O admirador de Poirot em S. Paulo


Joaquim Bispo


Gentis senhoras, meus senhores, meu muito obrigado por terem vindo!

Talvez vocês não saibam, mas tenho estado a investigar a morte misteriosa do Sr. Roberto, que apareceu caído, justamente nesta sala da mansão. Toda a família considerou natural a morte, devido aos seus oitenta anos, e ao fato de estar em coma desde a Copa do Mundo, mas sua filha pediu-me que investigasse a morte, por suspeitas de crime.

Eu não sou policial, nem detetive; sou gamado em romance policial, pelo que conheço bem todo tipo de crimes e manhas dos criminosos.

“Você não vê filme policial? Certamente foi o mordomo!” – esclareci – mas ela disse que não havia mordomo. O caso complicava-se.

Ao visitar o local do crime, apercebi-me duma pequena mancha de umidade no chão, ali, naquele canto. Suspeitei logo que o criminoso tivesse ali vertido algumas gotas de um poderoso veneno com que matara o Sr. Roberto. Recolhi uma amostra e enviei-a para o laboratório. O resultado não foi animador: era urina de gato. O que o gato estaria a fazer aqui, justo nesta sala?

Perguntei então à menina Rosimeri por que ela suspeitava de crime. Ela me informou que havia um montão de familiares a querer pôr as mãos na fortuna do pai.

“O que diz o testamento?” – perguntei.

“Que eu herdo tudo!” – respondeu.

Então, eu a olhei nos olhos e a confrontei:

“Foi você, Rosimeri, não minta!”

Ela mostrou-se muito triste e chorosa por nem eu acreditar nela e foi então que trocamos o primeiro beijo. Não que me agradasse, mas era a maneira mais rápida de detetar se ela tinha manuseado alguma substância tóxica. Na verdade, tinha gosto de coca-cola, mas não liguei.

Concentrei-me, então, na vizinhança. Interroguei a vendedora da loja de flores, o senhor da farmácia, o carteiro. Todos disseram que não tinham visto nada, mas eu notei um ambiente de conspiração coletiva no ar. Claramente escondiam algo. Pedi, para a capital, informações sobre o Sr. Roberval da farmácia, que me vendeu absorventes, quando eu pedi bandeides. O informe dizia que, há vinte anos, ele tinha sido absolvido num caso duvidoso da morte dum corretor de seguros de vida, ao tomar aspirina. O caso começava a compor-se.

Informei, das minhas suspeitas, o delegado Robson, aqui presente, e, a partir daí, temos desenvolvido a investigação em conjunto; ou antes, eu sou muito mais perspicaz do que ele, pelo que estou sempre um passo à frente. Enquanto ele analisa uma faca encontrada atrás da mansão, já eu estou investigando a coleção de borboletas do falecido e encontrando lá uma Sphinx Morio, que só existe na China; quando ele chega à casa de chá, para interrogar a Sra. La Fei La, já eu acabei de examinar um álbum de fotografias de trinta anos atrás, que ela me mostrou, onde aparece o Sr. Roberto num piquenique abraçando a mãe do carteiro.

Neste momento, ainda ele pensa que este é um simples caso de assassínio a sangue frio, mas, pela minha intuição, já percebi que estamos perante um complexo caso de contornos misteriosos, que envolve o sobrinho Renan, que tem dívidas de jogo, o antigo empregado Ronaldo, que nunca perdoou ter sido rejeitado pela menina Rosimeri, o vizinho Reginaldo, que tinha uma inveja mortal das orquídeas que o Sr. Roberto cultivava, e a Sra. Renata com quem o defunto teve um caso amoroso trinta anos atrás. Mais o Sr. Roberval da farmácia e a Sra. La Fei La, claro. Por isso pedi a vocês para nos reunirmos nesta sala.

A primeira pista foi a descoberta de que todos seus nomes começam por R. Aparentemente, cada um apresenta um álibi credível, mas o mais insuspeito acabará caindo na armadilha das minhas perguntas e será desmascarado. E poderá sair incriminando vários outros. No final todos perceberão que a solução de um caso tão complicado só foi possível devido à perspicácia do meu olhar, à genialidade sistemática e racional do meu método de investigação e à sagacidade do meu interrogatório. Posso começar ou confessam já?

Comentários

  1. Bem, eu como fã de Poirot, nem preciso dizer que vi neste conto uma atmosfera pra lá de fiel.
    Engraçado é que comecei a ler sem olhar para o título. Já no fim do primeiro parágrafo, pensei: "Nossa, isto está tããão Aghata Christie!". Aí, fui ler o título...
    Só fiquei com vontade de saber quem matou...

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  2. Imagino que terá uma continuação, ou não, Joaquim?

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  3. Henry! Pensei a mesma coisa! Joaquim: está devendo.

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  4. Joaquim, sim senhora tem estilo e jeito, mas assim, apenas assim, curto e sem aqueles meneios que exigem que a gente saiba o tempo todo de que lado estava a cauda do gato quando a criada entrou na sala onde afinal se há-de, mesmo no final, confirmar que nem estava um gato,mas...
    policial nunca foi meu género e soube, tarde, que era o género dos muito inteligentes! paciência, há excepções que confirmam a regra...

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  5. Têm razão, como conto o texto está incompleto. Já apaguei a etiqueta “conto”.

    Este texto foi concebido como rábula de stand up comedy parodiando os clichês das histórias policiais. Antes e depois dos vossos comentários pus a hipótese de lhe acrescentar um final credível, mas vou mantê-lo fiel à conceção inicial. Mas fiz alterações no último capítulo.

    As minhas desculpas aos que, mesmo assim, se sintam defraudados.

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