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sábado, 10 de novembro de 2012

Versos Simples



José Martí
trad.: Henry Alfred Bugalho

Eu sou um homem sincero
De onde cresce a palma.
E antes de morrer quero
Extrair meus versos da alma.

Eu venho de todas as partes,
E a todas as partes vou:
Arte sou entre as artes,
E nos montes, monte sou.

Eu sei os nomes estranhos
Das ervas e das flores,
E dos mortais enganos,
E de sublimes dores.

Eu vi na noite escura
Chover sobre minha cabeça
Os raios de luz pura
Da divina beleza.

Asas vi nascer nos ombros
Das mulheres graciosas:
E sair dos escombros,
Voando as mariposas.

Vi viver um homem
Com o punhal ao costado,
Sem dizer jamais o nome
Daquela que o havia matado.

Rápida como um reflexo,
Duas vezes à alma vi, duas:
Quando morreu o pobre velho,
Quando ela me disse adeus.

Tremi uma vez - na relha,
Na entrada da vinha, -
Quando a bárbara abelha
Picou na fronte minha menina.

Gozei uma vez, de tal sorte
Que gozei como nunca: quando
A sentença de minha morte
Leu o alcaide chorando.

Ouço um suspiro, através
Das terras e do mar,
E não é um suspiro. É
Que meu filho vai despertar.

Se dizem que do joalheiro
Tome a jóia melhor,
Tomo a um amigo sincero
E ponho de lado o amor.

Eu vi a águia ferida
Voar no azul sereno,
E morrer em sua guarida
A víbora do veneno.

Eu sei bem que quando o mundo
Cede, lívido, ao descanso,
Sobre o silêncio profundo
Murmura o arroio manso.

Eu pus a mão ossuda
De horror e júbilo hirta,
Sobre a estrela apagada
Que caiu frente a minha porta.

Oculto em meu peito bravo
A pena que me fere:
O filho de um povo escravo
Vive por ele, cala e morre.

Tudo é bonito e constante,
Tudo é música e razão,
E tudo, como o diamante,
Antes de luz é carvão.

Eu sei que o nécio se enterra
Com grande luxo e grande pranto, -
E que não há fruto na terra
Como o do campo-santo.

Calo, e entendo, e me quito
A pompa do rimador:
Prendo a um arbusto murcho
Minha capa de doutor.

José Martí
(Havana, 28 de janeiro de 1853 — Dos Ríos, 19 de maio de 1895) foi um político, pensador, jornalista, filósofo, poeta e maçom cubano (iniciado em 1871 no Grande Oriente Lusitano Unido, actual Grande Oriente Lusitano), criador do Partido Revolucionário Cubano (PRC) e organizador da Guerra de 1895 ou Guerra Necessária. Seu pensamento transcendeu as fronteiras de sua Cuba natal para adquirir um caráter universal. Em seu país natal, também é conhecido como «El apóstol».
Filho de pai espanhol e mãe natural das Ilhas Canárias, José Martí foi o grande mártir da Independência de Cuba em relação à Espanha. Além de poeta e pensador fecundo, desde sua mocidade demonstrou sua inquietude cívica e sua simpatia pelas ideias revolucionárias que gestavam entre os cubanos.
Influenciado pelas idéias de independência de Rafael Maria de Mendive, seu mestre na escola secundária de Havana, iniciou sua participação política escrevendo e distribuindo jornais com conteúdo separatista no início da Guerra dos Dez Anos. Com a prisão e deportação de seu mestre Mendive, cristalizou-se a atitude de rebeldia que Martí nutria contra a dominação espanhola.
Em 1869, com apenas dezesseis anos, publicou a folha impressa separatista "El Diablo Cojuelo" e o primeiro e único número da revista "La Patria Libre". No mesmo ano, passou a distribuir um periódico manuscrito intitulado "El Siboney". Pouco depois, foi preso e processado pelo governo espanhol por estar de posse de papéis considerados revolucionários. Foi condenado a seis anos de trabalhos forçados mas passou somente seis meses na prisão. Em 1871, com a saúde debilitada, sua família conseguiu um indulto e obteve a permuta da pena original pela deportação à Espanha. Na Espanha, Martí publicou, naquele mesmo ano, seu primeiro trabalho de importância: "El Presidio Político en Cuba", no qual expôs as crueldades e os horrores vividos no período em que esteve na prisão. Nesta obra, já se encontravam presentes o idealismo e o estilo vigoroso que tornariam Martí conhecido nos círculos intelectuais de sua época. Mais tarde, dedicou-se ao estudo do Direito, obtendo o doutorado em Leis, Filosofia e Letras da Universidade de Saragoça em 1874.
Em 19 de maio de 1895, no comando de um pequeno contingente de patriotas cubanos, após um encontro inesperado com tropas espanholas nas proximidades do vilarejo de Dos Ríos, José Martí foi atingido e veio a falecer em seguida. Seu corpo, mutilado pelos soldados espanhóis, foi exibido à população e posteriormente sepultado na cidade de Santiago de Cuba, em 27 de maio do mesmo ano.

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