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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

4 razões por que todo escritor deveria ir à Feira do Livro de Frankfurt pelo menos uma vez na vida


Lembro-me de ter lido um artigo em The Guardian no qual o autor recomendava que nenhum autor jamais deveria ir à Feira de Frankfurt, pois lá os livros/escritores eram vendidos como “bucho de porco” em um açougue (1).
Era nisto que eu pensava assim que desembarquei do S-Bahn na estação Messe, que sai dentro do gigantesco complexo da feira: um imenso abatedouro...
Entretanto, pensar na escrita (somente) como Arte é de uma ingenuidade tremenda. Poucos escrevem para enriquecerem, porém o mercado está presente na essência do produto-livro.
A partir do momento em que uma editora decide investir em um livro, parte-se da lógica que: 1 — quer reaver o investimento, e 2 — quer obter lucro.
Mesmo que este aspecto comercial não esteja presente nos projetos literários de muitos escritores, há uma relação direta entre ser lido e ser comercializado. Via de regra, no mercado tradicional de livros, é preciso vender para que as pessoas leiam, mesmo que esta compra seja feita pelos governos.

Escrever => Publicar => Vender => Ser Lido

Esta me parece ser a cadeia mais natural da economia do livro e nenhum escritor pode desprezá-la. Reconheço que o século XXI veio para abalar toda esta estrutura e redefinir não apenas o mercado editorial, mas toda a produção cultural, ou seja, pode ser que este modelo se transforme bastante no futuro próximo. Teremos de aguardar para constatarmos isto.
De qualquer modo, aos trancos e barrancos, a economia do livro ainda é vigorosa e tem crescido em muitos países.
Apesar de toda a quebra de confiança que a revolução da autopublicação tem causado entre leitores e editores, cortando intermediários, tirando do jogo muitos profissionais que não conseguiram se renovar, forçando fusões de grandes corporações editoriais, falindo com livrarias, revelando talentos inesperados, demolindo nomes tradicionais, tocando fogo a velhos ídolos e imolando vacas sagradas, a publicação comercial ainda é o primeiro grande funil no mundo literário.
Ser publicado por uma editora comercial tem muito a ver com credibilidade, um carimbo de legitimação de que o autor tem qualidade ou pelo menos o potencial de vender muito.
Publicar obras de qualidade dá reputação a uma editora. No entanto, é através da publicação de obras que vendam, de preferência que vendam muito, que o negócio se torna viável.
Já para as corporações editoriais, tudo que importa é o lucro, posto que qualidade não sustenta quase ninguém.
Compreender a engrenagem do mercado deveria ser uma obrigação para qualquer autor que tenha alguma pretensão de vender/ser lido.
Por isto, enumero 4 razões por que um escritor deveria ir, pelo menos uma vez na vida, à Feira do Livro de Frankfurt.

1 — Um Mercado Gigantesco
O articulista de The Guardian comparou a feira a um açougue, eu já prefiro a comparação com uma feira livre.
Editores, agentes literários, livreiros e inúmeros outros profissionais do livro estão ali para socarem seus produtos goela abaixo dos outros.
Muitos querem vender, muitos querem comprar. Contudo, como usualmente ocorre com o mercado cultural, a venda e a compra costumam orbitar alguns poucos títulos e autores.
Os americanos e britânicos vendem muitos direitos de tradução para outros idiomas, mas compram pouquíssimo; eles são os principais feirantes, coagindo, pela potência de seus mercados internos, o mundo a consumir seus produtos culturais. E é assim em todas as áreas: na música, no cinema, na TV, e também na literatura.
A grande briga é para ver quem paga mais pelo livro dourado do ano, aquele que fará rios de dinheiro e estará na boca de todos.
Ninguém sabe ao certo qual é este livro, mas estão todos tentando descobri-lo.
Ir à feira é compreender, ou ter um vislumbre, da dimensão deste mercado.

2 — Substituíveis
Os escritores têm geralmente egos muito delicados. Necessitam de carinho, atenção e vários elogios. Adoram se sentir o centro do mundo e estofam o peito quando alguém afirma que eles são os melhores escritores que já leu.
A Feira de Frankfurt é uma dura lição de humildade.
Ali estão várias centenas de milhares de livros lutando por um lugar ao sol.
Sem dúvida que há muita coisa ruim, que jamais deveria sequer ter sido publicada; todavia, há também trabalhos de gênios, que muitos de nós jamais teriam a competência de escrever algo parecido.
Não é necessário viajar a Frankfurt para obter esta constatação; qualquer boa biblioteca, com seus incontáveis mestres pretéritos, já deveria ser um banho de humildade, porém, nesta feira, mais do que o reconhecimento de nossa pequenez, há também a exposição interminável de nossa insignificância, de nossa substituibilidade.
A maioria dos best-sellers é passageira; em um ou dois anos, poucos deles serão lembrados.
Se os que vendem muito já têm uma vida brevíssima nas prateleiras das livrarias e na memória dos leitores, quão mais efêmeros não são os que vendem pouco ou nada?

3 — Expressão de Poder
A Literatura, mas também a Arte em todos os âmbitos, é muito mais do que a mera expressão da genialidade individual. É também um reflexo de um contexto que propiciou o advento e a ascensão de mestres em suas respectivas áreas.
É evidente que é possível florescer mesmo no terreno mais inóspito, mas quando as condições favoráveis são fornecidas, o sucesso é muito mais rápido e garantido.
A Feira do Livro de Frankfurt é um espelho também do valor que cada país concede aos seus criadores, e também a percepção de cada mercado particular sobre a importância do livro.
É de cair o queixo o tamanho dos estandes e a suntuosidade dos pavilhões norte-americanos, britânicos, alemães, italianos, franceses, holandeses, e como, em comparação, chega a ser deprimente o de países com populações imensas, mas que dão pouco ou nenhum valor aos seus produtores culturais.
Uma das grandes críticas à participação do Brasil em 2013, quando foi o país de honra na feira, foi a falta de cor, de tropicalidade, de brilho em nossos estandes.
Se isto era verdade antes, quando o governo havia investido uma boa grana para promover os nossos autores, muito pior agora, com um estande sem vida e sem nenhum atrativo. Bastava dar uma volta no pavilhão dos editores internacionais para perceber que até países com produção editorial muito menor ou menos relevante haviam se esforçado bem mais para chamar a atenção.
A propaganda é a alma de qualquer negócio; neste quesito, o Brasil está na lanterna do mercado, um país onde fazer sucesso é um demérito, e livro bom é aquele lido por poucos.

Visitar o estande do Brasil em Frankfurt transmite uma importante mensagem a qualquer escritor brasileiro: “não conte conosco para promover o seu livro no exterior. Não nos importamos com você, portanto não espere que os outros se importem também.”

Assim fica simples entendermos por que o mundo lê clássicos e sucessos norte-americanos e europeus e quase nada do que se escreve abaixo da linha do equador.

4 — Fazer Contatos
Talvez o mais interessante de ir à Feira de Frankfurt seja o tal do networking, isto é, criar uma rede de contatos que possa servir para alguma coisa no futuro.
Entretanto, nesta feira o autor é um figurante. Quem mexe os pauzinhos são os agentes literários e os editores, deixando o escritor, aquele que está na base do mercado editorial, num segundo-plano.
Há tentativas para reverter este cenário, dando um pouco mais de visibilidade aos escritores na Feira. Ocasionalmente, há palestras com escritores famosos e, neste ano, foi criada uma área somente para nós na feira, mas a presença dos autores ainda é muito limitada.
Se você já for um autor publicado comercialmente, é o melhor lugar para lograr a venda de seus direitos estrangeiros.
Se você tiver um agente literário, ele provavelmente estará lá para representá-lo.
Se você ainda não houver sido publicado, a presença de soluções para o mercado da autopublicação está crescendo cada vez mais, ou seja, mesmo assim você não se sentirá muito um peixe fora d’água.
Vá, conheça pessoas, troque ideias, caminhe muito pela feira. Descubra o que está sendo publicado e o que faz sucesso. Deslumbre-se com a magnitude do mercado. Veja os livros sendo vendidos como bucho de porco no açougue.
Talvez isto o deprima. Talvez isto o estimule.
De qualquer modo, estes são os bastidores do universo ao qual você pertence sendo um escritor. Pode não ser belo ou inspirador, pode não ser muito poético, mas é o mecanismo oculto que move o mundo literário.

Fonte:
‘It’s carnage ...’ Inside the genteel world of books (The Guardian)
http://www.theguardian.com/books/2007/oct/14/features.reviewhttp://www.theguardian.com/books/2007/oct/14/features.review

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