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segunda-feira, 4 de março de 2013

Literatura da bolha


Todos falam, a todo momento, da crise da literatura e do romance. A vingança só póderia vir, mesmo, na literatura e no romance da crise.

As crises econômicas são fontes inesgotáveis de inspiração de escritores, e é  inegável que os americanos e ingleses tem se dedicado ao tema com mais frequência que os outros. Mesmo a crise de 2008, que parece estar mais restrita ao hemisfério norte (será?) começa já a aparecer em alguns textos.

David Liss, por exemplo, escreveu um romance, A Conspiração de Papel, que aborda uma das mais famosas crises, na Inglaterra. Benjamin Weaver é um boxeador judeu que trabalha como cobrador de dívidas difíceis para seus clientes aristocratas. Seu pai é um investidor da bolsa que aparece misteriosamente assassinado. Ao investigar o crime, descobre as relações entre o pai e a famosa - e verídica - crise gerada pela Companhia dos Mares do Sul, na Londres do século XVIII.

Sobre a crise de 2008 mesmo, há contos interessantes do inglês Lee Rourke - Catastrophe - e de Nuno Costa Santos - O Fim da Dívida - este último disponível no site do jornal português Diário de Notícias na seção Biblioteca Digital (gratuito mediante cadastro).

Mas não passamos em branco. Em um livro lançado em 1894 e considerado menor pela crítica - quando não totalmente esquecido - o Visconde de Taunay apresenta um retrato da vida carioca nos idos de 1893 e da quebra da Bolsa do Rio: O Encilhamento. É bem verdade que o interesse é mais histórico do que propriamente literário mas, mesmo assim, uma reedição não cairia mal. Curiosamente, meu exemplar, garimpado na Livraria Cultura, é de 1971, quando a Bolsa de Valores do Rio sofreu uma nova grande queda, pulverizando para sempre a riqueza de muitos...

No final do século XIX o governo criou bancos de emissão de moeda, e o país, que atravessava crise de falta de moeda em circulação, passou a outro extremo, o do excesso de crédito, que foi canalizado pela Bolsa: empresas eram constituídas da noite para o dia, emitiam debêntures e com isso captavam boa parte da poupança popular. Os poucos endinheirados da época vendiam fazendas para comprar estes papéis, muitos de companhias inidôneas, o que gerou uma bolha, que finalmente “estourou” em 1893.

Nem todas as empresas eram de fachada. Algumas prosperaram, como a Companhia de Construções Civis, responsável pela urbanização de uma área da cidade – e, assim, criou o bairro de Copacabana. E, ao que parece, a crise nem foi tão violenta assim: muitos acusam o Visconde de ter escrito um panfleto contra a República, com bastante má vontade e nenhum humor.

Machado de Assis, por exemplo, preferiu apenas falar da crise, em seu Esaú e Jacó:

Cascatas de idéias, de invenções, de concessões rolavam todos os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de réis, centenas de contos, milhares, milhares de milhares, milhares de milhares de milhares de contos de réis. Todos os papéis, aliás ações, saíam frescos e eternos do prelo. Eram estradas de ferro, bancos, fábricas, minas, estaleiros, navegação, edificação, exportação, importação, ensaques, empréstimos, todas as uniões, todas as regiões (...).  Tudo andava nas ruas e praças, com estatutos, organizadores e listas (...). Nasciam as ações a preço alto, mais numerosas que as antigas crias da escravidão, e com dividendos infinitos.


Mas não o Visconde. Pessimista, monarquista horrorizado com a recém proclamada República, criou personagens como o advogado Ferreira Sodré, que tinha um lema: “não procurem fazer os outros melhores do que são – Deus os criou assim, a culpa é Dele”. Assim, não devemos nos surpreender quando Costa Bretas o procura em seu escritório, no Rio, para a montagem de um estabelecimento modelo de velas de todos os tipos, tudo, porém, com muitos, mas muitos auxílios do Estado, isenções completas dos direitos nas alfândegas a dar com o pau, dos pagamentos e do resto (...)

Mas, como outros picaretas da época, não se tratava de criar, de fato, uma empresa. E Costas Bretas explica isso diretamente ao advogado:

Qual companhia!... Isto está ficando corriqueiro demais... O meu plano é outro, muito mais rápido, expedito, sem barulho, nem zabumgagens... Digo meu, mas de fato não é meu... Cartas na mesa... Sou um simples testa de ferro... A roça já está feita, é só colher o milho.

As medidas do governo foram adotadas com atraso. Os bancos de emissão de moeda foram fundidos. E Taunay, sobre o destino destes e de outras instituições:

- Em que darão todas essas empresas? perguntara um dos ingênuos da praça.
- Fundir-se-ão  num só banco, respondera ele convicto.
- Deveras, qual?
- O banco dos réus.

Mas é notável: como os romancistas de um país como o nosso dão tão pouca atenção para temas como crises econômicas e futebol? Oportunidades não nos faltam...

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Fabio Bensoussan
Nasceu no Rio de Janeiro (1973) e hoje mora em Belo Horizonte, com sua esposa e os dois filhos. É procurador da Fazenda Nacional e recentemente começou a escrever contos e a traduzir textos literários.
todo dia 04


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