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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O Mundo Bizarro de Chuck


O escritor norte-americano Chuck Palahniuk se tornou mundialmente conhecido após a adaptação para o cinema de seu romance "O Clube da Luta".
Os personagens de Palahniuk são, na maioria das vezes, renegados e vivem num submundo, bem longe da vista das pessoas comuns.
Este é o mesmo universo retratado na obra "Assombro" (Haunted), publicada em 2005.

Apesar de ser classificada como um romance, "Assombro" nada mais é do que uma coletânea de contos unida por um enredo comum: um grupo de esquisitões se reúne para um retiro literário. A proposta é que eles fiquem isolados pelo prazo de três meses, tempo no qual eles poderão, quem sabe, escrever suas obras-primas.
No entanto, o retiro se mostra ser uma armadilha doentia. Encerrados num teatro abandonado, à prova de fuga, estes escritores acabam se sabotando uns aos outros numa terrível luta pela sobrevivência e, mais do que isto, tendo em vista a fama para aqueles que restarem no final.
Neste intervalo de três meses, os personagens contam suas histórias uns aos outros, tal qual uma versão bizarra de Sherazade ou de "Decamerão".

O primeiro conto da obra, "Guts" (que poderia ser traduzido como vísceras, ou entranhas), é sem dúvida o motor do livro. Há toda uma mitologia em torno deste conto, que narra a história dum adolescente que gosta de se masturbar no fundo da piscina de casa, enquanto o dreno da piscina succiona seu cu. O conto foi escrito alguns anos antes do livro "Assombro", e se tornou famoso por causa das leituras públicas dele realizada por Chuck Palahniuk.
Muitos ouvintes desmaiavam durante a leitura do conto, por causa do forte conteúdo e do desfecho grotesco. Multidões se reuniam para ouvirem a leitura do conto, e mais e mais desmaios passaram a acontecer.
Realmente, "Guts" é um conto bastante impressionante e é uma grande abertura para o livro, mas, aos poucos, o impacto dos contos diminuem e vamos nos acostumando com vísceras, com bizarrices, com nojeiras, com comportamentos anômalos, com o submundo, a ponto de nos cansarmos da repetição, dum estilo que se torna tão previsível que não surpreende mais.

Enquanto Chuck Palahniuk acaba reproduzindo uma estrutura clássica - como dissemos, de Boccaccio ou dos naradores árabes -, ele peca por um detalhe crucial. Em "Decamerão" e em "Mil e uma noites", as histórias são narradas em terceira pessoa, ou são narradas por um único personagem, por isto, a homogeneidade estilística é aceitável, até esperada. Mas em "Assombro", cada conto é narrado por um personagem diferente, então, o estilo semelhante, se não idêntico, acaba atrapalhando e suscitando a pergunta: "por que pessoas tão diferentes escrevem, ou contam suas histórias, de maneiras tão parecidas?"

Faltou um esforço do autor em encontrar vozes individuais para seus personagens, em tentar contar as histórias deles do modo como eles contariam. Aparentemente, todo o empenho do autor foi em prol de reproduzir o efeito de "Guts", sem sucesso.

Por outro lado, "Assombro" é uma crítica brutal à sociedade norte-americana, puritana e consumista. Palahniuk encontra sua inspiração em histórias reais, mas que são escondidas para preservarem a estabilidade social. A busca do autor é pelo louco escondido no porão, pelo pai que molesta a filha, pelos medos que ninguém tem coragem de assumir.
Apesar do estilo por vezes cansativo, vale a pena ler um ou dois contos de Chuck, e rir e chorar com a nossa condição humana.

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