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sábado, 17 de novembro de 2012

I
Eu sou o amor, dele.



II
Dele, que endereça palavras para mim. Dele, que, quando quer amor, sou a quem ele se dirige. Dele, que pensa em mim. Dele, que me ama. Retribuo com igual intensidade tudo o que ele faz. Não sinto vergonha em dizer dele, que é o meu homem; deito na cama dele e toda ela já é normal, como se fosse minha. Sorrio com o jeito atrapalhado, excessivo, dele. Sei pouca coisa de antes, só sei, dele, depois de mim.



III

Tenho a chave da casa dele e carrego-a com certeza. A chave, dele, fica junto das minhas chaves (ele sabe o que cada uma abre). Eu amo ele. Já amei outros mas amá-lo tem outro significado. Há vezes em que ele é confuso, outras, correto. Eu sei ouvi-lo, sei falar com ele. Ele escuta o que eu digo.



IV

Ele me ama. Ele beija meu rosto. Ele o cobre com beijos, dele; tenho de aguardar ele terminar. Ele demora. Ele gosta de tocar em mim. Ele demora tanto que eu durmo, não por tédio; por ele descansar minha cabeça. Durmo um sono pesado, de sonhar longe. Acordo com a presença dele, de seu corpo, descansado por ter tocado em mim. Descansada pelas mãos, dele, viro para ele, e amo.



V

Fazemos companhia um para o outro. Dele, eu tenho um adversário feroz, que não deixa eu ganhar. Só se eu ganhar com mérito, dele. Ele não gosta. Da mesma maneira que ele gosta de me vencer. Ele provoca sem parar e eu discuto as ideias, dele, e as minhas. Algumas vezes chegamos ao consenso; outras, peço com ênfase para que ele se cale. Seus argumentos seguem certa linha e é fácil reconhecer, as opiniões, dele.



VI

Quando quero conversar, ele escuta, pergunta as coisas para mim, ele dá palpites. Ele elogia meus cabelos, minhas roupas, ele quer sempre que eu esteja bonita, não só para ele, mas, para mim, mesmo.



VII

Nos esbarramos, nos trombamos, nos acotovelamos, nos abraçamos. Meu corpo bate com o corpo, dele. Por mais que ele toque em mim, dizendo que sabe do meu corpo, com afirmação, seu corpo, bem assim, está decorado por mim. No pé direito ele tem uma marca. Na mão direita, outra. Eu conheço-as, dele.



VIII

Ele gosta de sair, beber cerveja. Ele gosta de dançar, mesmo mal. Ele insiste para que eu dance com ele. Eu danço, dançamos razoavel-mente. Ele ouve música, ele sempre está ouvindo música, sempre alto. Tenho de abaixar o volume para conversar com ele. Ele tem livros, vários livros. Ele faz questão que eu os pegue emprestados. Dias depois ele começa a cobrar pelos livros. Quer saber se eu os li, o que eu achei, quando vou devolver. Sem eu pedir ou esperar, ele declama poemas, para mim.



IX

Ele também fica em silêncio. Às vezes ele acorda assim. Ele não fala muito durante o dia. Pergunto se ele está bem, o que aconteceu. Ele responde que só está quieto. Ele fica sem falar muito, ele não me abraça o tanto que abraça. Mas eu sei como proceder. Logo ele vem para ficar comigo. Basta apenas um toque, nele, e aos poucos, ele devolve, o que é, para nós.

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Rafael F. Carvalho
Autor do livro A Estante Deslocada, é paulistano, nascido em 27 de Fevereiro de 1978. Foi publicado em antologias de novos escritores e em jornais universitários, e é formado em Letras pela Universidade de São Paulo.


todo dia 17


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