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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Entrevista com o escritor Volmar Camargo Junior, autor do livro O Balcão das Artes Impuras!


entrevista concedida ao blog da Editora Mulifoco
pela ocasião do lançamento do livro
O balcão das artes impuras (adquira aqui)
em outubro de 2012






1. Quem é Volmar Camargo Junior?

Não me defino com muito critério, não. Quando calha, e mesmo sem querer, eu mudo. O que se mantém como um “eu sou” com mais constância é “eu sou poeta”. E há quem diga que sou um geminiano típico. Sobre biografia, me chamo Volmar Camargo Junior, não por escolha própria. Assino V., e um círculo íntimo de amigos prefere me chamar de “Vê”. Nasci em 1981, em Cruz Alta, terra natal de Érico Verissimo (vê como eu sou infeliz? Minha cidade já tem um dos maiores escritores da língua portuguesa; qualquer outro escritor nascido lá será coadjuvante...). Sou graduado em Letras há dez anos, mas trabalhei pouco como professor. Vivi e trabalhei em mais de dez cidades, boa parte delas sendo funcionário dos Correios. Deixei o serviço público porque me sentia preso. Não me sinto bem com essa pretensa estabilidade que as pessoas buscam. Hoje trabalho numa livraria, na cidade de Rio Grande, e estudo Arquivologia na Universidade Federal do Rio Grande. Uma belíssima ciência! Tenho um filho, a quem dediquei meu primeiro livro, com a amiga que mais amo. Vivo sozinho, como acho que é o correto.

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2. Fale um pouco sobre seu livro, O Balcão das Artes Impuras.

O livro é uma parte do conteúdo do blog homônimo. Surgiu em formato de livro, não por acaso, mas por uma iniciativa do tipo “ok, vamos ver onde isso vai dar”. Este, assim como meus outros blogs, são coisas fechadas, com um início e um fim. A publicação em papel é, a meu ver, uma forma de validar sua existência através dos meios existentes hoje. O registro em papel é importante para a obra.

Sobre o livro em si, quando foi aprovado pela Multifoco, minha editora Jana Lauxen enviou-me um questionário, para que explicasse algumas coisas sobre ele, e especialmente o título. Achei conveniente reproduzir aqui o que respondi na ocasião:
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Balcão, num comércio, é o móvel onde as coisas ficam expostas, ao mesmo tempo em que pessoas param para ver, comprar, ou se debruçam nele sem objetivo. Há vários lados num balcão: o tampo, onde se expõem as coisas que se pode tocar, o interior, onde há coisas somente visíveis através do vidro, e o que fica ainda oculto – num açougue, o balcão frigorífico expõe as carnes mas esconde os motores, por exemplo. Há um depósito de coisas não vistas ou desorganizadas no interior das portas dos móveis.

A arte pura, em minha concepção, é um ideal, um conceito abstrato e fundamentalmente inatingível, porque no campo não-humano. A arte possível é atravessadora da e atravessada pela vivência humana: suas misérias, seus dilemas, suas dúvidas, seus anseios, seus processos íntimos, e mesmo seus processos biológicos. É um resíduo da vida (do artista). Só uma arte impura é possível.

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Minha amiga Andréia Pires, que fez a apresentação do livro, diz o seguinte (com muito mais propriedade):

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uma leitura mais atenta perceberá caminhos do meio que revelam uma poética da ausência pungente em O Balcão das Artes Impuras. Não raro, o prefixo ‘des’ antecederá o sentido da voz de um eu-lírico atormentado, desterrado, despossuído, desvalido, desencantado, deslocado.

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Eu não saberia dizer isso de maneira melhor.

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3. Como você vê a recepção de seu livro pelos leitores?

Tem sido ótima. Elogiam bastante o bom trabalho gráfico da editora. A maior parte do público que o adquiriu já conhecia os poemas do blog – embora alguns mais atentos tenham notado as ligeiras modificações em alguns.

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.4. A literatura é sua amiga ou sua inimiga?

É difícil dizer. A literatura é um fato. Ela acontece, como todos os fatos da vida. Falo por mim – não sei muito da experiência dos outros, mas já encontrei opiniões parecidas – quando digo que a literatura, ou mais especialmente a poesia, existe através de quem a escreve. Para quem quer ser visto pelo que faz pode ser frustrante em algum momento. Ainda que às vezes ela “empurre para fora” os estados íntimos, eles deixam de ser seus. E também não pertencem a quem os lê, ainda que os experimentem. Nesse ponto, o escritor e o leitor são solidários: eles experimentam uma coisa, uma vivência, um sentimento que não é (mais ou nunca foi) seu, pela leitura. Não que o poeta/escritor seja um infeliz, nada disso. Ele só é usado pelo idioma. O idioma se solidifica pelo que o escritor faz, e é isso, essa coisa que é a literatura, é o idioma que permanece. E se recria, se refaz, se reforma, em toda nova leitura, em cada momento que é relido – mesmo por quem o escreveu. É um exercício de desapego entender-se como um instrumento do idioma. Mas, para responder à pergunta, a literatura não é minha (logo, não é amiga nem inimiga). É dela mesma.

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5. Como você e a literatura se conheceram? Como, onde e por que tudo começou?

Tive interesse em escrever com alguma decência a partir de 2007, quando fui aceito em uma oficina virtual de escritores, ambientada no finado Orkut. Originalmente eram atividades de prática de narrativa – meu interesse era a ficção de fantasia; posteriormente, conheci o fantástico, de que ainda gosto muito, e é onde me situo sendo prosador. Foi numa atividade da oficina que comecei a escrever poesia, e fui fatalmente afetado por ela.

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6. Como você vê o mercado editorial brasileiro para os novos autores?

Não tenho acompanhado, mas pelo que vejo, o mercado editorial descobriu os novos autores como um filão comercial. A publicação é o sonho de muita gente, e custear esse sonho tem sido uma opção bem mais acessível do que já foi. Antes o autor dependia exclusivamente de conselhos editoriais que tinham uma visão comercial focada num público – e isso não é nenhum pecado. É um mercado, afinal. As editoras são empresas cuja atividade é produzir livros para serem, no fim das contas, vendidos. As opções de tiragens cada vez menores, e editoras mais acessíveis, e mais próximas do autor – como é o caso da Multifoco – ampliou enormemente as possibilidades de quem precisava fazer todo o processo. Ainda há autores que o fazem, para reduzir os custos do valor de cada exemplar. Também há uma enorme quantidade de projetos de incentivo, de fomento, concursos, antologias... Isso não é indício de que as publicações são melhores. Mas bons escritores e muitas boas obras não apareciam porque não tinham apelo comercial. Acho que as coisas estão mais fáceis, sim. Difícil é filtrar o que é bom ou o que não é, mas isso agora não é mais tarefa restrita à academia, à crítica e às editoras. Isso é com o leitor, que finalmente pode fazer essa opção.

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7. Em sua opinião, é possível viver de literatura no Brasil?

Se por “viver” entende-se o ser autor literário como fonte de renda, minha opinião é de que não. Pode-se viver de escrita. Isso é bem viável, se não se tem preguiça de trabalhar em mil e uma coisas. Mesmo grandes autores – ou autores não tão “grandes”, mas reconhecidos, digamos, por serem grandes vendedores de livros, são também professores, jornalistas, ou advogados, políticos... Uns dois ou três privilegiados vivem apenas da venda de seus livros e dos direitos autorais (e ainda estou procurando lembrar quem são os outros um ou dois, além do Paulo Coelho...)

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8. De que maneira a internet atua na sua vida de escritor?

Minha vida de escritor está toda lá, desde o princípio. Ou praticamente toda. Tenho apenas um projeto, de um romance, que se mantém inédito. Minha “gaveta” são os blogs. Iniciei escrevendo e interagindo com as pessoas através de uma rede social. Hoje, não tenho mais paciência para isso, não. Sou um “Escritor sem Face”*.

*nota... isso já não é mais verdade...

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9. Já há quem diga que a literatura, assim como a música, está se desligando cada vez mais de formatos pré-determinados, como o CD, o Vinil e o próprio MP3, para se tornar mais ‘livre’. Em contrapartida, isso impediria a remuneração adequada ao autor, que já é baixa e passaria a ser inexistente. Qual sua opinião sobre isso?

É preciso se adaptar. Nem digo que infelizmente. A “obra”, se isso existe, pode mudar de suporte, mas é provável que não deixe de existir tão cedo. Talvez o que pode modificar num futuro mais próximo seja a relação de retribuição do autor, ou a consideração da obra de arte enquanto produto para o consumo. Talvez, em menos tempo do que se imagina, surja algum projeto de lei que mude as regras de entrada de uma obra em domínio público. Uma vez que as coisas não foram sempre como são agora, é possível que, em algum momento, elas mudem, não é?

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10. Existem especulações que, uma das maneiras de agregar valor e aumentar a rentabilidade dos livros, seria a inserção de publicidade nas edições, ou de histórias pagas por anunciantes, onde o personagem, por exemplo, utilizaria um produto de determinada marca, o citando no decorrer da história. O que você pensa sobre isso? Acredita que a publicidade pode se tornar amiga da literatura?

A tendência de publicar livros-que-viram-filmes é exatamente isso. Franquias que vão para o cinema, quadrinhos, games, roupas, embalagens de refrigerante, brinquedos, RPG, isso é marketing. Não é ostensivo, mas é. A publicidade, ou melhor, as estratégias de marketing são amigas da literatura desde a prensa de Gutenberg.

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11. Como é sua rotina para escrever? Isto é, existe um ritual, alguma cerimônia?

Quando eu quero, raramente rola clima. É quando ela quer. E escrevo muito em ônibus. Ou no banheiro. Ou naqueles minutos antes de dormir, que se estendem às vezes para aquelas horas antes de dormir... Não tenho o menor método, infelizmente. Até gostaria de fazer isso decentemente, com hora marcada, como um trabalhador.

Ainda escrevo bastante em papel. Gosto do papel, mas é visualizando as coisas na tela que considero prontas. Já fui mais operário, e insistia em trabalhar sobre tudo o que considerava bom (e já houve tempo que achava que tudo merecia...). Agora não. Só sigo adiante com os poemas que gosto logo de cara. A poesia me agarra quando bem quer, ok, mas não sou obrigado a gostar disso. Eu tenho sentimentos.

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12. Se fosse listar os grandes autores da tua vida, quem seriam eles e por quê?

Uau... Bem, vamos lá. Em prosa de ficção tenho poucos grandes autores que amo, por motivos muito particulares, com algumas incongruências, se algum teórico ou crítico for analisar: José Saramago, Gabriel García Márquez, Victor Hugo, Jorge Luis Borges, Hermann Hesse. Meu poeta do coração é, de longe, o Drummond, mas tenho muito carinho pelo Quintana. Às vezes eu caio, não por acaso, no Bukowski, nos poemas dele. É um gênio. Eu rio muito com ele, e já o imitei (como imitei o Drummond, mas o Carlos é o meu velho; o Hank é o velho de outra pessoa). E tenho caído sem resistência no pensamento do Foucault (e, por adesão e por interesse, paquerando de longe Gilles Deleuze).

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13. Como, onde e por que comprar O Balcão das Artes Impuras?

Como e onde: por ora, comigo. Em breve, no site da Multifoco, e em suas livrarias virtuais parceiras.

Por quê? Por que é uma experiência interessante. São bons poemas.

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14. Para encerrar: quais teus planos daqui pra frente? Já tem outro livro na manga, projetos, publicações?

Já, já tenho sim. O Balcão é um dos três blogs que já tive, um dos dois já encerrados. Antes dele encerrei o Um Resto de Café Frio (http://restodecafefrio.blogspot.com). Atualmente, mantenho o Verbo (http://poeticaipsisverbis.blogspot.com)*. Os blogs são “livros em processo”. Assim, tenho, pelo menos, mais dois títulos que pretendo publicar. E o romance, este sim, ainda inédito.


*nota: pouco depois, encerrei o Verbo para iniciar o blog Pragas urbanas renitentes. Calhou, eu mudei...

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Rapidinhas:

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Livro favorito: São dois: “A rosa do povo”, do Drummond, e “O lobo da estepe”, de Hermann Hesse.

Escritor favorito: Michel Foucault (gosto dele também como escritor).

Ídolo: Não tenho.

Música: Sou meio cafona pra isso...

Vida: Acontece.

Morte: Também.

Amor: Tento evitar, mas não consigo.

Paixão: É foda.

Literatura: Ofício.

Sonho: Ilusão.

Inesquecível: Memorável (mas nada impede que aconteça de novo).  



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