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domingo, 23 de setembro de 2012

Crônicas do jornaleiro

Trabalho no jornal. Não, não sou jornalista l, sou jornaleiro mesmo. Sou daqueles que distribuí uma edição gratuita de um jornal. Não é um ótimo emprego, mas pelo menos tenho trabalho. Coisa cada vez mais rara nesses dias. Mas o problema não é só aqui em Dublin. Acho que é na Europa toda.

Não sei se a crise é realmente tudo isso, mas ela assusta bastante e já deu para perceber também que ela destrói sonhos, vidas e cada vez mais cria desempregados. Esses dias conheci o Francesco, um italiano que se mudou para Dublin por causa da noiva dele. Ele chegou em Dublin faz pouco tempo, ainda esta aprendendo inglês, mas já esta conseguindo se comunicar. Atualmente ele está a procura de emprego. Os brasileiros por aqui reclamam que não tem um passaporte europeu, que isso mudaria tudo. Pois bem, o Francesco tem passaporte europeu, é formado em administração e veio para Dublin porque a situação está difícil na Italia. E aqui ele é como tantos outros, um desempregado. E aceita qualquer trabalho também, jornaleiro, ajudante de cozinha, faxineiro. O que vier está valendo.

Acho que na verdade, além da crise tem o fato do recomeço. E não é fácil recomeçar. Ainda mais quando você está em um lugar novo, com uma outra língua, com costumes e comidas diferentes. Já aconteceu comigo de pedir bife e receber uma fatia de presunto. Independente de onde viemos, a gente tem o mesmo pensamento por aqui 'é as coisas não são iguais como lá em casa'.

Mas nem tudo é ruim. O trabalho me dá alegrias. Todas as manhãs, por exemplo, me alegro quando vejo o Lee. Não sei o verdadeiro nome dele, por isso o chamo assim. Ele tem uma carinha de oriental, não sei se é coreano ou chinês. O quê sei é que quando o Lee me vê entregando jornais, ele se alegra todo e enche-me de alegria com sorriso de quem vai ganhar presente. Ele esta no carrinho e balança as pernas e os braços para chamar a minha atenção. E sempre funciona. Contagia a mãe dele também. Ela sorri e para o carrinho para que eu possa entregar o jornal. E claro retribuo o sorriso.

Cada pessoa que passa por aqui tem uma história diferente, uma maneira de dizer bom dia, mesmo que as vezes seja no silêncio ou tentando um assunto para conversar. Eu não levo muito jeito com conversas e acho que esse é o caso do Jonh também. Ele é um irlandês que trabalha no departamento de limpeza da cidade. Todo dia, por volta das 7:15, ele passa no local onde distribuo os jornais e pega um exemplar para e outros para o seus colegas. Ele sempre chega correndo em sua bicicleta velha. Primeiro saúdo o com um caloroso 'good morning' e então aguardo o estacionar a bicicleta, e então, entrego-lhe os jornais. Quando comecei nesse emprego, ele pegava diretamente da pilha de jornais porque não queria me incomodar. Eu gosto dele, acho que temos esse mesmo problema de conversar com as pessoas, mas ambos tentamos. Há uns meses, ele perguntou se eu sabia do resultado do Barcelona. Acho que ele achava que eu era espanhol e que gostava de futebol. 'não, não assisti não. Ontem a noite estava tão cansado que fui direto dormir quando cheguei em casa', respondi-lhe educadamente. Não mencionei o fato que não gosto muito de futebol.

Outro dia ele tentou novamente, 'você é espanhol, né?', 'Não, não sou. Eu sou brasileiro'. Então ele sorriu e elogiou o nosso futebol. Para não ficar calado 'Ah sim, temos uma grande tradição no futebol, mas hoje em dia os nossos jogadores bebem melhor do que jogam'. Ele sorriu e seguiu o caminho dele. Acho que ele não gostou muito de ouvir isso, mas como disse eu não levo muito jeito com conversas, por isso que capricho no sorriso e continuo no emprego.

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2 comentários:

Uma crônica tão "de dentro" que parece que eu enxerguei cada pessoa. Você com os jornais, o bebê, a conversa sobre futebol. Um ambiente bem criado é tudo num texto. Leve, gostosa, encantou minha noite de domingo.

Nossa Cinthia, muito obrigado, nao imaginas o quao bem fez me ler a tua mensagem.

Obrigado.
p.s: estou sem acento configurado.

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