Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

domingo, 8 de julho de 2012

visitante









“Vocês sempre se agarram às velhas identidades,
faces e máscaras, mesmo depois que elas não servem mais.
Mas um dia, você tem que aprender a jogá-las fora.”

Death



em Sandman #20
Terra dos sonhos: Fachada
de Neil Gaiman







sinto a presença de um animal feroz à minha volta
não sou especialista em comportamento de feras selvagens nem das domésticas menos ainda das invisíveis
nem tenho qualquer traço de controle sobre tais bichos
como aqueles caras da televisão ou da Índia
que se envolvem corajosamente com crocodilos, cobras e leões
[vi mais de um deles corajosamente morrer desse jeito]

sinto sua a aproximação
fico em silêncio
respiro e me abstraio
evito encará-lo
[ouvi isso de um desses especialistas, um dos que não morreu]
e fico imóvel para que o bicho não se sinta
ameaçado

conheço-o bem
me fareja porque por seu turno ele me conhece bem
não contudo quis mostrar-lhe a intimidade
sabe-a

ter sido a sua jaula não foi um prazer
tive de ser eu
de forjar meu corpo para ser todo
barras de aço
chão de concreto
telhado de qualquer coisa transparente mas intransponível
submeter a uma vigilância dura a mim
para registrar as reações dele
fera pretensamente cativa

mesmo sem olhá-lo sei que está confuso
já esteve cá dentro
agora está fora
está livre
desfruta da liberdade de existir e materializar-se quando quer
não mais dentro de mim

lá pelas tantas ele fareja
toca as trancas, os cadeados com a pata

não é possível que queira voltar para onde o mantive preso
faço ideia de que não apenas eu fui roído no processo

ele também se feriu
nos últimos dias de seu cativeiro eu encolhi meu espaço
e as paredes e as grades
devem tê-lo machucado tanto...

ele rosna

“merda! ele me viu”

rosna alto dessa vez
permaneço imóvel
esmago a luz com as pálpebras
tento parar de respirar
meus ouvidos zunem
minha garganta seca

e
como veio
foi

olho em redor mas eu o conheço
submeto a uma minuciosa inspeção o que antes foi a cela
[agora é um quarto de jogar coisas de utilidade incerta, onde costumo ir para criar poesia quieto]

ele não está lá

confesso que tenho algo de tristeza por isso
alívio
leveza, sim
mas algum sentimento ruim por sua ausência


o lobo foi-se embora outra vez







publicado orginalmente em http://poeticaipsisverbis.blogspot.com.br/#!/2012/07/74-visitante.html









Share