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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Koyaanisqatsi (autor convidado)

por Marcello Henrique

Esse foi um dos trabalhos mais legais da ECO (UFRJ) que eu fiz. Curti de verdade escrevê-lo. Tudo bem, eu fui obrigado, mas isso não significa que não tenha sido divertido. Por isso quero compartilha-lo.

É a representação escrita do filme Koyaanisqatsi, do diretor Godfrey Reggio (aliás, vale a pena assistir!)


Koyaanisqatsi

Muito, muito tempo atrás. A Natureza ainda é a única responsável por tudo que acontece no planeta azul. Em harmonia, fauna e flora compõem silenciosamente o cenário: nada vive, nada morre, nada se constrói, nada se destrói.A Terra, porém, parece saber o que a esperava num futuro ainda distante e se revolta. O Vento, célere, não hesita em carregar nuvens e o que mais vier furiosamente, anunciando os novos tempos. Lá embaixo, as ondas dançam a dança que só elas sabem, no oceano sem fim. A Terra está viva...Fumaça. E onde há fumaça, há fogo. Os homens marcham firmes passos a caminho do salvador progresso; ou da temida destruição, quem iria saber? É o começo do fim do reinado da Mãe Natureza.

De alquimia a tecnologia de ponta, a ciência evolui vertiginosamente. O fogo, o mesmo dominado por selvagens para cozinhar, agora jorra de explosões assassinas, certeiros, em direção a inocentes, tão humanos quanto eu ou você. A guerra torna-se uma realidade. Nasce a indústria bélica.

Longe dos campos de batalha, a cidade moderna surge esmagando a paisagem de outrora. A selva de pedras é palco para um frenético ritmo de vida. Sob os imponentes arranha-céus os mais bizarros cenários são casualmente esquecidos. Nos becos, a miséria, a fome e a tristeza de vidas sem esperança passam ao largo da rotina alienada. A Cidade – o ente, quase vivo – não tem tempo para dar atenção a isso. É necessário seguir em seu alucinado ciclo de construir, destruir, construir, destruir, construir e destruir.Mola mestra dessa engrenagem, o Homem esta agora por toda a parte. Multidões deslocam-se para todos os lugares e para lugar nenhum pelas ruas da metrópole. Não são pessoas. São ternos, capacetes, uniformes, compromissos e agendas, alucinados. O Bombeiro, o Policial, o Soldado, o Executivo. Não importam os nomes, não importam os sentimentos, esses, escondidos no brilho dos olhos por trás de tudo isso. Mas isso, meus caros, só é visível em câmera lenta. A cidade não tem tempo. Nunca tem.

À noite, as ruas ligam os trabalhadores, exaustos, de seus postos aos lares. Nos apartamentos, pontinhos de luz iluminam, felizes, a cidade, que descansa. Nos metrôs e trens, o fluxo é contínuo e automático. Na próxima cena, salsichas são empaladas em séria na linha de produção. Pago um prêmio para quem me disser a diferença!. A cidade é um copo d’água e seus habitantes, moléculas de H²O.

Do espaço, a Terra parece dormir. Assim como um micro chip, em que bits circulam a mil por hora, parece inerte aos nossos distantes olhares.

Chegamos mais perto, mais e mais perto, e o que encontramos? Rostos. A câmera olha dentro dos olhos do Sr. Sou-só-mais-um-na-multidão. O que eu vi? Vazio. Afinal o que aguarda aqueles olhos no futuro? Talvez ele não se preocupe muito com isso? É preciso construir, destruir, construir, destruir...

Num último grito desesperado, o Homem constrói as carruagens siderais e lança-se ao Espaço infinito. Talvez a procura de mundos melhores (“vá, há outros mundos além desse”, disse certo personagem em certo livro...), fugindo do caos que ele mesmo criou. É a vida em desequilíbrio.
Koyaanisqatsi!

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2 comentários:

muito legal esse texto! assisti o filme "Koyaanisqatsi" quando ele foi lançado, nos idos de 82/83... Phillip Glass era o máximo e ouvíamos repetidamente aquela trilha sonora minimalista... em vinil!!!! (socorro... time passes!)
o texto reproduz muito bem não só o clima do filme, como daquela época um pouco desancorada...
parabéns!

Interessante.

Eu assisti a um dos filmes da trilogia Qatsi e o que mais me impressionou foi a trilha sonora do Philip Glass.

Confesso que já tive mais saco para este tipo de filme, hoje, não sei mais. Mesmo assim, é um ótimo texto e um belo exercício de interpretação.

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