Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Alguém caminha no corredor

Volmar Camargo Junior

 

 

 

            Carla acordou sobressaltada. Os lençóis estavam no chão. A camisola, como vinha acontecendo cada vez com mais freqüência, estava empapada de suor. Porém, o que a acordou não foi o frio, mas a inegável sensação de que havia alguém no quarto.

 

***

 

            Martinho colocou em ordem a última fileira de carrinhos.

            “Cento e noventa e dois!”

            Deixou os óculos para perto na ponta da mesa. Bebeu o último gole morno do café, e atravessou o corredor na direção do banheiro.

            “Ai, Jesus!”

            De uma porta para outra, Martinho teve a vívida impressão de ter visto atravessar uma mulher de branco.

 

***

 

            Na cozinha ecoava o som intermitente de uma torneira pingando. Carla correu para o quarto vestir um casaco. “Como esfria de madrugada”. De volta, tomou o controle remoto e ligou a TV sem acender a luz. Prevendo que o sono não voltaria, pôs água aquecer para fazer um chá.

 

***

 

            Uma luz bruxuleante vinda do corredor despertou Martinho do primeiro sono. Era uma luz pálida que desenhava a porta do quarto na parede oposta. “Eu hem.” Levantou-se sem calçar os chinelos.

 

***

 

            A chaleira apitou, desviando a atenção de Carla da milionésima reprise de Psicose para seu chá. Assim que desligou o fogo, ouviu, sem que pudesse se virar, paralisada pelo medo, o som nítido de passos rangendo as tábuas do corredor. Fosse quem fosse, estava vindo em sua direção.

 

***

 

            Além da luz baça, havia o som de um apito, o mesmo que vinha acordando-o todas as noites nas últimas semanas. Assim que entrou na porta da cozinha, tanto o chiado quanto a luz misteriosa cessaram no mesmo instante.

 

***

 

            Os passos aproximaram-se. Carla espremeu-se entre no canto entre a parede e a cristaleira com o controle remoto na mão. Sem perceber, pressionou o botão desligando o televisor. Os passos pararam. A luminária sobre a mesa acendeu sozinha.

 

***

 

            “Tem alguém aí?” perguntou Martinho acionando o interruptor. Não obtendo resposta, rindo da própria credulidade, sentiu a garganta seca por respirar de boca aberta.

 

***

 

            “AAAAh!”

            Carla não conseguiu conter o grito quando a geladeira abriu-se como que pela ação de um ser invisível. Correu para o quarto.

 

***

 

            “Deus!”

            Martinho deixou a garrafa d’água cair quanto teve certeza de ver com o canto do olho esquerdo o mesmo vulto branco de antes. Na seqüência, ouviu um grito medonho vindo de muito longe e, nitidamente,  alguém correndo por dentro de casa, acompanhado do som característico da porta de seu quarto sendo trancada.

 

***

 

            O silêncio do outro lado da porta não a deixou menos nervosa. Colou o ouvido à madeira. “Isso não está acontecendo... eu só posso estar ficando louca!” Então, a maçaneta moveu-se pelo outro lado. A chave soltou-se, empurrada pelo outro lado.

 

***

 

            “Eu sei que está aqui em algum lugar... Achei!” cochicha consigo mesmo quando encontrou o molho de chaves de reserva na caixa de ferramentas. Pé-ante-pé, chegou-se à porta do quarto. Certificou-se de que estava mesmo trancada. “Só pode ter sido o vento”, afirmava a si mesmo. Com a cópia, sentiu ter empurrado a outra chave, destrancando a porta em seguida.

 

***

 

            Atirou-se na cama. A porta se abriu com o longo gemido das dobradiças. A luz vinda do corredor iluminou-a. Não havia ninguém lá. O pavor, vencendo todas as resistências, fez Carla desmaiar.

 

***

 

            Martinho não viu nada anormal, confirmando a tese do vento encanado. Olhou em volta, embaixo da cama, para fora da janela. Nada. “Eu preciso é parar com o café.” Deitou-se. Em poucos minutos, adormeceu. Por via das dúvidas, deixou todas as luzes da casa acesas.

 

***

 

            A manhã ia adiantada quando Carla acordou. Imediatamente, tomou o telefone.

 

            “Consultório médico, bom dia.”

            “Alô, oi, quem fala é a Carla Martins. Eu preciso muito falar com o Dr. Pedro.”

            “Aguarde um momento, senhora.”

 

            “Alô, Carla?”

            “Sim, doutor. Aconteceu outra vez.”

            “Você viu o fantasma?”

            “Não. Mas ele estava andando pela casa, abriu a geladeira, e depois destrancou a porta que eu fechei à chave! Foi aterrorizante...”

            “Bem. Carla, eu aconselho-a a vir ao consultório. Às onze está bom para você?”

            “Claro, doutor Pedro. Estarei aí no horário dessa vez.”

            “Até lá, então.”

 

***

 

            Assim que desligou o aparelho, Dr. Pedro Almeida acrescentou uma nova linha ao relatório do paciente Martinho Oliveira:

 

            O paciente agendou a consulta pela terceira vez nos últimos dois meses atribuindo a si mesmo o nome “Carla Martins”. 

Share




0 comentários:

Postar um comentário