Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Relações Postais


José Guilherme Vereza

Prezado Gastão
Finalmente a dor da saudade me acena com tréguas e cá estou eu, como diria nosso avô, “de pena em punho a lutar com as palavras”. Não contra elas, espero, mas fazendo-as cúmplices de francos sentimentos. E que sentimentos, irmão! Dói saber o quanto estamos distantes e que esta distância não é nada breve, já que me vejo incapaz de enxergar nas lonjuras da estrada a menor possibilidade de voltar a encontrá-los tão cedo. O que nos resta – eu conjugo nós, pois presumo que nossos afetos estejam atados a laços sanguíneos – é o abrigo das cartas. Arlete vai passando bem melhor, refeita do impacto da mudança do clima, que lhe produziu algumas alterações nos brônquios e aflições a encharcar meus pijamas. As meninas Dirce e Luzia não sofreram tanto com a mudança, só a menorzinha estranhou um pouco o mofo da casa e amanheceu na primeira semana com uma branda alergia atrás da orelha, o que foi logo diagnosticado pelo farmacêutico como um eczema tolo. Prescreveu-nos a calêndula de sempre e tudo voltou ao normal. As obras da casa estão aceleradas e meu gabinete está quase pronto, faltando apenas uma escrivaninha onde eu poderei, além da contabilidade comezinha, dedicar-me às nossas missivas. Outro dia aconteceu algo que muito nos emocionou. Arlete preparou uma inolvidável galinha ao forno para o jantar, acompanhada de bolinhos de polenta e chicória. Ao repartir o assado, Arlete e eu percebemos as meninas inquietas em pleno momento da refeição, desrespeitando com risinhos o silencia da mesa, o que me fez lançar a elas um olhar de censura e desaprovação. Dircinha olhou para mim e desculpou-se. Luzia, mas espevitada, revelou então o motivo de tanta graça, dizendo que sem a presença do tio Gastão, tia Branca e os meninos, finalmente, elas não precisavam brigar pela moela. Arlete e eu trocamos olhares e sorrisos. Percebemos nas meninas que a força da convivência de nossas famílias deixou marcas em todos nós. Apesar de agora haver mais moela e menos comensais, sentimos vossa falta. E assim vamos cozinhando a vida e eu, particularmente, ainda me flagro a remexer nas entranhas os motivos que nos levaram a esta separação. As perspectivas profissionais aqui são razoáveis, mas não o bastante para me convencer de que foi o trabalho que nos empurrou um para fora do outro. Penso no passamento da nossa mãe. Talvez a sua presença conciliadora fosse responsável pela harmonia entre nossas famílias e o medo de que não pudéssemos nos suportar sem ela nos levou a prevenir antes de remediar. Embora pouco afeita a reflexões. Arlete defende esta tese. Diz ela que sem o carisma de Dona Lucrecia, eu e você voltaríamos aos tempos da infância, quando odiávamos um ao outro e nos ensangüentávamos sem o menor motivo. Acho difícil. Não somos os traquinas de outrora, mas há que se respeitar o sexto sentido e a perspicácia silenciosa das mulheres. É possível que ela esteja com a razão. Se desavenças houve entre nós ao longo desses anos todas, com certeza, ficaram contidas. E contidas, foram dissipadas, pelo menos dentro de mim. Já é tarde. Amanhã cedo o trabalho me espera. Recomendações a todos. Aguardamos o carteiro com ansiedade. Plínio

****
Irmão Plínio
Registramos a chegada da tua carta com muita alegria. Branca fez questão de ler em voz alta para os meninos e por obra e graça do destino, a oratória aconteceu em pleno almoço, enquanto eu desossava uma galinha, que se exibia dourada e fumegante entre batatas coradas e tiras de cebolas. Todos rimos até o momento em que sua carta referia-se ao passamento de mamãe e as conjecturas de Arlete. Branca disfarçou e não prosseguiu, prevenindo-se de incômodas questiúnculas de Rodolfo, que por sinal, está cada vez mais travesso, useiro e vezeiro em nos proporcionar situações constrangedoras.Veja você, dias passados, Branca recebeu para um chá Dona Carmita e sua filha Angélica, cujo próprio nome traduz a pureza e a inocência de seus 12 anos. Pois não é que o menino Rodolfo surgiu à sala e depois de fitar a donzela da cabeça aos pés, perguntou-lhe em alto e bom som se já lhe haviam sido criados pelinhos no púbis?Branca hesitou em atirar-lhe uma xícara de chá quente, mas preferiu fazer ouvidos de mercador, evitando acalorar a circunstância. Dona Carmita, educadamente, mordeu um biscoitinho de araruta e de imediato comentou a qualidade da confeiteira. Da menina Angélica não se ouviu um pio, talvez por timidez, talvez por polidez, talvez por perplexidade, talvez por absoluto desconhecimento da matéria. Rodolfo deixou mansamente a sala, sem a curiosidade satisfeita, sem direito a biscoito. Ao cair da noite, o velho cinturão de nosso pai foi posto em prática. Voltando à cordial missiva, não gostaria de prosseguir com reflexões sobre a nossa convivência, ou como você bem disse, possíveis e contidas desavenças. É prudente colocarmos um ponto final neste enredo antes mesmo de iniciar o parágrafo. Falemos pois do cotidiano. A vida urgente da cidade nos poupa de sofrer a vossa falta. Cada um ao seu modo, encontrou o antídoto contra a saudade do vozerio das meninas, dos modos doces de Arlete e dos 100 quilos de “bonacheirice e rabugice” do tio Gastão, como definem os meninos tua alternada personalidade. Branca entrou para a Pastoral das Viúvas da Igreja de São Caetano. Organiza quermesses e saraus beneficentes, onde recolhem alguns donativos, poucos tostões e muito que fazer. Rodolfo aproximou-se dos novos vizinhos, filhos do Dr. Marraquino, respeitado clínico geral, que gasta horas e horas com quem aparece na sua frente a discorrer sobre práticas medicinais, farmacologia e anatomia humana, o que deixa nosso primogênito particularmente atento, haja visto, seu desenfreado interesse pela puberdade da menina Angélica. Rômulo, muito pequeno, ainda não se deu conta da separação. Fica horas e horas a espreitar na varanda a impossível chegada das meninas da escola. Por mais que digamos que elas foram morar longe e que não surgirão tão cedo na esquina da nossa rua, ele insiste em não se conformar. Com o olhar distante, ele pergunta onde é “longe” e quando é “tão cedo”. Aqui ficamos por enquanto, em companhia do vazio da casa e da certeza de que tudo que aconteceu foi o melhor para nós. Recomendações a todos. Gastão

****
Gastão
É com imensa alegria que percebo sensível melhoria no serviço dos carteiros, pois, veja, tua carta não tardou mais de três semanas para chegar às minhas mãos, a partir da data em que foi entregue aos Correios. O que me espantou foi a discrepância entre a data do carimbo no selo e a data em que me escreveste, conforme acusa tua própria letra no cabeçalho. Uma semana, Gastão! Uma semana para me enviar uma carta já escrita! Não me parece uma atitude delicada, muito menos compatível com doces palavras contidas nas tuas linhas e entrelinhas. Em todo caso, fica o registro da minha estranheza com a mesma intensidade da minha esperança de que esta falta de cuidado não seja o prenúncio de atritos entre nós. Não falemos mais nisso, pois. O menino Rodolfo é mesmo de amargar. Apesar de sua curiosidade pelas atividades do tal clínico, recomendo que não poupes o velho cinturão de nosso pai. Imagino Branca como ficou passada, coitada. Logo ela, que tão bem sabe escolher as palavras como se colhe rosas num jardim. Quanto ao pequenino Rômulo, foi de cortar o coração saber que sente saudade das meninas. Em nome de Dirce e Luzia, transmita-lhe nossa saudade e diga-lhe que longe pode não ser tão longe e tão cedo pode ser mais cedo do que se imagina.A vida aqui no interior vai prosseguindo dentro de sua pacata rotina. O escritório vai satisfatoriamente bem, fornecendo o bastante para pagar as contas e criar pequenas reservas para os imprevistos. Arlete, ao arrumar a casa, deu falta da compoteira de cristal, cujas lembranças me fazem transportar ao tempo em que, ainda garotos, víamos mamãe preenchê-la de docas caseiros. Tempos férteis de travessuras, lembras-te? Bastava Dona Lucrecia retirar do fogão o doce quente e sedutor, e colocá-lo na compoteira para que nós ficássemos à espreita, esperando apenas o tempo de não termos os lábios e o céu da boca queimados pela fumegante guloseima, para que num instante esvaziássemos a dita com a voracidade de dois porcos famintos e egoístas, pois ao ficava a menor sobra para nenhum mortal. Jamais esquecerei do dia em que as colheradas de doce de abóbora com côco eram a conta de servir ao pároco e seu ajudante de missa, comensais de um ajantarado de um sábado ou véspera de dia santo, falha-me a memória quanto à exatidão da data. Antes da chegada do religioso e do beato, fomos energicamente avisados de que não poderíamos em hipótese alguma aceitar o doce, pois se as visitas tinham prioridade na casa de D. Lucrecia, quanto mais visitas que representavam Deus. Pois bem, ao terminar a refeição, lembras-te? Surge da copa a exuberante compoteira com doce de abóbora até a metade. O padre arregalou os olhos, proferindo palavras generosas à doceira e num gesto divino, disse que as criancinhas são sempre prioritárias, sugerindo à mamãe que nos servisse primeiro. A velha Dona Lucrecia, temente a Deus e a seus representantes, aproveitou uma distração do padre e piscou para nós ao tempo de nos perguntar formalmente se queríamos provar do doce, na certa, esperando que mantivéssemos a palavra. Lembras-te do que dissemos? Um retumbante e uníssono sim, do tamanho de um bonde puxado a burro. Apesar da saraivada de piscares de olhos da mamãe, prosseguimos intransigentes na nossa decisão, o que não lhe proporcionou outra escolha senão despejar sobre nossos pratos duas rechonchudas colheradas de doce de abóbora restando ao pároco pouco mais de meia colher e, por uma questão hierárquica, apenas um cisquinho foi destinado ao carola. Quase devolvemos o doce de tanto apanhar, no instante em que o pároco e seu assecla foram embora. Apesar das marcas do cinto, guardo doces lembranças desde episódio. São exatamente essas doces lembranças que quero reviver no simples tocar e olhar da compoteira, cuja posse foi designada a mim pelo testamento de mamãe. Lembro-te que de quinze em quinze dias parte uma composição de cargas da capital para o interior, quando poderás enviar-me, desde que bem embalada e protegida, a saudosa compoteira. Por enquanto é só. Abraços e todos. Plínio

****
Plínio
Três indignações vieram no mesmo envelope que trazia tua última carta. A primeira, a percepção clara e nítida de que não perdeste a mania de me chamar a atenção. Supus que a distância seria poupado de tuas reprimendas, mas como pude me enganar! Eis que elas chegam com o carteiro, em forma de rebuscadas palavras, mas, como sempre cacetes e irritantes. Não vou por isso me desculpar por ter esquecido por mais de uma semana sobre o piano a carta pronta para te endereçar. O inconsciente me fez esquecer. Pronto? Estás satisfeito com a volta triunfal de nossas picuinhas? Não me acuses de tê-las recomeçado, pois foste tu quem me cutucaste com vara curta. A segunda indignação provém de outra percepção clara e nítida, só que dessa vez, de teu deslavado cinismo quanto à história do doce de abóbora. Ora, sabes bem que quem disse o enfático e retumbante sim à mamãe não fomos nós. Foste tu e mais ninguém, sozinho a desafiar a cortesia de nossa velha Lucrecia diante do representante divino. E o que é pior: disseste que apanhamos, mas sabes que quem apanhou fui eu, enquanto fugias como um rato atrás da batina do padre. Em suma, tu disseste sim, nós comemos e só eu apanhei. E por isso, bem sei, que se refere a este episódio como doces lembranças. Evidente, para mim só restou o gosto amargo de recordá-lo. A terceira indignação diz respeito ao equívoco que cometeste quanto à história do testamento. A ti foi designada uma baixela de cristal, que tuas próprias filhas trataram de espatifar. A compoteira não te pertence nem a tua mulher, nem às tuas filhas. Fiques apenas com as falsas lembranças que tens dela. Não vou prosseguir. Nem esquecer a carta sobre o piano. As indignações têm pressa de chegar. Gastão

****
Gastão
É com profunda franqueza que cumpro o prazeroso dever de avisar-te que tua carta não me pegou de surpresa. Perdão, irmão, por ter reduzido suas expectativas a pó. Tuas indignações perderam-se pelo caminho, tuas agressões não encontraram terreno fértil para crescerem ácidos frutos. Perdão por ter te passado uma ilusão de que estava tudo bem entre nós. Eu já me perdoei por isso. Resta-me saber do paradeiro da compoteira. Não me atrai a idéia de crer no teu embuste do testamento, sempre fui imune a contos do vigário, conversas de corretores e argumentos de balconista. Bem sabes que o testamento me reservou a compoteira e exijo que me envies imediatamente o documento, sob pena de jamais dirigir palavras, nem a ti nem a tua incauta família.Dessa vez, poupo-me de formais recomendações.
Plínio
****
Plínio
Não me rebaixarei à tua sub-condição, enviando-te documento algum. Minha palavra é mais digna que teus ouvidos, minhas letras valem mais que teus olhos, minhas cartas por si só atestam a verdade que te escrevo, salvo uma ou outra palavra de afeto, escapulida em cartas passadas, por descuido do meu pensamento ou por obra e graça de uma desnecessária polidez. Quanto à compoteira, é bom que saibas, foi trocada por esmolas na quermesse de São Caetano. Pobres dos pobres que desta esmola se utilizaram, pois a compoteira que tanto reclamas para ti foi avaliada em apenas um pouco mais que a alma do reclamante. Ou seja, nada, ou para não dizer nada, escassos vinténs mais valiosos que teu caráter. É chegada a hora de encerrarmos esta lengalenga.
Gastão

****
Gastão
És ladrão. Ladrão de galinhas, ladrão de pequenos furtos, ladrão vagabundo. O produto do teu roubo não te satisfaz. Roubas por roubar. Roubas o que não sabes que estás roubando. Roubas a ti próprio, quando pensas que roubaste uma compoteira de reles valor. Não imaginas que estavas roubando um pouco da nossa infância, simplesmente, porque tu não tens memória, não tens valores, não tens passado. Pobre ladrão de compoteira. Siga teu caminho de gatunos e insensíveis. A miséria do teu espírito não vale a tinta da minha pena, não vale nem o selo dos Correios.
Plínio
****
Plínio
Não te livrastes de mim, portador de idiotia. Fizestes-me gargalhar aos borbotões ao me acusares de ladrão de pequenos furtos. Tens razão, tens toda a razão contida neste universo. Se pequeno furto cometi, não foi de uma compoteira ordinária. Fique com esta intriga, vergonha de irmão! Enquanto eu desopilo meu fígado só em imaginar teu semblante quando gritares “Eureka!” Diante de uma descoberta tão óbvia e cruel. Aguardo tua carta ansiosamente, pois tenho certeza de que será furibunda e virulenta, para meu íntimo regozijo.
Gastão
****
Gastão
Tua intriga não me abala. Lamento frustrar tuas expectativas, mas não fuçarei motivos para desprezar-te ainda mais. Os que tenho me são o bastante para ignorar-te. Foste despejado do nosso passado, não moras mais nas nossas lembranças. Já não pronunciamos o te nome, nem quando damos topadas nos pés das cadeiras. Plínio

****
PlínioI
nvejo-te, vergonhoso irmão. Invejo tua capacidade de não pronunciar meu nome. Infelizmente não podemos dizer o mesmo do teu. Um casal de mendigos passou a habitar nossa rua há certa de duas semanas. Trouxeram com eles trapos, caixotes, restos de comida, e um vira-lata ladrão de lixo e carniça. Este cão imundo chama-se Plínio. E pelo menos dez vezes ao dia, temos que dizer “Passa, Plínio!” Passa, Plínio!”.
Gastão
****
Gastão
Patife, miserável, excomungado! O cão imundo que ora vos fareja não está atrás da sustança do teu lixo. Nem o mais rude animal desconhece o perigo que ronda as tuas sobras. Não te iludas, boçal! O vira-lata ladrão e porco não quer teu lixo, mas a imundície do teu viver. É isso que ele busca. Conforto na sujeira da tua casa, no podre do teu caráter, no mau cheiro do teu pensamento. Pobre animal! Mal sabe que o negrume dos seus donos é mais alvo que a brancura azeda da tua pele encardida.Pobre mulher a tua. Obrigada pela moral a dormir com um traste, ainda encontra forças para bem cuidar de teus filhos, inocentes vítimas de uma aberração genética. Verme!
Plínio

****
Plínio
Não meta minha mulher no meio desta pocilga de verbos. Ela bem sabe o valor do homem que tem, assim como tua mulher sabe muito bem o homem que perdeu.Sim, tua mulher sabe o homem que perdeu, animal corno! Comi tua mulher!Pois já que não gritaste “Eureka!” ao perceber teus galhos arrastando no alto pé-direito de tua nova casa, obriga-te a saber de minha própria pena. Antes de desposar minha santa Branca, mergulhei pelas cavernas de tua Arlete, enquanto viajavas a vender meias. E fiques sabendo: ela gostou, gostou e pediu sempre mais, mais e mais. Foram noites de gozo e esplendor, mas não passaram de noites, pois jamais admitiria alimentar romances com mulher de corno. A fudelança só cessou quando pedi Branca em casamento. Foram dias difíceis para Arlete, dividida entre o medo de te magoar e o medo de me perder. Preferiu enfrentar o segundo medo e a partir daí resolvemos esquecer o ocorrido e viver cordiais relações. Só mesmo tua cara de corno me fazia lembrar que tive um caso com tua mulher. Agora, que sabes o desfecho deste folhetim, mandes chamar um médico, pois com certeza estás começando a ter um derrame. Gastão

****
Gastão
Desconheço o conteúdo da última carta que enviaste a Plínio, pois foi queimada por ele mesmo antes de cair fulminado por um acidente vascular. Suponho que confessaste nosso caso. Os indícios são claros. Embora vegetando sobre um leito, Gastão ainda encontra forças para olhar para mim e urrar com os olhos a palavra puuuu-ta. Sim, com os olhos! Olhos de lágrimas e raiva. Olhos de impotência e ferocidade. Olhos que lhe faltaram na hora de perceber o irmão que possuía. Olhos que não olharam para a mulher que tinha. De nada me arrependo. Se alguma coisa devo, com certeza estou pagando caro, condenada a cuidar de uma posta de carne e ódio, não vejo saída a não ser velar em vida o pai de minhas filhas. Quanto a tu, esqueças de nossos planos. Não me escrevas, não saibas mais de mim.
Arlete
****
Arlete
Desconheço o conteúdo da carta que enviaste a Gastão, mas certamente foi isso que lhe tirou a vida. Teu cunhado foi encontrado morto, ao pé da escrivaninha, engasgado por uma indigesta maçaroca de papel, com indecifráveis vestígios da tua letra. É bom que saibas que sempre soube de tudo. Agora, não há mais nada a fazer, a não ser sepultar com um único defunto, quatro vidas fingidas. Não me escrevas, não saibas mais de mim. Branca

Share


José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
todo dia 20


3 comentários:

Este conto foi premiado no Concurso Stanislaw Ponte Preta da Rio Arte em 1997 e encenado pela Nonada Companhia de Artes Teatrais, sob o título "Uma carta de adeus" em 2005.

ZéGui, que troca de cartas pesada! Quantos ressentimentos!

Grande conto!

Postar um comentário