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sábado, 6 de outubro de 2012

Entre a depressão dos vales

Olhe bem para a vida e me diga: O que é a verdade? Há quantas andam os peregrinos que oscilam de verdade em verdade? O que a torna assim, verdadeira? O que a torna desejada e, muitas vezes, rancorosa? Seguindo os passos arrastados entre milhões de casacos sem cores, vejo faces pálidas e conformadas de quem um dia teve motivos para existir. Ouço um murmúrio saído de lábios entreabertos e observo lágrimas doces escaparem dos olhos em coma induzido. Os milhões rezam. Resumindo-se em misérias e migalhas do que sobrou do futuro alheio, os milhões sem cores rezam como se fosse sua mais sadia refeição.

O ditador mente. Dor contra a mente e a mente contra a dor. A dormência dos pés cansados não impede que a multidão siga os pedregulhos que lhe arrancam as unhas ensanguentadas. Nada segura a verdade enquanto esta predomina as constelações que guiam os cegos pelo labirinto. O fauno, faminto, engole um por um. Olhe bem para a luz piscando em seu horizonte e me explique: Quem a faz piscar? E por que quer tanto que cheguemos lá? O que nos espera?

O otimismo não deixa de ser uma visão acentuada, assim como o pessimismo não deixa de ser verdade. Enquanto uns aplaudem o nascimento, há quem se curve em uma cadeira e zele os preparativos para a própria morte. Embora o copo esteja sempre cheio, seja de ar ou água, há quem o esvazie em um gole para comemorar ou afogar as mágoas. A verdade é que não importa. Ao nascer, todos os milhões de peregrinos se tornam números. Todos, cabeça por cabeça, deixam de ser ilusões para se transformarem em estatísticas.

A verdade, na verdade, não existe. É apenas um conjunto matemático de encontros e desencontros. Acasos somados à coincidências. Fórmulas e impostos cobrados em troca da construção estreita que é a vida. Um vale que esconde o sol e mantém a multidão unida. Montanhas rochosas erguidas aos bandos para dar valor à depressão profunda que é caminhar igualmente entre tantos rostos similares. A verdade pintada aos arredores dos muros de contenção não explicita, jamais, que nossos horizontes tem todo o direito de serem verticais.

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