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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A Biblioteca de Livros Esquecidos

Cruzei o umbral e soltei um espirro.

O cheiro de mofo estava por todo lado, a poeira recobria cada centímetro, cada mesa, cada prateleira.

Há quantos anos? Há quantas décadas ninguém entrava ali?

O salão de leitura era ovalado, circunscrito pelas prateleiras e por seus incontáveis exemplares. Um feixe de luz atravessava a clarabóia, banhando apenas um segmento do salão. E foi para esta ala iluminada que me dirigi.

Corri os dedos por sobre as lombadas de couro dos livros e, aleatoriamente, retirei um deles da prateleira. Detive-me com ele em mãos, tomado por um receio sem propósito. Acariciei-o, cuidei seu formato e espessura. Abri o volume e li o título.

E mesmo que eu nunca o houvesse lido, todo seu enredo e estrutura surgiram em minha mente. A vintena de personagens que vivia em suas quinhentas e tantas páginas, a tentativa desesperada do autor em narrar cada instante, cada detalhe da vida daquelas criaturas.

Recoloquei-o em seu lugar e apanhei o livro adjacente. Também não o havia lido, mas teve sobre mim o mesmo efeito. Vislumbrei a trama, a vida dum homem predestinado, mas imerso num mundo que não o compreendia.

Apanhei uma terceira obra. Foi então que compreendi onde realmente estava.

Aquele era o acervo de todos os livros que já concebi; que tentei escrever; que me venceram; que comecei, mas não conclui; que rascunhei; para os quais elaborei projetos; para os quais imaginei personagens; que seriam obras revolucionárias da Literatura mundial e que, justamente por isto, estavam muito além da minha capacidade; porque eram idéias geniais, mas que no papel se revelaram pobres; que não me cativaram; para as quais eu ainda não estava preparado. Uma infinidade deles: milhares, centenas de milhares.

Num ato de fúria, arranquei-os de suas estantes, chutei-os, pisoteei-os, virei as mesas e as cadeiras do salão, gritei e me deliciei com os ecos da minha violência. Por fim, exaurido, deixei-me cair entre os livros abertos e páginas rasgadas e chorei, oprimido por minha inaptidão.

A cada escolha que fiz, várias outras tive de abandonar. Para cada livro que consegui pôr um ponto-final, que me consumiu meses ou anos, outros vários deixaram de ser escritos. E remoí o temor de ter feito as escolhas erradas, de haver gastado minhas energias num projeto fracassado, de ter trilhado os caminhos que levaram a lugares nenhuns.

Ateei fogo aos livros e incendiei o templo que os sepultava, porque o que não foi, jamais será.
Antes de dormir, sentei-me e escrevi este desabafo, que, se não substitui os livros que deixei de escrever, pelo menos os justifica, que os mantêm vivos como o nada que são.

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