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sábado, 4 de julho de 2015

Extinção em massa


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Um simpático leitor frequentador de livrarias na EA (Era Analógica). Fóssil encontrado no subsolo do edifício Marquês do Herval, no Rio de Janeiro

De 2011 para cá, mais de 80 livrarias fecharam...em Paris! E, como sinal do fim dos tempos, eis que, desta vez, é simplesmente a La Hune que encerra suas atividades na Saint-Germain. Estava lá desde 1949, fundada por Bernard Gheerbrant, e foi frequentada por mitos da intelectualidade francesa. Mais que isso: localizava-se em um endereço especial para os franceses, não só geográfico - acima de tudo, um endereço mental: no imaginário coletivo, um lugar de cultura do pós-guerra, habitado por seres como Boris Vain, Beauvoir, Sartre, Godard, Truffaut; demarcado por instituições como o Café de Fiore e o restaurante Deux Magots.

Conheci a La Hune. Ia muito, também, à Tschann, que ainda está em funcionamento, sabe-se lá até quando.

No Brasil, as coisas não são muito diferentes: depois da Livraria Leonardo da Vinci, icônica para a cidade, fecha também a Saraiva do Village Mall, o shopping classe AAA do Rio. O argumento é devastador: devido à crise mundial (aquela que só nos atinge), as pessoas não têm dinheiro - sem falar que o livro é caro.

Talvez seja por isso que o shopping pretenda chamar em seu lugar uma loja mais simples, com mais atrativos para a classe C - a Dolce & Gabbana. Na crise europeia, os portugueses mergulharam nos livros (ainda que as coisas não estejam boas para o mercado editorial na Espanha, por exemplo). Na crise brasileira, mergulhamos na Dolce & Gabbana.

Depois dessa notícia, percebi que sou um elitista, esnobe e arcaico brasileiro que não se conforma com a ascenção da nova classe. Não entendo nada de distribuição de renda. A D&G, sem dúvidas, é mais voltada para as classes trabalhadoras ascendentes...

Já a Leonardo da Vinci oferecia, na Era Analógica, livros em pesetas, francos, libras; coleções da Dover, Librio, Folio, Livre de Poche etc. Na época de um estranho e inexplicável "dólar-livro", eles ofereciam um catálogo quase infinito e, se por alguma razão não possuíssem o livro, encomendavam para o comprador.

Hoje, leio que os sebos também enfrentam dificuldades. A Livraria Marins anunciou esta semana que está encerrando suas atividades, para se concentrar no comércio eletrônico. Situada na Praça Tiradentes, local de boemia, intelectualidade, seu fechamento é mais uma prova do empobrecimento intelectual. É a descaracterização de um espaço da cidade.

O que caracterizará, então, a Praça Tiradentes carioca, pergunta você. 

A coisa pela qual a Praça Tiradentes ficará na memória de todos, agora, é pelo fato de possuir, em seu centro,  a estátua equestre de Dom Pedro I. 

É a extinção em massa da Era Analógica.


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Fabio Bensoussan
Nasceu no Rio de Janeiro (1973) e hoje mora em Belo Horizonte, com sua esposa e os dois filhos. É procurador da Fazenda Nacional e recentemente começou a escrever contos e a traduzir textos literários.
todo dia 04


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