Henry Alfred Bugalho
Tudo não passou de uma questão de espaço.
As cidades cresceram, lançando seus braços de asfalto por todas as direções, fábricas, comércios, residências, metrôs, trens, aeroportos. Cresceram tanto que se fundiram, confundiam-se, não se podia mais definir onde uma acabava e outra começava.
A primeira megalópole surgiu no Japão, também conhecida como Tokyoto (a aglomeração das cidades de Tóquio, Nagoya, Osaka, Kobe e Kyoto). Tal fenômeno logo se reproduziu na costa leste dos Estados Unidos — quando Boston, Nova York, Filadélfia, Baltimore e Washington deixaram de ser consideradas como cidades individuais e adotaram a nova nomenclatura de BosWash —, na Europa ocidental, nas margens do Rio Indo, Xangai e na Coréia do Sul.
Mesmo com o meio de transporte mais veloz, ainda se levava mais de três horas para cruzar tais cidades de um extremo ao outro.
Quando a expansão horizontal não se tornou mais possível, tanto por limites geográficos quanto pela conclusão de que o crescimento populacional jamais poderia ser detido, qualquer um familiarizado com a teoria malthusiana conhece as noções de progressão geométrica da população, engenheiros deliberaram que o melhor seria iniciar as construções de arcologias, um dos sonhos mais bizarros e fascinantes da ficção científica. Grandes monstruosidades de concreto, aço e vidro se ergueram em meio às intermináveis cidades.
O que se pretendia como sendo uma solução, demonstrou ser mais um agravante ao problema. Uma atrás do outra, as arcologias se ergueram e, ao invés de reduzir o espaço que as cidades ocupavam, passaram a arrebanhar mais habitantes e, das dezenas de milhões, tais megalópoles atingiram, facilmente, a marca de centenas de milhões de habitantes. E, quando não havia mais espaço para se construir arcologias, a solução foi adicionar novos andares, novos subsolos, aos já existentes, até o ponto em que nem isto mais foi possível, ao risco da estrutura não suportar o próprio peso.
Mesmo assim, a população não deixou de aumentar. As arcologias, tão belas, sistemáticas e organizadas no princípio, se tornaram superlotadas. Andares que acomodavam, no máximo, cinqüenta mil moradores, recebiam cento e cinqüenta, duzentos mil.
Em certo momento, a população das arcologias se tornou tão numerosa que eles, os edifícios, receberam o estatuto de cidades; posteriormente, os andares, por causa de suas imensas populações, também se tornaram cidades, enquanto os edifícios, estados.
Os moradores dos andares altos, das suntuosas coberturas, solicitavam à administração estadual mais espaço, queriam desalojar os moradores duma cidade inteira — entenda-se andar — para construírem um campo de golfe.
Quando a autorização foi dada pela administração e a ordem de despejo afixada nas portas de todas as habitações, a revolta se instaurou.
— Para onde eles iriam?
Certamente, uma pergunta sem resposta, pois não havia mais espaço.
O exército foi acionado, mas encontrou resistência. Mais tropas enviadas, porém, os rebeldes receberam reforços de outros andares inferiores, que temiam que a gana expansionista dos andares superiores também os atingissem, num negro futuro não muito distante. Isto era a guerra civil.
Os combates duraram anos. Desesperados com as derrotas, os ricos tomaram uma decisão drástica — toneladas de explosivos foram estrategicamente alocados nos andares inferiores e, com uma ordem do Comando Geral de Guerra, detonados.
Como uma resolução tão estúpida foi considerada e executada é um mistério sepultado com a arcologia, que implodiu com seus vários milhões de moradores.
Nenhum campo de golfe jamais foi construído.
2 comentários:
Henry, não sou uma apreciadora contumaz de ficção científica e textos muito futuristas... mas este teu conto é muito bom, conseguiu me prender a atenção... fiquei pensando que as arcologias iam crescer tanto até chegar a Júpiter ou algo assim... só, por favor, não envie este conto para a Prefeitura de São Paulo, porque é capaz de alguem por lá gostar da idéia.......!!!
Putz. Fiquei atônito com a imagem de uma pirâmide gigantesca vindo abaixo. Assustador, Henry.
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