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terça-feira, 4 de novembro de 2008

O "Homo Absurdus" de Camus

Albert Camus é um dos grandes autores do século XX, e sua obra é um símbolo da crise epistemológica, ética e ontológica do Homem contemporâneo.


É impossível negar a influência que Nietzsche exerceu sobre o pensamento e arte do século XX. A ruptura irremediável entre mundo de fato e o mundo inteligível, a relativização de todas as noções morais, a certeza de que não existem certezas e o fim de todo e qualquer sentido pairou sobre as filosofias da Europa continenal - de Husserl, de Heidegger, de Sartre, de Merleau-Ponty, de Foucault - , sobre todas as formas de expressão artística - o modernismo, o surrealismo, o concretismo, o pós-modernismo - e também assombrou a Literatura.

Camus é um filho desta geração esvaziada de sentido. Dois temas são fundamentais para esta geração: o sentido da existência e a morte. Ambas questões se interligam: se não existe um sentido para a vida, por que viver? O que me impede de me matar?

Para Sartre, o gênio intelectual da época, cometer suicídio não era um ato imoral, aliás era um ato de supremo exercício da liberdade. O homem é livre, e tirar a própria vida é um ato de liberdade.

As duas primeiras obras de Camus abordam tais problemas. Por um lado, temos uma obra ficcional austera, com uma linguagem comedida e um enredo atômico: "O Estrangeiro"; por outro lado, há uma obra filosófica, com uma linguagem que parece se aproximar do estilo sartreano, dividida em vários ensaios, na qual tais questões são apresentadas explícitamente: "O Mito de Sísifo".
Temos de pensar nestas duas obras em paralelo, pois uma esclarece a outra.

Em "O Estrageiro", o protagonista é um sujeito chamado Mersault. A obra é divida em duas partes:

- Na primeira delas, Mersault acompanha o velório e o enterro de sua própria mãe. O protagonista é indiferente ao fato, age quase mecanicamente, cumprindo o protocolo. Logo após o sepultamento, retorna ao marasmo da sua existência, que é quebrado quando Mersault assassina, sem nenhuma razão óbvia, um árabe na praia;

- Na segunda parte, assistimos ao julgamente do protagonista. Ele é condenado à morte e, nos dias antes de sua execução, Mersault analisa vários conceitos morais e sociais, sem identificar-se com eles, renegando-os. É a parte filosófica.

O protagonista move-se num universo ausente de sentido, realiza atos também desprovidos de sentido, não tem remoso, e só passa a fazer uma revisão de seus conceitos diante da presença inevitável da morte. 

Em "O Mito de Sísifo" possuímos a explicitação teórica da prática literária de Camus. Nesta coleção de ensaios, a tese básica pode ser resumida da seguinte maneira: "o Homem vive por causa da esperança do amanhã, mas cada dia que passa não o aproxima do futuro, e sim da morte. Mas o Homem prefere ignorar a presença da morte e vive uma vida de fingimento, considerando o mundo como familiar, quando, na verdade, o mundo é hostil, inóspito, absurdo e não fornece respostas."

A saída para este abismo - representado pelo absurdo da existência - não é o suicídio, por ela ser a negação da existência, mas sim a revolta. Quando o Homem compreende-se em sua absurdez, ele deixa de buscar o sentido, e passa a criá-lo.
A metáfora para este homo absurdus, para Camus, é o mito de Sísifo, aquele que, na mitologia grega, desafiou os deuses olímpicos e foi condenado a empurrar uma rocha até o topo dum penhasco, por toda a eternidade. Toda vez que a rocha era carregada até o cimo, ela rolava morro abaixo. Sísifo deveria, então, perfazer esta tarefa inglória e sem sentido por toda sua existência. Para Camus, somos como Sísifo, realizando projetos e tarefas sem sentido e que sempre redundam em nada, ou conduzindo-nos para a morte.

A obra deste autor francês, laureado pelo Prêmio Nobel em 1957, é profunda, apesar da superficial leveza, e causa o mal-estar de toda quebra de paradigmas.

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