Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Criança tem cada uma...

(Maristela Scheuer Deves)

Fofinhas, bonitinhas, sapecas, espertas... Vivemos rotulando as crianças que conhecemos, sem nos darmos conta, no entanto, de que não as conhecemos tão bem assim - quando menos esperamos, lá vêm elas a nos surpreenderem.
Tomo como exemplo os meus sobrinhos, Rafael e André. Rafa, o mais velho, agora já tem 17 anos, mas quando pequeno sempre teve tiradas de deixar a todos com a boca aberta. Certa vez, quando eu fazia faculdade em Santa Maria ele devia estar com seus quatro ou cinco anos , liguei para minha mãe e ela me contou a mais recente aventura do neto: enquanto meu cunhado fazia compras em um mercado, ele pediu licença para brincar com a priminha que morava ao lado. Quando o Alemão foi buscá-lo, surpresa, o Rafael não tinha sequer aparecido lá.
Procura daqui, procura dali, de repente teve a inspiração de olhar dentro de um ônibus que saía rumo ao interior do município. E lá estava, sentado quietinho no último banco, o Rafael. Mesmo com a bronca, nada de ele dizer o que fazia ali. No outro dia, o pequeno foi passear na avó, e de repente largou: "Ontem peguei o ônibus para ir na tia Téia." Estava explicado: depois de me acompanhar várias vezes à rodoviária, ele sabia que eu entrava num ônibus para ir a Santa Maria, e julgou que, embarcando em um, chegaria até mim!
Anos depois foi a vez do André, hoje com 14 e na época com seis anos, fazer algo parecido. Quando fui me despedir dele para viajar, no final das férias, nem me deu bola, emburrado. Meu pai, que me acompanharia, teve o mesmo tratamento. Uma semana depois, soube que, depois de o carro já ter dobrado a esquina, ele caminhou até a casa próxima, olhou para trás, onde estavam minha mãe, minha irmã e o Rafa, e desatou numa corrida desenfreada pela rua. Ao ser alcançado, três quadras adiante, contou que "estava indo buscar o vovô e a tia Téia de volta."
O vocabulário desses danadinhos também é algo digno de análise. Aliás, quando o Rafa era pequeno, cheguei a fazer um "dicionário" de suas palavras. 'Vavau' era cachorro (afinal, eles fazem 'vau-vau'...). 'Teta' era mamadeira, mas também servia para designar a avó onde ele buscava leite e a priminha que ali morava (e que odiava ser chamada assim). Mas o mais engraçado foi quando ele resolveu falar apenas a primeira sílaba de cada palavra. 'Prato' virava 'pra', 'mesa' virava 'me', e assim por diante. E nós que adivinhássemos o que ele queria dizer.
Um dia, quando o André era bebê, chegou o Rafa lá em casa. "E o maninho?", indagou minha mãe. "O pá tá fá pê dô", respondeu ele. "O quê?", espantou-se minha mãe. "O pá tá fá pê dô", tornou. Somente depois de repetir várias vezes e ver que não tinha jeito de a avó entender, é que ele resolveu explicar, ressaltando as sílabas: "Mas vovó, eu já disse que o pa(i) tá fa(zendo) o pe(queno) do(rmir)!"

Share


Maristela Scheuer Deves
Jornalista por formação e escritora por vocação. Atua como editora assistente de Variedades no jornal Pioneiro, de Caxias do Sul/RS, em cujo site também mantém o blog Palavra Escrita, voltado ao mundo dos livros. Escreve desde que consegue se lembrar, e atualmente prepara para publicação seu terceiro livro, o infantil "Os Deliciosos Biscoitos de Oma Guerta", contemplado pelo Financiarte. De sua autoria, já estão nas livrarias o romance policial "A Culpa é dos Teus Pais" e o infanto-juvenil "O Caso do Buraco".
todo dia 19


0 comentários:

Postar um comentário