Marcia Szajnbok
O dia era cinzento e a menina estava emburrada. Chuvisco e vento frio eram sinônimos de não ir à praia. Os adultos, entretidos consigo mesmos, não davam atenção àquele amuo sentado junto à terraça, os olhinhos lacrimosos postos no mar, lá em baixo. A avó, sempre sutil em seus movimentos, chegou perto, de mansinho. Trazia na mão uma caneca com estranho conteúdo aquoso. Com duas páginas arrancadas de uma revista antiga, produziu em instantes dois canudos improvisados, um para si própria, o outro para a pequena. Passou o canudo pela caneca e assoprou, lançando no ar uma constelação de pequenas bolhas coloridas. A menina sorriu. A avó repetiu o gesto, a menina o fez também. Minutos depois, estavam as duas ali, rindo, suas almas voando, livres como as bolhas de sabão, que ganhavam o espaço indiferentes á garoa, ao frio e aos demais adultos cinzentos.
***
Muitos anos mais tarde...
Uma mulher está só, triste e cinza como o dia que atravessou décadas. A avó, em matéria, já não há. Mas vive - tão querida! - no coração de menina que, dentro do peito, a mulher carrega. Num desses momentos em que a vida parece que está prestes a se desfazer em pequenas partículas de nada, a memória lhe traz de presente a cena de infância. Sem medo do ridículo, pois quem está só não corre o risco dos julgamentos, providencia o aparelhinho de soprar água e sabão. Vista de longe, seria difícil dizer-lhe a idade. A menina grande lança ao ar as bolhas coloridas em plena avenida da cidade pardacenta. A solidão resta, mas a tristeza atenua na mesma medida em que, brilhantes, as pequenas esferas se espalham, sem rumo nem limite.
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