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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Amor, Beligerância
















Em minha casa tenho bilhas de água.
A sede não é tanta; plantas, só uma palma.
Tenho essas bilhas de água desde o dia
em que você nadou no rio dizendo que não voltaria.




***




Se é a melhor solução? Não sei ao certo, mas para mim existe um propósito próprio, uma lógica própria, um motivo e uma razão: não mais falar com você. Por que? Porque você já não faz mais parte da minha vida. Naquele dia em que você falou com as mais claras palavras: “eu não quero mais falar com você” eu não soube onde encaixá-la mais em meu coração. Aquelas não eram palavras, era aço afiado que cortou e arrancou. Então, dia após noite, lua após sol, após tanto tempo de mágoa contida, você se foi. Pensei que eu não pudesse, mas pude, e a cada dia que vivi sem você, percebi que eu vivia. Eu vivia, sim. Como seria viver sem você? Eu acabara de descobrir, e descobri, também, que nada mudara. Eu disse adeus e vivi. Viver, morrer, nascer, fazer sexo, gritar, apertar os punhos. Ora, sou apenas um homem, desses que passam em catracas de ônibus, que sonham e pulam buracos. Não sei das coisas óbvias da vida, sei que vivo sem você (e que alegria saber!) e saber que isso, agora, é óbvio, faria eu levantar, encher um copo com água e beber. Ou comer, ou dormir, ou trabalhar. Uma cura, sim, posso pensar em uma cura. Eu estou curado. Saudável. Mas você não é uma doença, um mal, uma peste. Ah, não, definitivamente um mal você não é. E quem disse que não adoecemos de coisas boas? Pudera eu saber das outras pessoas, mas eu sei apenas que adoeci de você e demorei muito tempo para me recuperar. Um momento. Meu coração não deixou de bater, não deixei de amar, nem de novamente sofrer. Por que digo para todos os lados que você tanto machucou? Porque assim eu desboto as últimas lembranças de você. Guardei seu olhar amoroso, seu sorriso, suas palavras que diziam meu nome, havia algo sincero nos dias que compartilhamos juntos. Olhei para trás, nos anos que vieram depois de você. Eles foram bons. Bons como os anos que vieram antes de você. Eu sou feliz por eles, por todos esses anos. Mesmo os seus anos foram bons. Surpresa. Você foi igual às outras, nem melhor, nem pior, foi uma das. Uma das. Uma delas. Aquelas pessoas tão seletas, que fizeram tanto amar como entristecer. Aquelas pessoas chamadas passado, que não voltam. Por que você não foi, por que você insistiu tanto para não ir? Eu que não desamarrava o barco do cais. Sendo assim, soltei o que prendia você e não quis ver a partida, fechei os olhos para não ver o rumo tomado nem dizer adeus. Era assim que decidi que fosse. Sem despedidas. Só aqui, no papel. Dizer adeus é para ser grafado e pintado na página em branco. Se você foi para o norte, para o sul, para o leste ou oeste, meu adeus é para todas essas direções. Quis apenas o adeus para todas as direções. Acenar como um doido para todos os lados, sem ao menos ver para onde você foi. Meu adeus é para todas as direções. Devo ser isso sim, um doido que não sabe para onde acenar e que acena de olhos fechados. Sem olhos eu não posso ver para onde você foi, e sem olhos não posso chorar, e sem chorar não posso sofrer. Sei agora como tudo é óbvio, e não lutarei mais contra ele. O óbvio. A lógica. A continuidade. Viva aos ponteiros do relógio que só param por falta de corda ou por pilhas gastas. Verei que o ângulo de noventa graus marca as nove horas, as vinte e uma horas, as três horas, as quinze horas. Todo dia, toda a noite, toda a noite, todo o dia. Não há comida em casa, é preciso comprá-la e fazê-la. É preciso jornal para ler, roupas para vestir. Ou ao menos tomar banho. Sei que debaixo do chuveiro suas lembranças não serão levadas com a água, porque elas não existem mais. Viva o ceticismo das coisas. Viva para quem acredita no tempo como solução. Eu acredito no tempo como solução, um viva para mim. Viva, para que? Saí machucado de tudo isso. O tempo é a melhor resposta, o meu O Tempo e o Vento. Tudo passou, passou de olhos fechados. Quando eu os abri, vi o mar, o céu, nuvens rápidas. Antes de mim, diante de mim, e depois de mim.




***




Comecei, lentamente, a esvaziar as bilhas de água que eu tinha aqui em casa. Peguei-as para aguar as plantas, depois misturei com sabão e limpei a casa. Limpei cada canto, cada fresta. Lavei os vidros, as janelas. Desci à lavanderia e desliguei a máquina da torneira, enchendo-a várias vezes para as minhas roupas. Preparei toda a comida que eu tinha, para que durasse semanas sem eu ter que cozinhar. Quando estava tudo limpo, seco, passado, brilhando, sem pó nem sujeira, com o almoço pronto, sobrou uma última bilha. Alcancei um copo e bebi-a. Toda. Sentia sede.




***




Tout passe, tout casse, tout lasse.*

Victor Hugo


De repente, o meu amor, esse amor ora tão profundo, descansou. Deus ensurdeceu de tanto ouvir minhas orações.


 * - Tudo passa, tudo quebra, tudo cansa.





***





Esperei um sorriso seu. Esperei uma mensagem sua. Esperei um telefonema seu. Esperei uma carta sua. Esperei um beijo seu. Esperei uma resposta sua. Esperei um gesto seu. Esperei uma fotografia sua. Esperei um olhar seu. Esperei uma declaração sua.
A campainha tocou. Não era você. Era outra pessoa. Abri a porta, e ela entrou.




***




Seios. Umbigo. Pelos. Beijei-a. Toquei-a. Quando ver outros seios, umbigos, pelos, a mesma coisa farei; como homem não me privo de sentir prazer. Tampouco dá-lo a quem deitar-se comigo.




***




好き、好きだよ

                              
                              
                              

                                                      
                                                      
                                                      
                                                      
                                                      
                                                      

  
(suki, suki da yo

itsumo kiboo o motte)




gosto, gosto sim


                                  s
                                  e
                                  m
                                  p
                                  r
                                  e

                                  t
                                  e
                                  r
                                  e
                                  i

                                                                  e
                                                                  s
                                                                  p
                                                                  e
                                                                  r
                                                                  a
                                                                  n
                                                                  ç
                                                                  a 




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Rafael F. Carvalho
Autor do livro A Estante Deslocada, é paulistano, nascido em 27 de Fevereiro de 1978. Foi publicado em antologias de novos escritores e em jornais universitários, e é formado em Letras pela Universidade de São Paulo.


todo dia 17


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