Henry Alfred Bugalho e Volmar Camargo Junior
"O homem é o único animal que ri. E é rindo que ele mostra o animal que é", esta sentença de Millôr Fernandes, inspirada numa errônea idéia aristotélica — hoje se sabe que macacos, cães e até ratos também riem — escancara o caráter social do riso. A risada é um dos comportamentos humanos de regulação da interação social, facilitando a aceitação no interior duma comunidade.
Esse texto não tem a pretensão de ser um aprofundamento teórico sobre o assunto. A intenção aqui é meramente abordar o humor por um viés analítico, tomando como referência para um (possível) estudo de caso.
A Enciclopédia Encarta diz que o humor, compreendido em seu sentido amplo, é o texto informal cujo objetivo é divertir ou causar o riso. O humor penetra na ilusão e na imaginação, explorando as possibilidades de situações improváveis e de combinações de idéias, mas difere delas por estar preocupado somente com os aspectos cômicos destas situações imaginárias. Como são muito diversos os textos humorísticos, há também diversas teorias que podem explicá-los. Citemos algumas delas.
Aristóteles é, possivelmente, o primeiro teórico da narrativa que se tem notícia no Ocidente. Boa parte de seu esforço, pelo menos na obra "Poética", é de entender a arquitetura da tragédia, que, para ele, é uma forma de poesia superior às demais — à comédia e à epopéia —, por isto, ele aborda apenas periférica e negligentemente as características do nosso objeto, i.e., a comicidade da comédia.
Para o Filósofo, o que diferencia a comédia da tragédia e da epopéia é o objeto imitado: na epopéia, são retratados homens melhores do que nós, como os heróis míticos de Homero; na tragédia, são retratados homens semelhantes a nós, oprimidos pela vontade dos deuses, sujeitos às desventuras do destino; por fim, na comédia, são retratados homens inferiores, cujos baixos instintos, ao serem expostos ao ridículo, causam riso.
Esta perspectiva coincide em muitos aspectos com a Teoria da Superioridade: o riso é provocado pelas pessoas que apresentam algum defeito, se encontram em posição de desvantagem ou sofrem algum pequeno acidente. Segundo essa teoria, o humor advém de alguma forma de escárnio. O autor observa o objeto retratado de um ponto de vista superior, e seu público compartilha dessa visão. Um dos pontos mais importantes dessa tese é trazido por Alexander Bain: "não é necessário que uma pessoa seja ridicularizada. Uma idéia, instituição política ou qualquer coisa que exija dignidade e respeito também pode ser exposta ao ridículo". Outro ponto importante é encontrado na tese de Henri Bergson, cujo ideal são a adaptabilidade e a elasticidade – caracteres de seu terceiro principal conceito: a Élan Vital. O personagem cômico típico, segundo Bergson, contraria esse ideal. Nada mais é que um indivíduo excêntrico que se recusa a adaptar-se à realidade. A persistência em hábitos imutáveis, independentemente das circunstâncias, torna cômicos os personagens e as situações vividas por eles.
A Teoria da Incoerência assevera que o essencial para o humor é a mistura de duas idéias que são, conforme o que se sente, disparatadas. De acordo com tal teoria pode-se dizer que o humor consiste no encontro do inadequado dentro do apropriado. Segundo parte de seus defensores, o prazer da interpretação do texto cômico está em localizar os pontos de contato entre as idéias incongruentes, onde divergem e onde estão mescladas. Outros, alegam que essa incompatibilidade não se encontra apenas no âmbito textual, mas principalmente em como / por quem esse texto será recebido: vai do textual para o cultural. Isso explicaria por que uma dada anedota atingiria seu objetivo cômico em um dado meio e em outros, não.
A Teoria do Alívio alega que o humor questiona as exigências sociais convencionais. Existem barreiras sociais e ideológicas que censuram, por consenso ou por imposição, certos temas. Abordar esses temas, utilizando os recursos textuais humorísticos, é um modo de burlar essas barreiras. O humor resultante é causador de grande alívio, devido à fuga momentânea de sentimentos reprimidos. Essa teoria, reforçada sobretudo pelas descobertas de Freud no campo da psicanálise, assenta-se antes no prazer individual experimentado pelo receptor do texto cômico. Entretanto, situando-se mais na ruptura com as barreiras psico-sociais, é insuficiente para explicar o humor existente, por exemplo, em textos nonsense e em jogos de palavras.
Estas últimas duas teorias sugerem que não basta uma análise lingüística do texto cômico para compreender sua comicidade. Mikhail Bakhtin propõe uma investigação do discurso, a interação entre o social e o literário. Ao se debruçar sobre "Gargântua e Pantagruel", um dos ícones do realismo grotesco escrito por François Rabelais, Bakhtin percebeu que a obra cômica está situada no limiar entre o proibido e o permitido, no umbral do profano e do sagrado, daquilo reservado à vida privada e o que pode ser exposto na praça pública.
É neste trabalho que ele cunha o conceito de carnavalização, quando o mundo às avessas invade a vida cotidiana. Durante as festas populares na Idade Média e Renascença, ao homem do povo é concedida a liberdade à licenciosidade. Coroações satíricas, linguagem vulgar, sensualidade, ídolos, tudo isto é permitido nestes dias de festa. Através do carnaval, a ordem do mundo desmorona, para se renovar ao fim das festas. Deste modo, o riso estaria vinculado à substituição da ordem pelo caos.
Assim como qualquer outro, o objeto textual que se pretende cômico é apelativo ao conhecimento de mundo de um determinado público - e em sua composição está implícita a adesão do público a que se destina ao seu "universo" de significados. Por outro lado, os caracteres que provocam o riso não são de ordem lingüística. Exatamente por isso, não há uma teoria universal que possa dar conta de todas as possibilidades humorísticas dos textos cômicos porque essas possibilidades são inúmeras. Desse modo, podemos entender que o cômico não é simplesmente depreendido, como um aspecto imanente do texto; ele dá-se como um efeito da interpretação do texto feita pelo leitor. Por isso, devemos ter em mente que, antes de "conter" humor, um texto dessa natureza "produz" humor.
Esse texto não tem a pretensão de ser um aprofundamento teórico sobre o assunto. A intenção aqui é meramente abordar o humor por um viés analítico, tomando como referência para um (possível) estudo de caso.
A Enciclopédia Encarta diz que o humor, compreendido em seu sentido amplo, é o texto informal cujo objetivo é divertir ou causar o riso. O humor penetra na ilusão e na imaginação, explorando as possibilidades de situações improváveis e de combinações de idéias, mas difere delas por estar preocupado somente com os aspectos cômicos destas situações imaginárias. Como são muito diversos os textos humorísticos, há também diversas teorias que podem explicá-los. Citemos algumas delas.
Aristóteles é, possivelmente, o primeiro teórico da narrativa que se tem notícia no Ocidente. Boa parte de seu esforço, pelo menos na obra "Poética", é de entender a arquitetura da tragédia, que, para ele, é uma forma de poesia superior às demais — à comédia e à epopéia —, por isto, ele aborda apenas periférica e negligentemente as características do nosso objeto, i.e., a comicidade da comédia.
Para o Filósofo, o que diferencia a comédia da tragédia e da epopéia é o objeto imitado: na epopéia, são retratados homens melhores do que nós, como os heróis míticos de Homero; na tragédia, são retratados homens semelhantes a nós, oprimidos pela vontade dos deuses, sujeitos às desventuras do destino; por fim, na comédia, são retratados homens inferiores, cujos baixos instintos, ao serem expostos ao ridículo, causam riso.
Esta perspectiva coincide em muitos aspectos com a Teoria da Superioridade: o riso é provocado pelas pessoas que apresentam algum defeito, se encontram em posição de desvantagem ou sofrem algum pequeno acidente. Segundo essa teoria, o humor advém de alguma forma de escárnio. O autor observa o objeto retratado de um ponto de vista superior, e seu público compartilha dessa visão. Um dos pontos mais importantes dessa tese é trazido por Alexander Bain: "não é necessário que uma pessoa seja ridicularizada. Uma idéia, instituição política ou qualquer coisa que exija dignidade e respeito também pode ser exposta ao ridículo". Outro ponto importante é encontrado na tese de Henri Bergson, cujo ideal são a adaptabilidade e a elasticidade – caracteres de seu terceiro principal conceito: a Élan Vital. O personagem cômico típico, segundo Bergson, contraria esse ideal. Nada mais é que um indivíduo excêntrico que se recusa a adaptar-se à realidade. A persistência em hábitos imutáveis, independentemente das circunstâncias, torna cômicos os personagens e as situações vividas por eles.
A Teoria da Incoerência assevera que o essencial para o humor é a mistura de duas idéias que são, conforme o que se sente, disparatadas. De acordo com tal teoria pode-se dizer que o humor consiste no encontro do inadequado dentro do apropriado. Segundo parte de seus defensores, o prazer da interpretação do texto cômico está em localizar os pontos de contato entre as idéias incongruentes, onde divergem e onde estão mescladas. Outros, alegam que essa incompatibilidade não se encontra apenas no âmbito textual, mas principalmente em como / por quem esse texto será recebido: vai do textual para o cultural. Isso explicaria por que uma dada anedota atingiria seu objetivo cômico em um dado meio e em outros, não.
A Teoria do Alívio alega que o humor questiona as exigências sociais convencionais. Existem barreiras sociais e ideológicas que censuram, por consenso ou por imposição, certos temas. Abordar esses temas, utilizando os recursos textuais humorísticos, é um modo de burlar essas barreiras. O humor resultante é causador de grande alívio, devido à fuga momentânea de sentimentos reprimidos. Essa teoria, reforçada sobretudo pelas descobertas de Freud no campo da psicanálise, assenta-se antes no prazer individual experimentado pelo receptor do texto cômico. Entretanto, situando-se mais na ruptura com as barreiras psico-sociais, é insuficiente para explicar o humor existente, por exemplo, em textos nonsense e em jogos de palavras.
Estas últimas duas teorias sugerem que não basta uma análise lingüística do texto cômico para compreender sua comicidade. Mikhail Bakhtin propõe uma investigação do discurso, a interação entre o social e o literário. Ao se debruçar sobre "Gargântua e Pantagruel", um dos ícones do realismo grotesco escrito por François Rabelais, Bakhtin percebeu que a obra cômica está situada no limiar entre o proibido e o permitido, no umbral do profano e do sagrado, daquilo reservado à vida privada e o que pode ser exposto na praça pública.
É neste trabalho que ele cunha o conceito de carnavalização, quando o mundo às avessas invade a vida cotidiana. Durante as festas populares na Idade Média e Renascença, ao homem do povo é concedida a liberdade à licenciosidade. Coroações satíricas, linguagem vulgar, sensualidade, ídolos, tudo isto é permitido nestes dias de festa. Através do carnaval, a ordem do mundo desmorona, para se renovar ao fim das festas. Deste modo, o riso estaria vinculado à substituição da ordem pelo caos.
Assim como qualquer outro, o objeto textual que se pretende cômico é apelativo ao conhecimento de mundo de um determinado público - e em sua composição está implícita a adesão do público a que se destina ao seu "universo" de significados. Por outro lado, os caracteres que provocam o riso não são de ordem lingüística. Exatamente por isso, não há uma teoria universal que possa dar conta de todas as possibilidades humorísticas dos textos cômicos porque essas possibilidades são inúmeras. Desse modo, podemos entender que o cômico não é simplesmente depreendido, como um aspecto imanente do texto; ele dá-se como um efeito da interpretação do texto feita pelo leitor. Por isso, devemos ter em mente que, antes de "conter" humor, um texto dessa natureza "produz" humor.
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