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quarta-feira, 12 de março de 2008

O Espelho

- Não é normal – disse eu ao meu primo.

- Não é normal o quê?

- O olhar do gajo. Vítreo, desfocado. Parece um Robot.

   O meu primo é um céptico que veste “Pullover” aos losangos, corta o cabelo com “risco ao meio” e acha que tudo o que acontece é normal ou, pior, tem uma razão de ser. Ao interpelá-lo, adivinhava já a reacção – sabia antecipadamente que ia tratar o assunto com desinteresse. Sempre fomos diferentes e a bem da verdade não irei mentir, a família é um tanto ou quanto conservadora – são quase todos como ele. É o primeiro filho do irmão mais velho da minha mãe e herdou do pai o porte, a compleição física impressionante e a casmurrice.

- Anda cá, tens de ver o gajo. Anda antes que se vá embora – insisti. Não respondeu.

- Anda Abel. Vem cá ver o “cara de parvo” – entretanto o “cara de parvo” estava aí a uns dois metros de mim. Parado. Fitava-me.

  Tínhamos saído do Bar há pouco mais de meia hora, vinte minutos antes das três, horário de fecho costumeiro do mesmo. Talvez tivesse bebido um pouco mais que ele, não sei… Noite óptima, céu limpo, era possível ver ao longe, por detrás da parede mais próxima, o cintilar das estrelas. Meu primo não me ligava e então descobri que motivo outro tinha para lá da descrença habitual: olhava para um alto longínquo tentando (sem sucesso) descobrir a Constelação.

- Sabes como se acha a Ursa Maior, Constâncio?

   Não respondi. Agastado, pensei “Desta vez não te ficas a rir, indiferente”. Se tão bem pensei, melhor o fiz: descalcei o sapato do pé esquerdo e, fazendo pontaria ao meio da testa, lancei-o em arco. A coisa acertou em cheio, mesmo em cima do dedo mindinho.

  O resultado não foi exactamente o que esperava: Primeiro deu o berro. Depois levantou-se e avançou na minha direcção com ar ameaçador. Tendo chegado, parou, olhou para nós uma primeira e repetida vez e acalmou-se. Disse-me então para me deixar de parvoíces e fazer o favor de sair de frente do espelho.

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