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terça-feira, 4 de março de 2008

Sugestão de Leitura





Minhas Queridas

Clarice Lispector







“O mundo me parece uma coisa vasta demais e sem síntese possível.”


No dia 09 de dezembro de 2007 se completaram trinta anos da ausência de Clarice Lispector na cena literária brasileira. Semanas antes, a Editora Rocco lançou, no Brasil, “Minhas Queridas”, uma compilação de 120 cartas inéditas da escritora, dirigidas a suas duas irmãs, Tânia Kaufmann e Elisa Lispector, organizada por Teresa Montero, autora da biografia “Eu sou uma pergunta”, editada também pela Rocco em 1998.
Datadas do período que se estende de 1940 a 1957, as cartas revelam detalhes do cotidiano de Clarice nos primeiros anos de seu casamento com o diplomata Maury Gurgel Valente, relatando sua experiência de residir fora do Brasil, com as delícias e os dissabores desse afastamento, não apenas do país, mas sobretudo da família de origem, das irmãs e da sobrinha.
As primeiras cartas, ainda escritas no Brasil, contam a viagem de Belém à África, e as impressões deixadas em Clarice por um universo tão distinto de Recife, cidade adotada como terra natal. A segunda guerra mundial serve de pano de fundo a um número considerável de missivas, fornecendo um retrato sem retoques do dia-a-dia naquele período, nas várias cidades européias por onde passou - Berna, Paris, Lisboa, Roma, Florença, Nápoles. As últimas, procedentes de sua permanência em Washington, ilustram o que eram os EUA na década de cinqüenta, e o quanto já estavam lá sementes do que viria a se tornar a influência americana na cultura ocidental a partir de então. Desfilam notas sobre a produção cultural européia na qual mergulhou e sobre as influências que, mais ou menos explicitamente, recebeu de filmes e peças assistidos, museus visitados, autores lidos, notadamente D.H.Lawrence,Tolstói, Simone de Beauvoir, Katherine Mansfield.
Do ponto de vista da trajetória literária de Clarice Lispector, essa correspondência acompanha a criação de dois romances – “A cidade sitiada” e “A maçã no escuro” – bem como a repercussão de contos publicados nesse período, sobretudo aqueles reunidos no volume “O lustre”, de 1946. Também nessas cartas está a notícia da primeira gravidez de Clarice, o abortamento espontâneo na segunda gestação, o nascimento dos dois filhos e referências ao seu olhar sobre a maternidade. Contrastando com a densidade desses momentos, há reflexões singelas sobre modelos de vestidos e chapéus, o relato bem humorado, por vezes cômico, de situações corriqueiras, intercalados com a influência do frio e da ausência de sol em seu estado de espírito ou sua sensação quase permanente de desencontro com as outras mulheres de seu círculo de convivência.
Produzidas numa época em que a correspondência era escrita sobre papel e enviada pelo correio, e que semanas de silêncio expectante separavam o envio da resposta, esses registros nos permitem um contato quase íntimo com o universo de Clarice Lispector nas várias facetas que ela desfila ao longo das cartas: a brasileira fora de lugar, a esposa, a mãe iniciante, a irmã saudosa, a escritora em que a literatura pulsa em busca de um escoar criativo, a mulher permanentemente angustiada diante do mundo e de si mesma.
A leitura dessa correspondência segue leve, solta, cada página nos convidando à seguinte e á próxima. Um mundo sem síntese apresentado pela escrita única de quem conseguiu ver, na relação de uma menina com um livro, o mesmo apaixonamento que há entre uma mulher e seu amante.



Minhas Queridas
Clarice Lispector
Tereza Montero (org.)


Editora: Rocco
ISBN: 9788532522740
Ano: 2007
Edição: 1

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2 comentários:

Eu tenho uma relação um pouco ambígua com a Lispector, gosto muito de certas obras dela, como o romance de estréia "Perto do Coração Selvagem" ou como "A Hora da Estrela", porém, em outras obras, acho que ela não encontra o tom. Achei chatíssimo "Paixão Segundo G.H.", por exemplo.

Mas eu também sou deste tipo de leitores que gosta de se enveredar pela vida privada dos autores; acredito que este aprofundamento nos aproxima da pessoa atrás do gênio e, principalmente, do próprio processo de criação deles.
Um autor que sabe fazer este mergulho com propriedade é Elias Canetti, na obra "O Outro Processo", na qual ele analisa a obra e vida de Kafka através do diário do autor.
Uma outra leitura do gênero que me agradou foram as cartas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro, mas Pessoa é genial até debaixo d'água também...

bem, henry, eu sou totalmente fã dos textos da clarice lispector... acho que li tudo o que há publicado dela no brasil, e reli vários textos... Romances como "Água Viva", "A Hora da Estrela", "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres", e contos como "A Imitação da Rosa", "Miopia Progressiva", "Felicidade Clandestina" são bons exemplos de textos passíveis de várias releituras...
há, no meio psi, várias discussões acerca do possível diagnóstico psiquiátrico da Clarice... certa vez, assisti uma montagem teatral que se propunha a ser um fragmento biográfico seu, protagonizada pela Araci Balabanian... achei de uma incompreensão absoluta! apresentaram-na como uma histérica, super teatral e afetada, o que na minha maneira de ver passa a quilómetros do poço de angústia que era essa pessoa... não sei qual seu diagnóstico, nem sei se tinha mesmo alguma doença psiquiátrica propriamente dita, mas seus textos são verdadeiras aulas do que é o mergulho no mundo interno, nas incoerências, nos conflitos, nas fantasias, enfim... nisso que de mais humano temos, todos, dentro de nós!

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