Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

As Amaranthas




Quando ainda não nos preocupávamos em conter o tempo em ampulhetas, caos e ordem se imbricavam na tessitura do mundo que, por isso, ainda cabia na Poética-palavra do Primeiro Criador. Hoje, porém, as palavras sussurram entre si, segredando, a falibilidade da pretensa Ordem imposta pelos aparatos tecnocratas dos Elfos Menores e eu, que as ouço dizer, devo contar a você.

Elfos Menores têm um vazio em forma de sensatez: toda vez que os dentes de um Vampiro cravam em um pescoço élfico, para levá-lo da vida à não-vida, nosso mundo se confunde com o dos Vampiros – perdemos um Nobre para ganhar um nobre-amaldiçoado.

Criaturas feitas do caos na união de extremos dicotômicos, valeram-se dessa intimidade para controlá-lo pela ordenação em tempo-palavra: diz-se que escondido no espaço que há entre as palavras e as coisas, construiu pequenas máquinas capazes de sonhar uma ordem e impô-la ao mundo.

São ampulhetas cujos grãos, que na inércia se ordenam, retornam ao caos e se reorganizam conforme a dança de quem as sacode: suspensos os limites entre-coisas, mergulham o mundo numa correnteza sem-tempo em que as coisas se confundem, indefiníveis, para com sua força defini-las.

Dizem, em palavras que só o vento pode levar, que são quatro as ampulhetas que, com sua força, são capazes de mover o tempo: chamamo-las de Amaranthas. Quatro para um equilíbrio perfeito; quatro para que se mude o tempo sem deixar memória...

Na ausência de uma das ampulhetas, falhas se espalham pelo plano, e ele pode ser percebido, tal qual o vidro-trincado que se deixa perceber. Três ampulhetas desequilibram um círculo cuidadosamente planejado e arquitetado. Duas ampulhetas nada fazem sem que os olhos Maiores os vejam. E uma ampulheta nada mais é do que uma ampulheta. Quatro ampulhetas: uma para cada Raça Maior, ou as quatro para um único Elfo Menor. O que as Amaranthas mudam, uma Amarantha retoma. Se são quatro, a ampulheta maior. Se forem três, a ampulheta errante. Se forem duas, a errante maior.

Resolvemos confiar as Amaranthas a almas boas de elfos preparados e escolhidos pelo próprio Conselho Supremo, autoridade maior entre os elfos; quatro, um da cada Raça Maior élfica, para guardar, controlar e utilizar, caso fosse preciso, as Amaranthas.

Eis que fora criada ‘A Ordem das Amaranthas’: de 49 em 49 anos, os representantes sacerdotais de cada uma das quatro grandes linhagens élficas se encontrariam para atualizar o tempo divino no mundo pela apresentação dos escolhidos para os Endeusados e para os demais sacerdotes.

Deixaríamos os anos passarem sem que os demais habitantes de Nea conhecessem a existência dessas ampulhetas, porque poderiam ambicioná-las, ou enlouquecer sobre a idéia incontestável de que não passavam de fagulhas de caos ordenadas ao sabor de quem as pode dominar.

Fechou-se, então, um contrato entre os céus e os sábios Elfos, que se comprometeram a controlar essa maldição. Esconderíamos as quatro ampulhetas, para que aos Elfos Maiores coubesse usá-las; e torceríamos para que as usassem com sabedoria, ou que, com mais sabedoria ainda, não as usassem. Mas não foi bem assim que as coisas fluíram...

Share




3 comentários:

Tem continuação, Sheyla?

Achei muito interessante a opção por uma linguagem mais rebuscada para um texto infanto-juvenil. Quem foi que disse que temos de nivelar por baixo o tempo todo?

Parabéns!

Assim como o Henry, achei interessante a linguagem utilizada. Bonito!

Muito, muito bacana, Sheyla! Quiero hablarte sobre esse universo, de elfos, caos e tempo. Assim como a Simone, você tem um estilo muito característico, pendendo para a prosa poética. Em Fantasia, eu sou muito "travado", afeito aos clássicos (leia-se Tolkien), cheios de conflitos, de fundamentos históricos, de batalhas e coisas épicas. Nos textos da Simone e da Juliana, e também neste "As Amaranthas" da Sheyla, notei uma leveza diferente da narrativa de Fantasia "de menino". E também, uma vaguidão, uma efemeridade, uma evanescência, um onirismo, uma fluidez na escrita, traduzindo na expressão, na feitura do texto o próprio conteúdo.

Bacana mesmo. Parabéns para nossas estreantes, Simone e Sheyla, e parabéns para a Ju, que me surpreende sempre.

Esta edição será uma das melhores dos últimos tempos.

Postar um comentário