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sábado, 15 de março de 2008

Luxo

Jurandir Araguaia

Ao abrir a porta notou o ambiente em pouca luz. A extravagante cobertura situava-se no mais nobre ponto da cidade. Procurou-a com um olhar pela ampla sala. Fechou a porta. Deixou a pasta e o casaco sobre uma cadeira logo à entrada. Respirou fundo. O olhar correu, agora lentamente, por cada um dos conhecidos cantos. A escuridão, quase total, não permitia que enxergasse direito. Sabia do que se tratava. Era sexta-feira. O mercado financeiro fora bom. Cotações em alta.
Caminhou lentamente. Uma música suave começou a tocar espalhando-se pelo ambiente. As poucas luzes mudaram para um tom avermelhado. Sentia uma fragrância deliciosa no ar. Respirou fundo.
- Vou te achar! – disse em voz baixa.
A um canto distinguiu seu vulto. Parecia sentada sobre um objeto. Uma tímida luz foi sendo acesa aos poucos. Daniele apareceu-lhe em tons alaranjados, intensos, dando à sua pele um tom de cobre. Olhava-o profundamente. Vestida sumariamente. Fantasiava-se de fada, o pano fino, transparente, deixava à mostra os belos contornos. Não estava sentada sobre um objeto, encontrava-se dentro de um carrinho de supermercado.
Ele teve vontade de rir.
- E essa agora!
- O cavalheiro veio fazer compras? – a voz da mulher soou sensual.
- Depende, o que você está vendendo?
- Fantasias sexuais... – deixava que a língua umedecesse os lábios vermelhos e carnudos.
Ficou em pé sobre o carrinho. Ele temeu que ela caísse ou que o veículo se movesse. Somente então notou que estava firme, apoiado entre duas poltronas.
- O cavalheiro se interessa?
Aos poucos foi tirando a gravata. Desabotoou o colarinho e as mangas, enquanto caminhava na direção da diva. Em pé ela valorizava suas formas. Uma calcinha, provocante, se via sob a camada fina da vestimenta leve. Enfeitara-se com pulseiras, colares. O cabelo penteado. O corpo coberto por purpurina dourada.
Ele estava ofegante. Algo começou a embaralhar-lhe a vista. Tivera um dia de recuperação após o caos que varrera o mundo dos negócios naquela semana. Bush, Guerra do Iraque, crise do mercado americano, recessão, comodittes. A euforia do mercado, os milhões que girou ora perdendo, ora ganhando.
Daniele pareceu deformar-se à sua frente. Teve a impressão de que transmudava em um monstro vermelho, com cauda pontiaguda, chifres, tridente, presas e garras.
- Você quer que eu o ame? – o monstro exalava um odor de morte.
Afastou-se assombrado. A criatura saltou do carrinho e o segurou pelo pescoço erguendo-o até que sua cabeça tocasse no teto.
- O que foi, querido? Não gostou da surpresa? O monstro crava-lhe a outra mão rasgando-lhe o peito. Aproxima-o de sua boca e lhe dá um beijo. O corpo treme, sente uma aflição, falta de ar, uma profunda dor a contrair-lhe as entranhas.
Vendo-o tombar ela desce do carrinho e tenta, sem sucesso, reanimá-lo. Muito tarde. O monstro, a essa altura, carregava-o em seus braços fortes levando-o para uma viagem sem volta...

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