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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Laboratório poético

Volmar Camargo Junior



Areia e sal



preenche-se o vento com o que pode carregar
com a areia, com o sal da praia
e eu
que vivo nas costas do mundo
sinto no vento areia e sal

a praia, tão longe, tão longa
a mim tão inatingível
arranca o vento de dentro do mar
e sopra-o na minha direção

o sal e a areia que me desconhecem
a meus olhos, minha garganta
querem arder
queimam
e querem me queimar

- mesmo que nem em sonho tenha visto
nunca haja deixado uma só pegada nessa areia
nunca deixado que me viesse até as pernas
uma gota que fosse desse mar -

quente, o vento sobe
pelo dorso frio do mundo
e me sussurra essa maresia
e desacomoda
o que antes fora ordeiro e mudo
e que mudo permanece
ainda mudo, mas inquieto

que esperar agora, eu me pergunto,
das idas e vindas desse vento
dessa areia
desse sal que vem do mar
disso que veio sem que eu percebesse
e que agora não consigo deixar ir?

antes houvesse passado
não há passado
não
o vento não passou
faz com que o mundo se erga
no meio das suas tempestades
e depois, na calmaria
vai-se

mas há de voltar

se um dia resolver fazer o caminho inverso
e pelas rochosas vértebras do mundo
buscar a praia de onde veio
encontrará comigo ainda guardados
os últimos grãos daquela mesma areia
resquícios daquele mesmo sal do mar


__________________________


Língua morta



à hora de, com a noite, o sono ir-se
ouço, triste, um apelo da aurora
este, só aos meus ouvidos bem-vindo

"crias para mim um idioma, e sê o falante nativo"

crio-o, gracioso e sonoro, rico e inconcluso
derramo-lhe a história e os fios do mundo
e ainda antes que aurora se dilua em dia

sou o único falante de uma língua morta




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1 comentários:

Volmar!
Não sei se porque me criei na praia...ou se porque teimo em viajar nas asas do vento..."areia e sal" literalmente me apaixonou...Lindo!!

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