Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

domingo, 4 de maio de 2008



O Episódio Humano na prosa em verso de Cecília Meireles


por Marcia Szajnbok







“Parece que estive desejando alguma coisa longamente... O quê? E estou desejando ainda... – um pouco de sol sobre a minha vida, qualquer coisa luminosa, qualquer coisa... Ai de mim. Não sei mais.”

Foi pelos versos de uma edição ilustrada de Ou Isto ou Aquilo, de Cecília Meireles, que descobri o universo da poesia. Tinha, então, nove ou dez anos. Depois, ao longo da adolescência, viajei horas a fio a bordo de sua Poesia Completa, numa edição em papel bíblia da Nova Aguillar, que ficava permanentemente em minha mesinha de cabeceira. Que Cecília Meireles também escrevia prosa, só vim a descobrir já adulta, lendo algumas de suas crônicas publicadas pela Nova Fronteira. Impressionante sua capacidade de transitar entre estilos e temas os mais diversos, mantendo sempre coerente a qualidade impecável dos textos. Impressionante também o volume de sua obra que, à medida que o tempo passa, e os problemas relativos aos direitos autorais de seus herdeiros vão sendo resolvidos ou contornados, revela-se cada vez maior. Fruto desse desembaraço jurídico que pôs nas mãos de Alexandre Carlos Teixeira e Ricardo Strang, netos da autora, a decisão por maioria quanto ao destino de seu acervo, é a publicação de Episódio Humano, pela Desiderata em 2007.
Episódio Humano traz uma coleção de textos escritos e publicados em O Jornal, entre 1929 e 1930, no Rio de Janeiro. Esse material inédito em livro, já organizado e apresentado pela própria Cecília Meireles, estava guardado na biblioteca do casarão onde morou, no bairro do Cosme Velho. O editor nos apresenta a obra como um conjunto de crônicas. Mas, quem debruçar-se na leitura deste livro a espera de textos que tragam uma reflexão sobre aspectos do cotidiano carioca dos anos 30 vai surpreender-se radicalmente.
Cecília Meireles nos traz crônicas de seu mundo interno. “Nelas está minha vida, em toda a sua pureza, numa fase amargurada de construção. (...) Hoje, eu apenas falaria, talvez, com menos palavras. Mas é porque na verdade, já foi usada a minha voz. Naquele tempo, ela acordava com espanto: como o grito dos feridos recentes". É assim que a autora nos convida a percorrer textos onde transbordam emoção, reflexões sobre o amor, a vida e a morte, a dor, a existência. Não é um livro para ser devorado. Antes, um desses volumes para se trazer junto de si e, de quando em quando, abrir para degustar algumas páginas. Há frases primorosas, que nos fazem orgulhosos deste nosso idioma tão cheio de potencialidades estilísticas. Há apreensões sutis e precisas de aspectos do humano, que pareceriam banais a olhos menos aguçados. Há, enfim, um retrato, ou uma radiografia, da alma de uma mulher em contato permanente com a substância viva que a constitui. Uma leitura para se fazer sozinho, no silêncio, permitindo que a alma se identifique com as palavras de cada página. Um livro para se namorar.





Editora: Desiderata


Ano: 2007


Edição: 1


Número de páginas: 176


ISBN 978-8599070-52-9

Share




0 comentários:

Postar um comentário