esbarramos, nos trombamos, nos acotovelamos, nos abraçamos. Meu corpo bate com o corpo, dele. Por mais que ele toque em mim, dizendo que sabe do meu corpo, com afirmação, seu corpo, bem assim, está decorado por mim. No pé direito ele tem uma marca. Na mão direita, outra. Eu conheço-as, dele.



VIII

Ele gosta de sair, beber cerveja. Ele gosta de dançar, mesmo mal. Ele insiste para que eu dance com ele. Eu danço, dançamos razoavel-mente. Ele ouve música, ele sempre está ouvindo música, sempre alto. Tenho de abaixar o volume para conversar com ele. Ele tem livros, vários livros. Ele faz questão que eu os pegue emprestados. Dias depois ele começa a cobrar pelos livros. Quer saber se eu os li, o que eu achei, quando vou devolver. Sem eu pedir ou esperar, ele declama poemas, para mim.



IX

Ele também fica em silêncio. Às vezes ele acorda assim. Ele não fala muito durante o dia. Pergunto se ele está bem, o que aconteceu. Ele responde que só está quieto. Ele fica sem falar muito, ele não me abraça o tanto que abraça. Mas eu sei como proceder. Logo ele vem para ficar comigo. Basta apenas um toque, nele, e aos poucos, ele devolve, o que é, para nós.





sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sob os escombros




Foto: Google imagens
     Lembrança é vida soterrada. Escondida sob escombros fundos, onde a dor se acomoda em letargia e desistência por um tempo longo demais, curto demais.
Conveniência? Ou seria medo o que nos faz insistir no esquecimento? Sofrer é hábito descuidado. E a gente nem percebe há quanto tempo não sente alegria. Ou paixão. Ou vontade. Ou qualquer coisa que aqueça o coração. Segundos, anos... Quanto tempo se leva sendo triste? 
Tornar-se infeliz é bordado lento. É como poeira nas roupas, que se assenta em camadas finas, toldando o viço, deturpando os fios da trama. 
Ser triste leva uma vida. A vida que depois a gente esconde na memória. E pensa que esqueceu.

Um fim de tarde magnífico se debruçava sobre o mar de ondas soluçadas. Na areia, um pedaço de jornal que dançava sob a regência da brisa chamou a atenção de Salvatore, exumando memórias inesperadas e dolorosas. Apanhando a folha bailarina enroscada em seus pés, olhou em volta, procurando o passado.

Inês corria pela praia atrás do jornal que lhe fugira das mãos. Segurando o chapéu para que não voasse como as folhas, pareceu a Salvatore, num primeiro e divertido olhar, que tentava arrancar a própria cabeça.
–– Melhor voarem as notícias do que o cérebro! — caçoou ele.
–– Como? –– interpelou-o a moça, séria.
–– Deixe que eu pego o fujão –– disse ele, prosseguindo com a troça.
–– Agradeço, mas dou conta sozinha! –– respondeu a jovem, altiva.
Mas antes que um ou outro alcançasse o jornal, o papel fujão decidiu por vontade própria ir parar aos pés de Salvatore.  
–– Agora, não se pode negar: ele gosta de mim –– provocou-a, bem humorado.
Cedendo ao sorriso sedutor daquele homem charmoso, Inês aproximou-se dele, aderindo à brincadeira.
–– Ingrato! Eu o compro, eu lhe faço companhia e ele me abandona assim, pelo primeiro estranho!
–– Onde está o estranho? Vamos, diga-me onde está que eu o ponho daqui para correr! –— disse ele, fingindo procurar ao redor algum intruso.
Em seguida, estendeu a mão forte e apresentou-se a ela:
— Salvatore Rossetti.
–– Inês Santana –– respondeu ela.
As mãos de Maria Inês eram conchas quentes e macias, e o sorriso fez com que ele prestasse a atenção aos dentes benfeitos. Achou-a tão linda que, ainda no cumprimento, sentiu-se tomado por um abobamento incontrolável. Tentou recompor-se, mas era tarde demais. Inês tomou-lhe a vida naquele mesmo instante.
A diferença de idade entre os dois era de dez anos. O que não seria muito, não fosse a vida desregrada que Salvatore levara até conhecê-la, que o tinha transformado em um cínico, um mundano. Sentia-se velho. E tinha medo de magoá-la. No entanto, ali, à beira-mar, Inês se tornou um cais. E ele foi deixando, aos poucos, de ter medo. Do tédio que lhe tomaria os sentimentos quando cessasse o êxtase. De outras carnes que lhe atrairiam o desejo quando findasse nas dela o frescor da mocidade. Da irritação que sentiria, numa manhã de domingo, quando um “por favor”, um “me ajude” o desconcentrasse da escrita dos textos. Esqueceu-se apenas de ter medo de que ela deixasse de amá-lo quando ele voltasse a ser o homem que o habitava antes.
Inês, contudo, o surpreendeu. Cedeu e impôs-se a seus caprichos em igual medida. Agradou-o com carícias; respeitou-o com silêncios. Ela o fez feliz. Como ele nunca tinha sido. Como jamais seria. Mas ele se cansou de ser feliz. Enjoou-se das manhãs, das tardes e das noites perfeitas. Aborreceu-se com a repetição das horas. Desprezou o amor maduro que ela lhe oferecia. E só descobriu que era inverno quando viu a neve em seus próprios cabelos.
Quando partiu, não se voltou uma só vez para saber da tristeza de Inês. Não se despediu dos quadros que acenavam suas tintas enfraquecidas pelos anos, nem revidou ao relógio que marcava “É tarde!”.

Memória é vento que se encolhe com frio de si mesmo; tormenta que se guarda para um próximo açoite. É linha que costura na alma, em ponto miúdo, todos os choros, todas as belezas, toda a rebeldia. E repousa, e repousa, e então desperta. Esparrama-se em rajadas. Como um pulmão que expele. Para não sufocar.

A lua fazia desenhos na água. A brisa assediava Salvatore, despenteando-lhe os cabelos ainda fartos. Ele não queria ir embora. Não de novo. Tudo doía, mas ele gostava da dor. Não sentia remorso pelos anos de liberdade e de excessos, e enfrentava o aperto no peito sem sobressaltar-se. Mas a falta das memórias o atormentava. As memórias de Inês. E a certeza de que, sem elas, não haveria consolo a acompanhar-lhe a velhice.
Precisava vasculhar os escombros daquela casa em ruínas e ouvir o murmúrio dos destroços. Até encontrar as lembranças. Seguiria o sorriso de Inês, deixaria que o rastro da vida soterrada lhe indicasse o caminho. Não descansaria. Não permitiria que a solidão o encontrasse distraído, para que se apossasse do que lhe restava a respirar.
–– Salvatore –– escutou, então, a voz tranquila.
Fechou os olhos e entregou-se ao arrepio que o sacudiu por inteiro. Depois, sentiu que Inês o puxava pela mão e deixou que os seus pés a seguissem. Abriu os olhos para reencontrar os quadros em suas cores vívidas, e olhou para o relógio que marcava “Enfim!”.

A gente pensa que esqueceu. A gente acredita que acabou. Então, a vida se levanta das ruínas. Sussurra. Alcança-nos. E tudo está lá, intacto. Para nos levar além.