Quando o Google liberou para a Feira de Frankfurt, em 2006, uma listagem com os livros mais procurados pelos internautas, a reação das editoras não poderia ser pior.
O motivo era óbvio: na lista constavam obras como o “Corão”, um guia sobre flores tropicais, um manual sobre construção de robôs e vários outros livros que, nem de longe, estavam presentes entre os mais vendidos do New York Times (1).
Era atrás desta indecorosa listagem do Google que eu estava quando acabei caindo, acidentalmente, numa outra listagem, da enciclopédia virtual Wikipédia, que apresentava os livros mais vendidos da História (2). Quer dizer, não era apenas o que os internautas mais buscavam, mas sim os livros que mais haviam vendido em todos os tempos do mercado editorial!
Por dias me deparei, assombrado, diante desta catalogação de livros.
Os dois primeiros colocados, muito à frente dos demais livros, eram óbvios.
A Bíblia, segundo esta fonte, é o livro mais vendido de todos, entre 2,5 e 6 bilhões de cópias. Não é algo que surpreenda, ao levarmos em conta que existem bilhões de cristãos ao redor do mundo e que, numa única residência, há a possibilidade de haver uma ou mais Bíblias. Eu mesmo já tive uma meia dúzia.
Em segundo lugar está o “Livro Vermelho” de Mao Tse-Tung, numa faixa de 800 milhões a 6,5 bilhões de exemplares vendidos. Outra estatística que não surpreende — o que surpreende é a incerteza entre o maior e menor valor — se considerarmos que apenas na China vivem mais de um bilhão de pessoas e que este livro certamente é leitura obrigatória no país, além de que também se tornou uma das referências clássicas do comunismo, ao lado de Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Trotsky e Lênin, ou seja, um livro que deve ter passado pelas mãos de praticamente todo mundo que vive num país comunista ou se interessa pelo assunto.
No entanto, o restante da lista me intrigou, pois nela havia livros quase totalmente desconhecidos no Ocidente, como “A Tripla Representatividade” do chinês Jiang Zenin ou “O Sonho da Câmara Vermelha” de Cao Xueqin, entre outros bastante conhecidos como o “Corão”, “Senhor dos Anéis” de Tolkien, “Um Conto de duas Cidades” de Dickens, entre outras obras menos conhecidas, todos com vendas superiores a 100 milhões de exemplares.
E se prosseguirmos um pouco mais, para os livros entre 50 milhões e 100 milhões de exemplares vendidos, então ela se torna ainda mais confusa, com textos de Paulo Coelho, Salinger, Saint-Exupéry, Haggard, Dan Brown, entre outros autores que muitos de nós, brasileiros, jamais ouvimos falar.
Encontrar um princípio unificador, algo que nos permita determinar um elo entre tais livros e compreender o segredo destes sucessos absolutos parece nos escapar, transcender qualquer explicação. Pois qual é a semelhança entre Paulo Coelho e o Livro dos Mórmons? Ou de Tolkien e “Escotismo para rapazes” de Baden-Powell? Ou entre Dickens e Mao Tse-Tung?
Temos livros de ficção e não-ficção, obras religiosas e laicas, textos políticos e para crianças. Então nosso primeiro esforço é tentarmos perceber o que elas têm em comum.
Antes de tudo, existem dois grandes grupos: 1 – obras escritas originalmente em inglês (Dickens, Baden-Powell, Tolkien, Joseph Smith, Agatha Christie); 2 – obras escritas originalmente em chinês (Mao Tse-Tung, o dicionário Xinhua, Zemin, Xueqin).
As duas únicas exceções entre os 15 primeiros livros mais vendidos são a Bíblia e o Corão.
Imediatamente, vislumbramos o fio condutor para desvendarmos o segredo dos mais vendidos. No entanto, somente ao observarmos a listagem do décimo-sexto livro em diante que obtemos a certeza. Entre as posições 16 e 26, encontramos 8 obras em inglês (de Haggard, Salinger, Napoleon Hill, Dan Brown, dicionário Merriam-Webster, Dr. Benjamin Spock, Lucy Maud Montgomery e Anna Sewell) e apenas 3 em outros idiomas (de Antoine de Saint-Exupéry, Paulo Coelho e Johana Spyri, ou seja, francês, português e alemão).
A listagem prossegue e não é difícil constatar que o idioma predominante é o inglês.
A primeira conclusão que obtemos é que existe uma relação entre idioma e vendas. O inglês, pelo próprio papel que a Inglaterra desempenhou durante a Revolução Industrial e dada a importância política e cultural dos Estados Unidos, acabou por se tornar a língua mais influente do mundo. É a terceira língua mais falada no mundo, se nos ativermos aos falantes nativos, apenas atrás do chinês e do espanhol; mas se contabilizarmos todos os falantes de inglês ao redor do planeta, incluindo os que a têm como segunda língua ou como língua estrangeira, podemos facilmente atingir a marca de 1,5 bilhões de falantes, logo atrás do chinês, com 1,51 bilhões.
Portanto, esboçamos uma primeira explicação: o número de exemplares vendidos está relacionamento diretamente ao número de falantes de determinado idioma. E, mais do que isto, a relevância de um idioma globalmente é determinada pela importância política, cultura e/ou econômica do país no qual é falada.
A venda de livros depende da hegemonia linguística.
Isto explica porque as obras de Dickens e Mao Tse-Tung possuem margens de vendas tão assombrosas. No primeiro caso, supomos que Dickens seja leitura obrigatória em escolas e universidades ao redor mundo, dos EUA à Nova Zelândia, onde quer que haja um falante de inglês, e mais do que isto, através de suas inúmeras traduções. No segundo caso, temos uma profunda influência estatal, uma imposição feita pelo governo da República Popular da China. O livro de Mao Tse-Tung é quase um livro doutrinário, com os preceitos revolucionários duma nova China. Todo chinês pós-revolução tem o dever de lê-lo. Imponha uma obrigatoriedade de quase 50 anos sobre uma população imensa e podemos conceber porque “O Livro Vermelho” vendeu tanto.
No entanto, esta explicação não esclarece o porquê de a Bíblia, o Corão, o Livro dos Mórmons, “O Pequeno Príncipe”, “O Alquimista” ou “O Diário de Anne Frank” também pertencerem a esta lista.
Como dissemos anteriormente, a presença da Bíblia não surpreende, tampouco do Corão, se pensarmos que o islamismo é a religião que mais tem atraído novos seguidores nos últimos tempos. Mas não existem tantos mórmons no mundo (estima-se em torno de 13 milhões) para justificar os 130 milhões de exemplares vendidos do “Livro dos Mórmons”. Por outro lado, as semelhanças entre “O Pequeno Príncipe” e “O Alquimista” são gritantes, e Paulo Coelho é o primeiro a admitir que a obra de Saint-Exupéry foi uma de suas principais inspirações.
Mas todas estas obras também possuem uma mensagem comum, todas elas transmitem uma centelha de esperança a seus leitores. As obras religiosas possuem esta função, por sua própria natureza espiritual.
As religiões surgiram, originalmente, para tentar explicar os mistérios da existência e, mais do que tudo, dar um sentido e aplacar o medo da morte. As religiões proporcionam a esperança de que esta vida não será em vão e que haverá uma recompensa na vida após a morte.
As obras de Paulo Coelho e Saint-Exupéry também parecem se encaminhar nesta direção. O pequeno príncipe é um menino que cruza o Universo e vem para a terra em busca por respostas, o protagonista do “O Alquimista” é alguém que mergulha no deserto atrás de respostas para sua vida. Há um quê de religiosidade em ambas as obras, em forma de um contato com uma essência escondida e da procura por um sentido para nossa existência.
Encontramos, então, o segundo elemento subjacente a esta listagem: as pessoas procuram obras que lhes dão esperança, que lhes revelem que a vida possui algum sentido, que a morte e as dificuldades não prevalecerão no final.
É óbvio que seríamos muito simplórios em acreditar que se enquadrar numa destas duas classificações — obras escritas em línguas hegemônicas, ou que insuflam esperança — seria instantaneamente uma fórmula de sucesso literário. Isto não é verdade, pois algo como uma fórmula para vender bem inexiste.
Quase todas estas obras foram concebidas e publicadas num contexto que as permitiram ser acolhidas por seu público e possuem uma mensagem que transcende a própria época, mesmo que esta transcendência seja fundada em equívocos. Além disto, não podemos menosprezar o crucial papel da Indústria Cultural neste processo, que através duma intrincada engrenagem de publicidade, merchandising, distribuição e expansão para outras mídias conseguem tornar em sucesso absoluto livros como “O Código Da Vinci”, “O Nome da Rosa” ou “Harry Potter”.
Por detrás desta listagem de obras mais vendidas da História, encontramos toda uma trajetória de poder, dominação, religiosidade e busca por sentido. Muitas destas obras já fazem parte do inconsciente coletivo, outras são fenômenos absolutos de cultura de massa, mas todas elas atingiram um patamar de sucesso e aceitação que se auto-alimenta, num círculo virtuoso que faz as pessoas desejarem os mais vendidos pelo simples fato de serem mais vendidos.
Fontes:
(1) InfoOnline: http://info.abril.com.br/aberto/infonews/102006/05102006-8.shl
(2) Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_best-selling_books
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Listagem do Livros Mais-Vendidos - Wikipédia
1 bilhão de cópias (estimativa)
1 - Bíblia
Autoria: Visão tradicional judaico-cristã: revelação ou inspiração de Deus a vários autores
Língua original: Hebraico, grego koiné, aramaico
Publicação: 70 a.C – 105 a.C
Vendas: De 2.5 a 6 bilhões
2 - Citações do comandante Mao (O Livro Vermelho)
Autoria: Citações de Mao Tse-Tung. Coletadas pelo Diário do ESP, do Exército de Salvação Popular, e assinado por Lin Biao
Língua original: Chinês e 50 línguas
Publicação: 1964
Vendas: De 800 milhões a 6.5 bilhões
Entre 100 milhões e 1 bilhão de cópias (estimativa)
3 - Xinhua Zidian (Dicionário Xinhua)
Editor-chefe: Wei Jiangong
chinês
1957
400 milhões
4 - Poemas do comandante Mao
Mao Tse-Tung
chinês
1966
400 milhões
5 - Seleção de artigos de Mao Tse-Tung
Mao Tse-Tung
chinês
1966
252.5 milhões
6 - O Qu’ān (O Corão)
Visão tradicional islâmica: revelação de Alá através do anjo Gabriel a Maomé
Árabe clássico
Visão tradicional islâmica: ~610 - ~632
200 milhões
7 - Um Conto de Duas Cidades
Charles Dickens
Inglês
1859
200 milhões
8 - Escotismo para Rapazes
Robert Baden-Powell
Inglês
1908
150 milhões
9 - O Senhor dos Anéis
J. R. R. Tolkien
Inglês
1954–1955
150 milhões
10 - Livro de Mórmon
Visão tradicional de Santo-dos-Últimos-Dias: compilação pelo profeta Mórmon, relevada a Joseph Smith Jr.
Inglês
1830
130 milhões
11 - A Verdade que leva à vida eterna
Testemunha de Jeová (Sociedade Torre de Vigia de Nova York)
Inglês 1968
107 milhões
12 - Sobre a Tripla Representatividade
Jiang Zemin
Chinês
2001
100 milhões
13 - O Caso dos Dez Negrinhos
Agatha Christie
Inglês
1939
100 milhões
14 - O Hobbit
J. R. R. Tolkien
Inglês
1937
100 milhões
15 - O Sonho da Câmara Vermelha
Cao Xueqin
Chinês
Século XVIII
100 milhões
Entre 50 milhões e 100 milhões de cópias (estimativa)
16 - She
H. Rider Haggard
Inglês
1887
83 milhões
17 - Le Petit Prince (O Pequeno Príncipe)
Antoine de Saint-Exupéry
Francês
1943
80 milhões
18 - O Apanhador no Campo de Centeio
J. D. Salinger
Inglês
1951
65 milhões
19 - O Alquimista
Paulo Coelho
Português
1988
65 milhões
20 - Pense e enriqueça
Napoleon Hill
Inglês
1937
60 milhões
21 - O Código Da Vinci
Dan Brown
Inglês
2003
57 milhões
22 - Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary
Merriam-Webster
Inglês
1898
55 milhões
23 - Heidis Lehr- und Wanderjahre (Heidi)
Johanna Spyri
Alemão
1880
50 milhões
24 - Meu Filho Meu Tesouro
Dr. Benjamin Spock
Inglês
1946
50 milhões
25 - Anne de Frontões Verdes
Lucy Maud Montgomery
Inglês
1908
50 milhões
26 - Beleza Negra, memórias de um cavalo
Anna Sewell
Inglês
1877
50 milhões
Entre 30 milhões e 50 milhões de cópias (estimativa)
27 - Il Nome della Rosa (O Nome da Rosa)
Umberto Eco
Italiano
1980
50 milhões
28- Relatório Hite sobre sexualidade feminina
Shere Hite
Inglês
1976
48 milhões
29 - A Teia de Charlotte
E.B. White: ilustrada por Garth Williams
Inglês
1952
45 milhões
30 - The Tale of Peter Rabbit
Beatrix Potter
Inglês
1902
45 milhões
31 - Harry Potter e as Relíquias da Morte
J. K. Rowling
Inglês
2007
44 milhões
32 - Fernão Capelo Gaivota
Richard Bach
Inglês
1970
40 milhões
33 - Uma Carta para Garcia
Elbert Hubbard
Inglês
1899
40 milhões
34 - Roget’s Thesaurus
Peter Mark Roget
Inglês
1852
40 milhões
35 - Better Homes and Gardens New Cook Book
Vários autores
Inglês
1930
38 milhões
36 - Pode Curar a sua Vida
Louise Hay
Inglês
1984
35 milhões
37 - Het Achterhuis (O Diário de Anne Frank)
Anne Frank
Holandês
1947
30 milhões
38 - Em seus passos o que Jesus faria?
Charles M. Sheldon
Inglês
1896
30 milhões
39 - Oxford Advanced Learner’s Dictionary
A.S. Hornby
Inglês
1948
30 milhões
40 - O Sol é para Todos
Harper Lee
Inglês
1960
30 milhões
41 - Vale de Bonecas
Jacqueline Susann
Inglês
1966
30 milhões
42 - E o Vento Levou…
Margaret Mitchell
Inglês
1936
30 milhões
43 - Cien Años de Soledad (Cem Anos de Solidão)
Gabriel García Márquez
Espanhol
1967
30 milhões
44 - Uma Vida com Propósitos
Rick Warren
Inglês
2002
30 milhões
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Os livros mais vendidos: esperança e hegemonia
por Henry Bugalho
4 Comentários
4 comentários:
Excelente, Henry. A seção "Teoria e panorama literário" vai bombar esse mês.
puxa... interessante essa lista... nos primeiros postos, religião e ideologia (serão tão diferentes??)... literatura mesmo que bom, ou pelo menos literatura da que eu chamo "da boa", só no fim da lista... não sei o que vcs pensam, mas eu acho preocupante, em termos de futuro da humanidade, que paulo coelho tenha vendido mais do que garcia marquez...
Tem o Umberto Eco ali no meio... Mas acho que isto se deve mais ao filme, que puxou as vendas dos livros.
Na verdade, acho até interessante que o Garcia Marquez tenha aparecido na lista, pois "Cem Anos de Solidão" não é exatamento o tipo de livro acessível (pelo menos, não em termos intepretativos), tampouco apresenta uma mensagem positiva. Durante todo o romance, vemos a desintregação da família, da cidade, dos indivíduos.
Preocupante, é, mas em termos de mensagem, a presença de Garcia Marquez é quase uma anomalia... :D
Bom... em Saramago's "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", Deus é o Cão-chupando-manga. Sauron passa vergonha.
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