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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Nossa história abandonada

Lendo uma reportagem, tempos atrás, fiquei pensando como é estranho que nós, muitas vezes, simplesmente apaguemos da mente fatos marcantes do nosso passado – do nosso, mesmo, não o de nossos pais ou avós. No embalo das novas tecnologias, nem sabemos mais manusear uma máquina de escrever, sobre a qual nos debruçamos horas e horas para aprender datilografia. E com o advento do ar-condicionado, ainda saberíamos fazer um leque para espantar o calor, como nos tempos de criança?

A vida doméstica foi o que mais mudou desde os meus primeiros anos – e olhe que tenho só 33. Hoje, me parece impossível que, na infância, eu tenha bebido água puxada com balde de um poço junto de casa. Ou, mais estranho ainda, que os banhos não eram de chuveiro elétrico, mas sim de chuveiro de lata, uma espécie de balde com chuveirinho adaptado no qual despejávamos água aquecida. As torneiras só vieram bem depois. No lugar de vaso sanitário, até os meus quatro, cinco anos, usávamos os “toaletes” de madeira, construídos em cima de poços-negros. E eu adorava ir ao banheiro na casa da vovó, onde além do modelo adulto havia um para crianças...

Em vez de videogame, a brincadeira era mesmo na rua, no pátio, na mata atrás da casa do vovô, no telhado da casa vizinha, de onde passávamos o dia pulando e subindo, com a falta de medo dos pequenos. A TV também era companhia, mas os desenhos e programas pareciam Ter mais sentido. Sítio do Pica-Pau Amarelo, Clubinho Gaúcha Zero Hora... Bons sonhos eles inspiraram!

Outras brincadeiras que me fascinavam tinham, também, a ver com o passado – dessa vez, dos meus antepassados. Adorava fuçar no girau da casa do vovô Jacó, descobrindo livros e objetos antigos. E todos aqueles quadros nas paredes da velha casa em estilo enxaimel? E o grande relógio sobre duas portas fechadas, atrás das quais, segundo a vovó Leduína, se escondia o “Christkind”? Na casa dos outros avós, Guilherme e Linda, a atração era o galpão, onde estavam as quinquilharias – o baú dos bisavós e tataravós, que deu origem a várias histórias; as bijouterias antigas; as estranhas fotos mostrando noivas vestidas de negro.

Hoje nada disso existe mais. Nem as brincadeiras, nem os banheiros ou chuveiros improvisados, nem os museus de faz-de-conta, nem os avós. Até da memória eles somem, às vezes. Mas, quando lembro, dá uma saudade...

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Maristela Scheuer Deves
Jornalista por formação e escritora por vocação. Atua como editora assistente de Variedades no jornal Pioneiro, de Caxias do Sul/RS, em cujo site também mantém o blog Palavra Escrita, voltado ao mundo dos livros. Escreve desde que consegue se lembrar, e atualmente prepara para publicação seu terceiro livro, o infantil "Os Deliciosos Biscoitos de Oma Guerta", contemplado pelo Financiarte. De sua autoria, já estão nas livrarias o romance policial "A Culpa é dos Teus Pais" e o infanto-juvenil "O Caso do Buraco".
todo dia 19


1 comentários:

Gostei muito. Sútil e muito lindo. Dá nostalgia de um tempo que as coisas eram belas por serem simples e que nos tornavam mellhores e por isso faziam mais sentido. Muito disso não tive, apenas tenho 23. O homem precisa de suor! Estamos ficando mais preguiçosos, a tecnologia está nos matando e nos deixando mais vazios.

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