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terça-feira, 18 de agosto de 2009

Adolescentes (não) lêem

Marcia Szajnbok e Amanda Szajnbok de Faria
Adolescentes não lêem. Essa frase feita era repetida há trinta anos, quando a suposta culpa pelo afastamento dos jovens das páginas literárias era a televisão. As décadas foram passando e a tecnologia se sofisticou. Hoje, quem está no banco dos réus são os jogos eletrônicos, o computador, a internet, os chats.
Quando me deparo com esse tipo de afirmação, adolescentes não lêem, sempre me pergunto de quais adolescentes, afinal, estão falando. Por que nós todos, adultos que agora escrevemos e lemos esta e outras revistas literárias, e que produzimos blogs ou participamos de oficinas, nós já fomos também, há mais ou menos tempo, adolescentes. E líamos.
Além disso, nos últimos anos, a literatura mundial conheceu um fenômeno chamado Harry Potter que, a despeito de quaisquer discussões que questionem seu valor como obra literária em si, teve o grande mérito de conduzir milhares de jovens em todo mundo às portas das livrarias para, ávidos, comprarem o mais novo volume da série. Esse fenômeno, pude observá-lo de perto, não como leitora, mas como mãe de leitores. E, a propósito do tema, dei a palavra a uma dessas milhares de criaturas sub-vinte que, contrariando preconceitos, lê sim, lê bastante, aliás, e tem o que dizer acerca do que lê. Em resposta à minha pergunta, o que é que te faz ficar interessada num livro?, minha filha me entregou um texto, que reproduzo aqui:

Quando se trata de literatura juvenil, o primeiro livro que me vem à cabeça é o famoso Harry Potter. O bruxinho tem sua história contada em sete livros e conquistou fãs no mundo todo. Um dos aspectos mais interessantes do personagem é que Harry não é o mocinho, tem suas falhas e seus lados obscuros e isso o torna mais real. Além disso, J.K. Rowling soube equilibrar romance e experiências adolescentes comuns com um pouco de aventura, que nos deixa com vontade de saber o que vai acontecer com o bruxinho e seus amigos. E é possível interpretar o texto de inúmeras maneiras, escolhendo pra quem torcer: Harry ou Voldemort. É interessante o fato de que o bem e o mal não estejam tão fortemente separados. J.K. Rowling criou um garoto normal, mas venceu o mal com ele.
Por outro lado, Crepúsculo e seus sucessores têm a linha entre bem e mal bastante clara, até que se apresenta um vampiro que se apaixona por uma humana. A história cativou várias garotas ao redor do mundo por causa do romance impossível e do conflito interno de Edward, o ser aparentemente perfeito. Stephanie Meyer colocou um pouco de aventura, mas o assunto que mais arrecadou fãs foi, com certeza, o vampiro que queria ser bom. Milhares de garotas se apaixonaram por Edward e não perderam um livro da saga. A história prende porque a autora soube trabalhar o mistério e a sensualidade em sua história muito bem.
Existem também os vários diários que atraem outras milhares de garotas que de alguma forma se identificam com a personagem que relata sua vida para as leitoras. Em Diário da Princesa, Diário de Débora, Diário de Tati etc., durante toda a história, a personagem principal passa por momentos desagradáveis, comuns a todas as jovens, mas no final ela acabará encontrando uma solução, cresce, amadurece e aí o livro acaba. Para todas que fazem essa leitura, existe aquela esperança de que seus próprios problemas tenham solução, é um tipo de terapia.
O último dos livros juvenis que vale a pena comentar é a coleção Desventuras em Série. O livro é divertido de ler, é escrito como se um pesquisador contasse a história infeliz dos três órfãos; mas, de alguma forma, ele está relacionado com o que acontece, e quando se lê, se começa a questionar a relação entre Lemony Snicket e a história exageradamente trágica dos três irmãos, como se o escritor fosse um dos personagens. No meio das aventuras há memórias e alguns delírios do personagem-escritor, e só mais perto do fim é que se consegue conectar tudo. Os onze livros prendem a atenção, e cada vez que um acaba não se pode esperar para ler o próximo. Nesses livros, o aspecto de Mocinhos versus Bandidos, assim como em Harry Potter, não é tão claro. É mais fácil acreditar e se envolver em histórias onde não há a perfeição, onde existem os dois lados da moeda, e é principalmente por isso que o livro dá aquela sensação de que não se consegue largar dele, e só se percebe que horas são ao ver o sol bater na janela!

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4 comentários:

Muito melhor é ouvir a opinião de uma jovem (leitora) do que presumir que saibamos o que faz de um livro infanto-juvenil atraente.

É excelente desmitificar que a leitura seja um processo em extinção - boato que ecoa em todo o canto.

Também conheço crianças muitas, entre 7 e 12 anos, que são "devoradoras de livros", assim como eu o fui e certamente muitos antes de mim.

Resta-nos questionar o porquê deste boato se manter vivo, atravessando tantas gerações de leitores.

Parabéns às autoras!

Muito legal, Marcia e Amanda.

Está aí uma prova de que estamos sempre subestimando os nossos leitores (ou dos outros).
Eles sabem muito bem do que gostam, como querem se ver retratados na literatura e o que funciona para eles enquanto leitores.

Se os escritores ouvissem um pouco o que pensam os leitores, acredito que a comunicação seria muito melhor.

Também fui devoradora de livros e ainda hoje a leitura para mim, além de ser imensamente prazerosa, é uma importantíssima fonte de conhecimento. Acredito que o "mito da não-leitura" tem a ver com um outro mito segundo o qual os adolescentes não se preocupam com coisas sérias: só querem beijar na boca, ir a festinhas, ouvir música e, nos dias de hoje, conversar nos "chats". Tenho duas enteadas adolescentes e, pelo menos, a mais velha mostra que se preocupa com "coisas sérias", e lê bastante. Penso que generalizar é sempre perigoso e, além disso, a adolescência é uma fase da vida em que estamos "descobrindo o mundo" e aprendendo a nos relacionar. É natural que o conteúdo das leituras, muitas vezes, não seja tão profundo quanto se esperaria. Mas é da fase... É bem provável que um adolescente que goste de ler, no futuro, seja um cidadão mais consciente e crítico do que aquele que não lê.

Um abraço.

Francine

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