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domingo, 18 de maio de 2008

Paradise, my ass!


Henry Alfred Bugalho

O brasileiro parece possuir uma atração mórbida pela violência, ou melhor, esta é uma peculiaridade do ser humano — este fascínio pela desgraça —, mas em rodinhas de brasileiros isto se torna ainda mais manifesto. É quase impossível o assunto não surgir quando um ou mais brasileiros se reúnem.
Não podemos negar que isto se deve ao estado calamitoso de segurança pública do país. Qualquer pessoa que habite grandes centros urbanos, seja São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, e em até cidades que já foram consideradas como exemplos — Curitiba é uma delas —, a violência faz suas vítimas.
Quem ainda não foi assaltado, ou foi pego em meio a tiroteios, ou conheceu alguém que foi baleado, ou vítima de seqüestro-relâmpago, ou de qualquer outro tipo de ato criminoso, atire a primeira pedra.
E isto se projeta na mídia, no cinema, na literatura, na música.
A violência se tornou parte da vida cotidiana do brasileiro, assim como o desemprego, ou a dividazinha teimosa que consome as economias no fim do mês, ou como as epidemias de dengue no verão, ou a corrupção dos políticos. Talvez, para muitos, um Brasil sem violência é quase inconcebível, inimaginável.
Por ser um brasileiro no exterior, comumente acabo me deparando com perguntas curiosas sobre o Brasil. Sem dúvida, a grande imagem que estrangeiros possuem do país é a do carnaval, das praias, do futebol e da bossa-nova, esta última ignorada pela maioria dos brasileiros, mas idolatrada pelos gringos.
Não há como escapar destas perguntas, deste mito carnavalesco criado em torno do Brasil e, como brasileiro que se preza, minha resposta acaba sendo:
“É, o Brasil é bonito mesmo, mas muito violento”.
E esta é uma constatação assombrosa para os estrangeiros, pois violência para eles é algo comparável à guerra de Iraque. Quando eles descobrem que, no Brasil, morrem mais pessoas ao ano do que em guerras, ninguém acredita. Pensam que é alguma ojeriza pessoal minha, que eu é que sou um indivíduo antipatriota.
Há algumas semanas, numa conversa com um dramaturgo americano, surgiu esta discussão e ele retrucou, espantado:
— Nossa, sempre imaginei que o Brasil fosse um paraíso! Você não está exagerando?
Isto me fez ponderar. Estaria eu exagerando?
Fiz uma busca na internet, e a minha conclusão foi assustadora. Para não ficar enchendo-o com índices de mortes violentas e números de assassinatos, basta saber que, ao compararmos a maior cidade dos EUA — Nova York —, com a maior cidade brasileira — São Paulo —, o número de assassinatos chega a ser 20 vezes maior na “Terra da Garoa” do que na “Big Apple”, ou seja, estamos falando duma proporção de oitocentos para dezesseis mil assassinatos ao ano. Se extrapolarmos estes índices nacionalmente, podemos, com tranqüilidade, considerar o caso brasileiro como de calamidade pública.
Foram justamente estes dados que apresentei ao tal dramaturgo numa conversa posterior.
— Engraçado, uma amiga minha ficou uma semana no Rio de Janeiro e me disse que não é nada disto! — foi a resposta dele.
De fato, acho que ele tinha razão, uma semana é bastante tempo para se conhecer todas as mazelas e problemas dum país com vários milhões de habitantes, com a maior extensão territorial da América Latina.
Se o meu interlocutor não fosse um senhor de quase oitenta anos, acho que eu incorporaria o bordão da juventude americana e encerraria o diálogo com:
— Paradise, my ass!
Que, em bom e politicamente correto português, seria: “paraíso, uma ova!”
Pelo menos, esta afirmação minha se fundaria numa experiência um pouco mais longa de que uma semana...

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