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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Como o camelo ganhou sua corcova

Rudyard Kipling
trad.: Henry Alfred Bugalho

Agora esta é a próxima história, de como o camelo ganhou sua grande corcova.

No começo dos anos, quando o mundo era ainda novinho em folha, e os animais ainda estava começando a trabalhar para o Homem, havia o camelo, e ele vivia no meio de um uivante deserto, porque ele não queria trabalhar; e, além disto, ele próprio berrava. Então, ele comia gravetos, espinhos, tamariscos, asclépias e acúleos, numa excruciante ociosidade; e quando alguém falava com ele, simplesmente respondia "Uma ova!" Apenas "Uma ova!", e nada mais.

Depois, o cavalo veio até ele, numa manhã de segunda-feira, com uma sela sobre suas costas e com um freio na boca e disse:
— Camelo, ó Camelo, venha e trote como o resto de nós.
— Uma ova! — disse o camelo; e o cavalo foi embora e contou ao Homem.
Depois, o cão veio até ele, com um graveto na boca, e disse:
— Camelo, ó camelo, venha, apanhe o graveto e o carregue como o resto de nós.
— Uma ova! — disse o camelo; e o cão foi embora e contou ao Homem.
Depois, veio o boi até ele, com o jugo em seu pescoço e disse:
— Camelo, ó camelo, venha e lavre como o resto de nós.
— Uma ova! — disse o camelo; e o boi foi embora e contou ao Homem.

No final do dia, o Homem chamou o Cavalo, o Cão e o Boi e disse:
— Os três, ó vocês três, sinto muito por vocês (com o mundo tão novinho em folha). mas aquela coisa-de-uma-ova no deserto não consegue trabalhar, ou ele já estaria por aqui, então vou deixá-lo em paz, e vocês devem fazer hora-extra para compensá-lo.

Isto deixou os três muito bravos (com o mundo tão novinho em folha), tiveram um longo circunlóquio, e uma indaba, e um punchayet, e um pow-wow num canto do deserto; e o Camelo veio, mascando asclépia na mais excruciante ociosidade, e riu deles. Então, ele disse “Uma ova!" e foi embora de novo.

Depois, apareceu o gênio encarregado de todos os desertos, deslizando sobre uma nuvem de poeira (gênios sempre viajam deste jeito, porque é mágica), e parou para circunloquiar e pow-powar com os três.
— Gênio de Todos os Desertos — disse o Cavalo — é correto alguém ser ocioso, com o mundo tão novinho em folha?
— Certamente que não — disse o Gênio.
— Bem, — disse o Cavalo — há uma coisa no meio de seu Deserto Uivante (e ele próprio berra) com um pescoço longo e com pernas longas, e ele não fez uma tentativa de trabalhar desde a manhã de segunda-feira. Ele não trota.
— Uau! — disse o Gênio, assoviando — este é o meu Camelo, por todo o ouro da Arábia! O que ele responde?
— Ele diz “Uma ova!” disse o Cão; e ele não apanha o graveto nem o carrega.
— Ele diz alguma coisa a mais?
— Apenas “Uma ova!”; e ele não lavra — disse o Boi.
— Muito bem — disse o Gênio. Vou ová-lo, se vocês gentilmente aguardarem um minuto.

O Gênio subiu na sua manta de poeira, atravessou o deserto e encontrou o Camelo na mais excruciante ociosidade, fitando o próprio reflexo numa poça d’água.
— Meu amigo comprido e ruminante — disse o Gênio — o que é isto de não querer trabalhar, com o mundo novinho em folha?
— Uma ova! — disse o Camelo.

O Gênio se sentou, com o queixo apoiado na mão, e começou a pensar numa Grande Mágica, enquanto o Camelo fitava o próprio reflexo numa poça d’água.

Esta é a imagem do Gênio fazendo o princípio da Mágica que trouxe a corcova para o Camelo. Primeiro, ele desenhou no ar uma linha com seu dedo, e ela se tornou sólida: E então ele fez uma nuvem, e então ele fez um ovo — você pode ver a ambos na parte inferior da figura — e então uma abóbora mágica que virou uma grande chama branca. Então o Gênio pegou seu leque mágico e abanou a chama, até que a ela se tornasse uma mágica por conta própria. Era uma mágica boa e, na verdade, era uma mágica muito gentil, apesar de ela ter dado ao camelo uma corcova porque o camelo era preguiçoso. O Gênio encarregado de todos os desertos era um dos gênios mais legais, então ele nunca faria algo realmente cruel.


— Você deu trabalho extra aos três desde a manhã de segunda-feira, tudo por causa da sua excruciante ociosidade — disse o Gênio; e ele continuou pensando em mágicas, com seu queixo apoiado na mão.
— Uma ova! — disse o Camelo.
— Eu não diria isto novamente se fosse você — falou o Gênio — você já disse isto demais. Ruminante, quero que você trabalhe.
E o Camelo disse “Uma ova!” de novo; mas assim que o disse, ele viu suas costas, das quais tinha muito orgulho, inchar e inchar numa grandessíssima ova saliente.

Esta é a imagem do Gênio encarregado de todos os desertos, conduzindo a mágica com seu leque mágico. O camelo está comendo um ramo de acácia, e ele havia acabado de dizer “uma ova” vezes demais (como Gênio o havia dito), e assim a ova está surgindo. A longa coisa entoalhada crescendo da coisa como uma cebola é a mágica, e você pode ver a ova sobre o ombro dele. A ova se encaixa na parte plana das costas do camelo. E camelo está ocupado demais fitando sua própria beleza na poça d'água para saber o que está acontecendo com ele.

Sob a imagem verdadeira está a imagem do mundo novinho em folha. Há dois vulcões fumegantes nele, algumas outras montanhas e algumas pedras, um lago, uma ilha negra, um rio sinuoso e um monte outras coisas, bem como uma Arca de Noé. Não pude desenhar todos os desertos dos quais o Gênio era encarregado, então só desenhei um, mas este é o deserto mais desértico.



— Você vê isto — disse o Gênio — Esta é a sua própria ova que você trouxe sobre si mesmo por não trabalhar. Hoje é quinta-feira, e você não fez trabalho algum desde segunda, quando o trabalho começa. Agora vamos trabalhar.
— Como posso — disse o camelo — com esta ova nas minhas costas?
— Isto é de propósito — disse o gênio — tudo porque você perdeu os outros três dias. Você poderá trabalhar agora por três dias sem comer, porque você pode viver da sua ova; e não diga que nunca fiz nada por você. Saia do deserto e vá até os três, e se comporte. Mexa-se!
E o camelo se mexeu, ova e tudo o mais, e foi se juntar aos três. E desde aquele dia, o Camelo sempre carregar uma ova (nós chamamos “corcova” agora, para não ferir seus sentimentos); mas ele nunca conseguiu recuperar aqueles três dias perdidos no começo do mundo, e ainda não conseguiu aprender como se comportar.

A corcova do camelo é um feio calombo
Que no zoológico você pode bem ver;

Mas mais feia ainda é a corcova

Que ganhamos por pouco fazer.

Crianças e gente grande também

Se pra fazer nada tem,
Ganham uma corcova —

Camélica corcova —

Preta e azul corcova!


Levantamo-nos da cama com os cabelos despenteados

E com uma voz desafinada.
Trememos, emburramos, resmungamos, rosnamos
Para nosso banho, nossas botas, nossos brinquedos.


E deve haver um limite para mim

(E sei que para você também)

Quando ganhamos uma corcova —

Camélica corcova —

Preta e azul corcova!


A cura pra todo o mal é não ficar parado.

Ou descansar com um livro diante da lareira;
Mas pegar um rastelo e uma pá também;

E cavar até você gentilmente transpirar;


E então você descobrirá que o sol e o vento,

E o gênio do jardim também,

Retiraram a corcova —

A horrível corcova —

A preta e azul corcova!

Eu ganho uma também, assim como você —
Se eu não tiver o bastante pra fazer —
Todos ganhamos uma corcova —

Camélica corcova —
Crianças e gente grande também!


Fonte: http://www.boop.org/jan/justso/camel.htm

Biografia
Joseph Rudyard Kipling (Bombaim, 30 de dezembro de 1865 — Londres, 18 de janeiro de 1936) foi um autor e poeta britânico.

É mais conhecido por seus livros "O Livro das Selvas" (1894), "The Second Jungle Book" (1895), "Just So Stories" (1902), e "Puck of Pook's Hill" (1906); sua novela, "Kim" (1901); seus poemas, incluindo "Mandalay" (1890), "Gunga Din" (1890), "If" (1910) e "Ulster 1912" (1912); e seus muitos contos curtos, incluindo "The Man Who Would Be King" (1888) e as compilações "Life's Handicap" (1891), "The Day's Work" (1898), e "Plain Tales from the Hills" (1888).

É considerado o maior "inovador na arte do conto curto"; os seus livros para crianças são clássicos da literatura infantil; e o seu melhor trabalho dá mostras de um talento narrativo versátil e brilhante.

Foi um dos escritores mais populares da Inglaterra, em prosa e poema, no final do século XIX e início do XX. O autor Henry James referiu: "Kipling me impressiona pessoalmente como o mais completo homem de gênio (o que difere de inteligência refinada) que eu jamais conheci." Em 1907, foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, tornando-se o primeiro autor de língua inglesa a receber esse prêmio e, até hoje, o mais jovem a recebê-lo. Entre outras distinções, foi sondado em diversas ocasiões para receber a Láurea de Poeta Britânico e um título de Cavalheiro, as quais rejeitou. Ainda assim, Kipling tornou-se conhecido (nas palavras de George Orwell) como um "profeta do imperialismo britânico"]. Muitos viam preconceito e militarismo em suas obras, e a controvérsia sobre esses temas em sua obra perdurou por muito tempo ainda no século XX. De acordo com o crítico Douglas Kerr: "Ele ainda é um autor que pode inspirar discordâncias apaixonadas e seu lugar na história da literatura e da cultura ainda está longe de ser definido. Mas à medida que a era dos impérios europeus retrocede, ele é reconhecido como um intérprete incomparável, ainda que controverso, de como o império era vivido. Isso, e um reconhecimento crescente de seus extraordinários talentos narrativos, faz dele uma força a ser respeitada".

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rudyard_Kipling

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