Maria de Fátima Santos
Eu me pergunto há muito: para que nos serve.
De um qualquer modo, a gente solta-se disto. Assim como hoje, um dia usa a faca que trouxe na liga, ano e ano, e desfere o golpe.
- Zás! - diz o moço a quem Deus não deu entendimento mais que o perceber que sangue é o que corre do buraco seja ele degolando ave ou arrebentando veia com um fino golpe mesmo por debaixo, no pescoço de gente.
- Zás! - e fica olhando o gorgolejar com ar aparvalhado, que a baba no canto da boca escorre e completa o quadro de um perfeito tonto.
O moço põe um pé mais atrasado do que o outro, que um quase morto assusta para carago e se vier alguém ainda vai pensar que fui eu que peguei na ponta afiada da faca pequenina, com um cabo a brilhar de prata e osso, e a enfiei de um só golpe no pescoço deste desgraçado.
O sangue escorre e ele revira os olhos que nem sei se me está olhando e nem sei se o acuda, se o largue.
- Chamem-lhe parvo... – penso eu, o que se está morrendo, nos últimos laivos que tenho de pensar.
- Zás! - balbucia o tonto enquanto o ar da vida se me foge.
Olha-me como se fosse ele o morto, e eu penso de novo para que nos serve e fico-me morrendo devagar, ao ritmo do sol que se distende em amarelos, lilazes e vermelhos, por detrás do morro onde joguei à bola e pastei as cabras do avô Gilberto e estudei para muitos exames, sentado numa pedra.
Um sol deslizando para dentro do rio onde me lavei de várias mágoas.
Um fio escarlate corre sobre o ombro que trago desnudado.
O dia terminando e eu nesta loucura de querer soltar-me.
Eu a querer responder ao para que nos serve e o fio deslizando quente sobre o meu corpo.
Depois, ele pegará a faca de cabo prateado e osso que eu retirei da gaveta da cómoda da minha avó Benvinda no dia em que havia lá por casa a confusão habitual da matança do porco.
Eram seis da tarde, então, como o são agora quando me envio deste mundo.
Abri a gaveta onde ela guardava, preciosas, duas ligas negras com um friso de rendas e uma saia rodada com folhos, junto com um colete.
Tudo vermelhos que um dia tinham ataviado o pequeno corpo que, ao momento, esquartejava, lá em baixo, avantajado, mas ainda levemente belo, as carnes do porco criado a bolota e a cuidado.
Guardei a faca comigo desde essa tarde e, vendo o bácoro grunhir, como pela noite aqueles dois num por detrás que lhes deu no jeito, perguntei-me: para que nos serve.
E até hoje me pergunto, como agora, no preciso momento, ou um pouco antes, de me apartar disto.
- Zás! - diz o parvo mal eu me morro.
E retira a faca de prata e osso. E afasta-se rolando dois dedos sobre a jugular, como me viu fazendo.
De um qualquer modo, a gente solta-se disto. Assim como hoje, um dia usa a faca que trouxe na liga, ano e ano, e desfere o golpe.
- Zás! - diz o moço a quem Deus não deu entendimento mais que o perceber que sangue é o que corre do buraco seja ele degolando ave ou arrebentando veia com um fino golpe mesmo por debaixo, no pescoço de gente.
- Zás! - e fica olhando o gorgolejar com ar aparvalhado, que a baba no canto da boca escorre e completa o quadro de um perfeito tonto.
O moço põe um pé mais atrasado do que o outro, que um quase morto assusta para carago e se vier alguém ainda vai pensar que fui eu que peguei na ponta afiada da faca pequenina, com um cabo a brilhar de prata e osso, e a enfiei de um só golpe no pescoço deste desgraçado.
O sangue escorre e ele revira os olhos que nem sei se me está olhando e nem sei se o acuda, se o largue.
- Chamem-lhe parvo... – penso eu, o que se está morrendo, nos últimos laivos que tenho de pensar.
- Zás! - balbucia o tonto enquanto o ar da vida se me foge.
Olha-me como se fosse ele o morto, e eu penso de novo para que nos serve e fico-me morrendo devagar, ao ritmo do sol que se distende em amarelos, lilazes e vermelhos, por detrás do morro onde joguei à bola e pastei as cabras do avô Gilberto e estudei para muitos exames, sentado numa pedra.
Um sol deslizando para dentro do rio onde me lavei de várias mágoas.
Um fio escarlate corre sobre o ombro que trago desnudado.
O dia terminando e eu nesta loucura de querer soltar-me.
Eu a querer responder ao para que nos serve e o fio deslizando quente sobre o meu corpo.
Depois, ele pegará a faca de cabo prateado e osso que eu retirei da gaveta da cómoda da minha avó Benvinda no dia em que havia lá por casa a confusão habitual da matança do porco.
Eram seis da tarde, então, como o são agora quando me envio deste mundo.
Abri a gaveta onde ela guardava, preciosas, duas ligas negras com um friso de rendas e uma saia rodada com folhos, junto com um colete.
Tudo vermelhos que um dia tinham ataviado o pequeno corpo que, ao momento, esquartejava, lá em baixo, avantajado, mas ainda levemente belo, as carnes do porco criado a bolota e a cuidado.
Guardei a faca comigo desde essa tarde e, vendo o bácoro grunhir, como pela noite aqueles dois num por detrás que lhes deu no jeito, perguntei-me: para que nos serve.
E até hoje me pergunto, como agora, no preciso momento, ou um pouco antes, de me apartar disto.
- Zás! - diz o parvo mal eu me morro.
E retira a faca de prata e osso. E afasta-se rolando dois dedos sobre a jugular, como me viu fazendo.
Hão-de vir buscar-me o corpo.
De mim, que cuidei responder ao para que nos serve, dirão, num dizer de descuido:
- Coitado!
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