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sábado, 15 de novembro de 2008

Entrevista: Carlos Henrique Iotti




Carlos Henrique Iotti, 44 anos, gaúcho de Caxias do Sul, é colaborador dos jornais Pioneiro (www.pioneiro.com) e Zero Hora (www.zerohora.com), e tem vários livros publicados, principalmente de tiras com o personagem Radicci.
Radicci, seu personagem mais famoso, foi criado em 1983, representando um ítalo brasileiro (ou gringo, como ele mesmo diz) de temperamento forte, amante do vinho e do ócio. Casado com Genoveva, é pai de Guilhermino. O personagem Nono completa a típica família de descendentes de italianos.


Iotti tem ainda outros personagens menos conhecidos, como a dupla de criação Deus e o Diabo, que competem entre si numa espécie de agência de criação e propaganda.

Além de atuar como chargista e cartunista, inclusive com trabalhos na Itália, Iotti também tem programas na rádio e na TV (este último, Iotti Repórter, pela RBS).

 

Além de uma série de livros com as melhores charges, Iotti está lançando um DVD com o show onde interpreta seu personagem.


Como você começou a desenhar? Seu trabalho foi desde o início direcionado para o humor?

Sou formado em Jornalismo pela UFRGS e foi ainda na faculdade que criei o meu primeiro personagem. Era um guerrilheiro trapalhão chamado Ernesto Che da Silva, uma espécie de sátira ao movimento estudantil da época. De lá para cá outros personagens foram criados (como Frederico e Fellini, que conta a história de amor e ódio entre um menino e seu gato -, Deus e o Diabo, que são uma dupla de criação publicitária, Adão Hussein e o Radicci e a Genoveva) e aí de cara percebi que normalmente tudo que é trabalhado com humor fica mais leve, mais digerível. É muito melhor ler uma charge do que um editorial, por exemplo. Sem esquecer que o editorial tem um mérito maior, quando bem escrito. Então me aventurei como jornalista na área do cartunismo.




Como funciona o processo de criação de suas personagens? O Radicci, por exemplo, de onde veio a inspiração?


O Radicci foi criado em 1983 para ser a síntese do nosso colono. Uma caricatura do tipo italiano que aportou em 1875 e seus descendentes. Uma caricatura dos hábitos, dos costumes e da fala dessa gente. Se é que é possível fazer uma caricatura disso.

Ele é uma HQ regional. É muito conhecida no Sul do país, mas é uma tira regional. Eu acredito que o público se identifica com a família Radicci, pois ela fala do cotidiano, do dia a dia do colono. Que pode acontecer ali com o colono, mas que pode acontecer em outros lares, em outras formações.


Como é a tua relação com o Radicci? Tem gente que te confunde com ele?

Ás vezes há uma confusão entre criador e criatura e aí as pessoas esperam que eu me comporte como o Radicci. Não fazem a distinção entre o Iotti e o intérprete do Radicci. Isso sempre gera fatos engraçados, que até rendem repertório pras piadas mesmo. Um dia, encontrei um colono ali do Desvio Rizzo (distrito de Caxias). Ele me olhou embasbacado e disse:

- Oh, tu que é o Radicci?

- Sim, sou eu!

- Ma Dio! Até meio negro tu é! - Eu fiquei rindo, fazer o quê?

Um dia fui a Ibiçá. Acho que toda a cidade estava reunida no salão paroquial. Eu tinha voltado da praia e estava todo bronzeadão. Para realçar minha cor, coloquei um terno branco, bonito. Entrei no salão e disse: "Alôôôô, guRRizada!". Bem, tudo ficou no mais absoluto silêncio. Eu só ouvia o bater de asas de uma mariposa que estava rondando a luminária. E, no meio daquele vazio sonoro, alguém cochichou: "Bah, esse daí que é o Radicci?". O pessoal fica um pouco decepcionado, sabe, porque espera que eu seja gordo e bonachão. Em cada lugar que eu vou é a mesma reação.


O que você lê?

Leio de tudo. De bula de remédio a romance. Gosto muito de autores como Tabajara Ruas, Ernest Hemingway, livros com a temática de mar e guerra também vejo de tudo.

E que história foi essa de senador romano?

Me convidaram a fazer parte de um movimento não-partidário, associativo, o que foi me convencedo no sentido de ver que sim, talvez fosse possível ajudar de alguma forma os descendentes, as pessoas com dupla cidadania, etc. O convite partiu mais para lidar com questões relativas à cultura, a intercambiar as coisas entre Brasil e Itália e obtive 14 mil votos. Fui o brasileiro mais votado e sou suplente de senador na Itália agora.
Há alguma técnica à qual você recorre para causar o riso? Conte-nos o seu segredo.

Sou um tanto tímido, tenho de embarcar na onda dos personagens e aí vou me soltando. Na verdade não há nenhuma grande técnica assim.

Escrever sob prazos é um estímulo ou um obstáculo para você?
Ter prazo é sempre um estímulo. Jornalista que não tiver prazo não escreve (risos).

Iotti, dê uma definição acadêmica para quem não conhece o "sotacón". Quem são os falantes dessa variante lingüística? É português, é italiano, é gauchês...?



É uma variante que mistura o italiano e o português – utilizando a fonética do colono, transpondo isso para a grafia sem nenhum filtro.


Quando ingressou na faculdade, sua intenção já era atuar como ilustrador ou você tinha outras aspirações?

O desenho foi um caminho natural. Eu simplesmente não parei de desenhar, como de modo geral as pessoas fazem quando “crescem”.


A sua «dupla da criação» foi objeto de protestos por parte de alguns leitores. Como é que você lida com os protestos? Influenciam as suas tiras futuras?

Na verdade foi um editor que ficou com receio de publicar em virtude de uns leitores bem religiosos. A maioria das pessoas costuma me dar um retorno bacana, mas polêmica sempre é bom, instiga a fazer mais coisas.

Qual considera o seu melhor desempenho: a imagem ou o texto? Qual custa mais a apurar?

Depende, tem dias que a imagem é melhor do que o texto e vice-versa.

Há quem diga que os quadrinhos já se aproximam de um patamar de arte, como uma forma de literatura e não apenas um produto comercial. Qual é a tua opinião em relação a isso? E como você vê o espaço do cartunista nesse meio? Você se considera um artista?

Os quadrinhos aos poucos foram galgando um lugar muito legal, de espaço, de visibilidade, de patamar artístico também. Há sempre quadrinhos muito legais e gente que tem um traço que eu admiro muito. Eu gosto muito dos desenhistas locais. O Santiago e o Edgar Vasques são chargistas que eu conheço e admiro. Também tem o Jaguar, que é carioca, que foi editor do Pasquim, um marco no jornalismo brasileiro. Gosto ainda do Ziraldo e do Angeli, que é o criador do Chiclete com Banana e atualmente está fazendo as charges na Folha de São Paulo. A maioria do pessoal que lida com quadrinhos está lutando muito ainda para conseguir o seu lugar ao sol e ser reconhecido. Precisa existir uma valorização bem maior dentro dessa área. De todo modo, sempre tem surgido gente nova e a Internet é um meio muito bacana de divulgação desses trabalhos. Vira e mexe descubro alguma coisa diferente.


No seu site tem uns contos narrados em "sotacón". Além disso, você escreves ficção em português? Já pensou, ou até já tentou, transpor as histórias do Radicci em forma de microcontos?

Na verdade o que faço são quase pequenas crônicas neste estilo do sotacón. De quando em vez aplico de escrever como o Radicci e acaba sendo divertido também.


Que dica, que recado, que recomendação você dá a quem quer escrever humor?

 

Nunca desistam no primeiro “não”. Vocês vão receber vários deles durante a sua trajetória. Não tem espaço, não tem chance, não tem condições… Se desistir no primeiro “não”, não vai adiante. Tem que ser chato, tem que lutar. É um começo terrível, é uma verdadeira tragédia, porque o mercado é muito pequeno, limitado. Ou a pessoa abre o próprio mercado à base de muita perserverança, ou acaba indo para outro caminho, vai ser desenhista de publicidade ou algo parecido. Se você quiser ser um chargista realmente, vai precisar de muita persistência.


Perguntas feitas por:

 

Volmar Camargo Junior

Carlos Alberto Barros

Joaquim Bispo

Henry Alfred Bugalho

Maristela Deves

 

Coordenação e organização:

Maristela Deves


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Mais sobre o Iotti e seus personagens na página oficial do Radicci: http://www.radicci.com.br

Crédito da foto: André Guimarães Antunes.

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