Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

ANO NOVO EM QUIOTO


     Templos, meditação, budismo... Esqueçam: fim de ano, o povo japonês quer mesmo é passear, divertir-se, ir às compras. Claro, uma passagem num templo – que em Quioto existe em cada esquina –, para pedir uma força aos deuses para o ano que se aproxima, nunca é demais (e se tiver uma moeda de cinco iénes, melhor ainda: esta moeda, pelo “buraquinho” no centro, tem o significado de abrir portas para a sorte). E cada templo tem um deus com uma finalidade específica. Por exemplo, em Marutamachi, local onde residem meus sogros, há um templo devotado a um deus que cuida de nossas pernas e costas. Eu somente entrei lá uma vez, em 2005, e o que me lembro é que estavam distribuindo saquê gratis. Desta vez, porém, o deus da preguiça dominou minhas pernas. Resultado: tive uma dor nas costas que me deixou prostrado os três dias em que lá fiquei. Na próxima, já decidi: levo uma garrafa de saquê para fazer as pazes com o deus.

    Mas claro que, estando numa família japonesa, outros rituais não deixam de existir no ano novo: por exemplo, pela noite, é costume degustarmos sobá – o macarrão japonês mergulhado numa espécie de sopa, acompanhado de tempurá, ou, simplesmente, camarão frito. O prato é chamado de toshikoshi-sobá, e seu simbolismo consiste no fato de que o macarrão, sendo longo, trará a quem o provar a longevidade desejada e, por uma relação de causa e efeito, também a saúde e a prosperidade.

    E, assim, às sete da noite, lá estavam meus sogros, minha esposa e eu degustando sobá e saquê – nunca é demais seguir a tradição, concordam? Mas, à meia-noite, não resistindo à invasão ocidental, optamos mesmo por estourar uma champanhe. E nos confraternizamos, intercambiando frases de Akemashite omedetou gozaimasu (Feliz Ano Novo, após a meia-noite – antes deve dizer-se Yoi o toshi wo, também significando... Feliz Ano Novo). Meu sogro, porém, apenas disse “hum” e voltou a dormir.

    No dia seguinte, meus sogros e minha esposa foram a Teramachi (ou Rua dos Templos). Para fazer compras.

   Eu fiquei em casa, ainda castigado pelo deus do templo vizinho, comendo pão com mel e assistindo a... Friends.

***

Share


Edweine Loureiro
Nasceu em Manaus em 20/09/1975. É advogado, professor de Literatura e Idiomas, e reside no Japão desde 2001. Em 2005, obteve o Mestrado em Política Internacional pela Universidade de Osaka (Japão). Premiado em diversos concursos literários, é autor dos livros: Sonhador Sim Senhor! (Ed. Litteris, 2000), Clandestinos [e outras crônicas] (Clube de Autores, 2011) e Em Curto Espaço (Ed. Multifoco, Selo 3x4, 2012). É membro-correspondente da Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências (RJ) e da Academia de Letras de Nordestina (BA).
todo dia 24


4 comentários:

Delícia de crônica. Sempre acho bom conhecer mais dos costumes dos povos. Você se adaptou super bem, hein? E gosta de um saquê, não é?

Obrigado, amiga Cinthia. Pois e: o Japao mora no meu coracao tanto quanto o Brasil. Aqui e minha casa tambem. E com saque, melhor ainda... (rs) Obrigado pelo comentario, querida amiga. Beijos.

Faço das palavras da Cinthia as minhas. Amigo Edweine, uma crônica leve e altamente rica em informações sobre a cultura japoensa, adorei. E terminou vendo Friends, não? rsrs O seu lado ocidental fala mais alto!!

Abração!
Lohan

rs... Obrigado, amigo Lohan. Pois e: para relaxar, o humor leve de Friends. Obrigado pelo comentario, amigo.

Postar um comentário