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quinta-feira, 4 de março de 2010

Emílio de Menezes, o sátiro

Os textos a seguir foram transcritos da seção "Colmeia" do jornal A Imprensa, onde o autor mantinha periodicamente uma coluna literária.


Cartaz de ontem, à porta de uma redação:
"O sr. senador... não comparecerá hoje ao Senado."
Se começam a noticiar tudo que não vai acontecer, vão ter um noticiário supimpa!

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Temos, graças a Deus! um Instituto Poliartístico.
Agora, só nos fica faltando... a Arte.

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De um jornal da tarde de ontem:
"A história registra diariamente fatos interessantes no que diz respeito às crenças de cada um."
Ahn! ... Palavra que não sabia que a história fizesse semelhante asneira.

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Isto é um país sui generis. Está bem assentado que o analfabetismo nos flagela e que os que sabem ler não o fazem. Entretanto morre um homem que nunca fez outra coisa senão vender livros e deixa ... uma fortuna de mais de sete mil contos. Palavra que não percebo!

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A nossa inefável polícia:
Há um conflito. Dão-se tiros de revólver- Chegam os repórteres.
— Que houve aqui?
— Nada. Uns tirozinhos à-toa...
— Mas vocês prenderam?
— Sim, decerto. Prendemos este revólver.

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Impressão de rua.
O pobre petiz, no largo do Paço, vende uma droga qualquer para tirar nódoas; comprime-o um largo círculo de basbaques. "Se as nódoas não saírem, devolve-se a importância!" cameloteia o pequeno.
Mas eis que surge um guarda municipal; o vendedor não tem licença e o defensor dos interesses do fisco leva-o ao primeiro posto a explicar-se.
Bobo de camelo! que tão mal roubas o fisco! Por que diabo não te fazes contrabandista de sedas, jóias e elefantes? Ganharias muito mais e não te levariam preso!

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Trecho de um discurso patriótico, ontem pronunciado por uma professora suburbana:
- A nossa bandeira é verde-amarela!
Nós temos dever de amar ela!

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Filosofia moderna.
- O homem prático deve tratar de conseguir o máximo com o esforço mínimo.. . Olha, eu ando sem dinheiro e...
- Basta, já despendeste vinte palavras; toma lá cinco tostões; é o máximo.

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- Por que é que se chama de ano bom o ano que se começa?
- Porque se tem a impressão de que ele não poderá ser igual ao que se acabou.

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Algumas das principais profecias do Múcio, que serão brevemente publicadas no Almanaque do Barão Ergonte a sair à luz:
- O ano de 1912 terá 365 dias, repartidos em quatro trimestres de três meses cada um.
- Haverá neste ano diversos fatos de grande importância, outros de importância menor; a maior parte não valerá nada.
- O ano será fértil em desastres de automóveis e descarrilamentos na Central.
- Morrerá neste ano um cidadão de avançada idade, muito estimado por seus amigos e a quem todos os seus netos chamam de vovô, exceto um, que ainda não sabe falar.
- Haverá diversas reclamações sobre a falta d'água e sobre o aumento das contas do gás.
- Os telegramas da Europa referir-se-ão amiudadas vezes à questão do Oriente e à polícia imperialista da Alemanha.
- Morrerão na Europa três pessoas importantes que estiveram vivas durante este ano inteiro.
- Fará intenso frio na ilha de Spitzberg e o calor no Sahara será insuportável no verão.
- O Brasil continuará à beira de um abismo.
- Haverá diversas reformas em diversas repartições de diversos ministérios.
- O ano terminará impreterìvelmente a 31 de dezembro.

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Está fazendo sucesso na Europa o novo sistema pedagógico da dra. Montessori, que permite às crianças aprenderem a escrever antes de saber ler.
Olhem a grande novidade! Nós conhecemos no jornalismo muita gente que nunca aprendeu a ler e que escreve que é uma beleza!

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Diz um telegrama de Nova Iorque: reina frio intensíssimo; em Chicago o termômetro registrou 32 e 40 graus abaixo de zero.
Há certos telegramas cuja publicação deve ser proibida pela Saúde Pública o citado, por exemplo. Lendo-o num dia de calor como o de ontem, pode acontecer a qualquer cidadão o que sucedeu comigo: dei trinta espirros e constipei-me por quinze dias.

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Foi preso ontem como gatuno, um pobre-diabo encontrado na caixa-d'água de uma casa de família.
Indagando o guarda que o prendeu o que fazia ele ali, nada respondeu o suposto gatuno.
E fez bem: tal indagação era simplesmente idiota; com 36 graus à sombra não se pergunta a um homem o que faz numa caixa-d'água; refresca-se, naturalmente:

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A questão do carnaval preocupa atualmente todos os espíritos; o carnaval será ou não adiado?
O Brasil, tem-se dito e repetido: é um país essencialmente carnavalesco; de forma que muitos cidadãos precavidos já resolveram retirar-se para o interior, receosos de uma revolução.
Já se fala de uma organização de ligas pró-Momo, pró-Zé Pereira, etc.

fonte: http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/BT5529002.html

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Sobre o autor

Emílio de Meneses

Era filho de Emílio Nunes Correia de Meneses e de Maria Emília Correia de Meneses, único homem dentre oito irmãs. Seu pai era também um poeta. Faz seus estudos iniciais com João Batista Brandão Proença, e depois no Instituto Paranaense. Sem ser de família abastada, trabalha na farmácia de um cunhado e, ainda com dezoito anos, muda-se para o Rio de Janeiro, deixando em Curitiba a marca de uma conduta já distoante ao formalismo vigente: nas roupas, no falar e nos costumes.

Boêmio, na capital do país encontra solo fértil para destilar sua fértil imaginação, satírica como poucos. A amizade com intelectuais, entretanto, fez com que tivesse seu nome afastado do grupo inicial que fundara a Academia. Torna-se jornalista e, por intercessão do escritor Nestor Vítor, trabalha com o Comendador Coruja, afamado educador. Em 1888 casa-se com uma filha deste, Maria Carlota Coruja, em 1888, com quem tem no ano seguinte seu filho, Plauto Sebastião.

Mas Emílio não estava fadado para a vida doméstica: neste mesmo ano separa-se da esposa, mantendo um romance com Rafaelina de Barros.

Autor de versos mordazes, eivados de críticas das quais não escapavam os políticos da época, mestre dos sonetos, Emílio de Meneses é portador de uma tradição - iniciada com o Brasil, em Gregório de Matos.

Tendo sido nomeado para o recenseamento, como Escriturário do Departamento da Inspetoria Geral de Terras e Colonização, em 1890, Emílio aposta na especulação da falácia econõmica do Encilhamento, criada pelo Ministro da Fazenda Ruy Barbosa: como muitos, fez rápida fortuna, esbanja e, terminada a farsa, como todos os outros investidores, vai à falência. Não muda, entretanto, seus hábitos. Continua o mesmo boêmio de sempre, a povoar os jornais da época com suas percucientes anedotas.

Apesar de preterido pelo silogeu nacional, Emílio veio finalmente a ser eleito (15 de agosto de 1914) segundo ocupante da cadeira 20, cujo patrono é Joaquim Manuel de Macedo, e na qual jamais veio a tomar assento, falecendo em 1918. Seria saudado por Luís Murat.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Em%C3%ADlio_de_Meneses

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