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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Encontros

Josane Mary B. Amorim

Tão logo entrou em casa, Sofia ouviu a sua preta do coração resmungar que se aproximava o dia de a menina ir embora, mas que elas ainda não tinham almoçado juntas.
Do outro lado da praia, Jane já tinha retornado da feira; queria receber a amiga servindo o que ela mais gostava. A manhã estava agradável, ainda fresca. Naquele instante, ouviu uma buzina. Ao sair, deparou com Hellen debruçada no portão: - Bom-dia, flor do dia! Você não mudou nada! Você está ficando de molho no formol ou o quê?
– Minha querida Hellen, que saudades! Você e esse seu maravilhoso bom humor! Você está ótima! Adorei o novo corte! Vamos entrando, por favor.
– Ah! O seu jardim! Queria ter a sua disposição e jeito para cuidar de plantas!”
– Mas, em compensação, você sabe ornamentar como ninguém! Sem falar na sua estupenda habilidade para os negócios!
– Ah! Estou ficando velha e preguiçosa. Só faço levantamento de copo das minhas pretinhas!
Abraçadas, caminharam em direção à cozinha, brindaram o reencontro e começaram a conversar. Hellen, com o seu jeito divertido de ser, abriu a geladeira, pegou outra cerveja e perguntou: - O que tem naquela fôrma?
- São as ostras. Só preciso preparar o creme que as acompanhará: roquefort e nozes. Mas é facílimo! Se o dia estivesse quente, iria prepará-las de uma outra forma, mas hoje está fresco, sei que assim serão perfeitas! Dentro de alguns minutos, estaremos nos deliciando. Está com fome?
– Agora estou começando a ficar! É, Jane, você e seus talentos!
– Você também tem os seus, minha querida! Como estão os negócios?
– De vento em popa, graças a Deus! Mas também já está chegando a hora de parar. Já trabalhei muito. Quem vai assumir os negócios agora vai ser o Heitor.
Seguiram conversando. Depois, gozaram não só da sombra garantida pelo velho coqueiro, mas do almoço. Hellen lambeu os dedos, abriu a caixa de isopor, e: - Saborosas demais! Você disse que uma moça estaria aqui. Cadê ela?
– A Sofia! Você se encantará com ela!
Em seguida, contou um pouco sobre a jovem. Hellen concluiu que se tratava de alguém muito especial, pois sabia o quanto Jane gostava de fazer amigos, mas há tempos não a ouvia falar de alguém com tanto carinho. Por isso, disse: – Se ela é importante para você, já é para mim também! E que bom que é risonha! Joga no meu time! Agora, voltando a falar do Eric, disse que tem ligado todos os dias!? Aquele dali não muda! Eterno apaixonado! Mas, mesmo assim, jamais serviria para ser meu marido.
– Eric foi feito de encomenda para mim!
– Não tenho dúvidas! Lembra que você falava assim: “Ele é o pão que o diabo amassou e o vinho da melhor qualidade!”? Nunca neguei uma boa gargalhada a essa frase! Mamãe também não.
– Ah! D. Lúcia! Ela foi uma segunda mãe para mim! – ela sorriu.
Hellen continuou: – Logo que a mamãe começou a ficar bem doentinha, ela reiterava o quanto gostava de você, Jane. Ficava muito preocupada com aqueles problemas todos. Em várias ocasiões, ela me pediu que lesse para ela algumas das suas cartas.
– D. Lúcia! Nem sei se lhe agradeci o suficiente. Mas agora, no plano espiritual, ela recebe as minhas preces, e nelas se pode constatar o quanto sou eternamente grata.
– Flor, a mamãe morreu sabendo muito bem o quanto você a amava. Ela me disse inúmeras vezes que se sentia culpada por nunca se lembrar do seu aniversário, e que você nunca esquecia um dela! Por vários anos, ela não somente recebeu os seus bonitos cartões de aniversário, mas muitos outros que você enviou, somente para desejar um bom-dia! Isso sem falar nos muitos cartões postais. Mamãe descrevia você como uma verdadeira guerreira e vencedora.
– É, Hellen! O que eu faria sem você? Você é a melhor amiga irmã do mundo!
– Jane, todas as vezes que olho para você, vejo a pessoa especial que é! Minha mãe tinha toda razão: você tem um coração valente! Não tenho vergonha de confessar que gostaria de possuir um assim. Somente um coração valente poderia ter passado por tudo o que passou, e ainda continuar oferecendo amor, alegrias e gentilezas!
– O seu é tão valente quanto o meu! E você bem sabe que, sem o apoio dos meus amigos, eu teria falhado. Seguiu explicando-se, e concluiu dizendo: - Foi assim que voltei, aos poucos, a olhar o meu reflexo no espelho, e a dizer para mim mesma: “Bom-dia, flor do dia!”. Foi assim que voltei a redescobrir a alegria de ser dona da ímpar originalidade de minhas cores. Foi assim que voltei a entender que eu não precisava ser somente as minhas circunstâncias. Podia também ser a minha essência. Que, mesmo com os meus espinhos, ainda assim eu era uma flor! Foi maravilhoso ter reaprendido isso com meus amigos, com você, com minha raiz verde-amarela!
Hellen e Sofia sorriam de encantamento. Quando a presença da jovem foi percebida, ela, que estava sentada na grama do jardim, levantou-se, apanhou do chão um prato com um bolo e uma sacola. Ao se aproximar da mesa, foi recebida por Jane: – Mas onde você estava escondida, minha querida? Não a ouvimos entrar. Que maravilha que pôde vir mais cedo!
Sofia retirou um champanhe e um buquê de dentro da sacola e beijou Jane: – Quando cheguei, senti vontade de sentar e ouvir as suas maravilhosas palavras. ‘Mevrouw’, minha linda flor! Estas flores são pra você! E você é a querida amiga Hellen! Muito prazer! Espero que não se incomode de dividir a Jane comigo. Espero não atrapalhar este reencontro de vocês.
– Depois dessa entrada triunfante, tenha certeza de que o prazer é todo meu! Estávamos esperando mesmo por sua presença! Isso aqui já estava parecendo um asilo! Precisávamos mesmo do frescor da sua juventude! Estou plagiando você, Jane!
– Como foi o almoço com a Lindalva?
– Uma beleza! A Lindalvinha é uma ótima companhia. Foi mesmo muito bom ela ter puxado a minha orelha. Teria me arrependido, se não tivesse me dado essa oportunidade. Ela se virou para Hellen, e completou: – Lindalva cuida da casa dos meus pais aqui em Maruchos. Ela é muito querida por todos lá em casa.
– Jane, estou vendo o porquê de ter se encantado tanto com ela. E é danada de linda! Você tem olhos enfeitiçadores, menina! Que coisa ridícula que são esses seus olhos! Ela riu novamente e acrescentou: – E tem senso de humor! Maravilhosa qualidade! Parabéns, Sofia!
Jane se levantou, pois desejou filmar as amigas. Hellen perguntou: – Sofia, você nos acompanharia na cervejinha preta?
– Adoraria, obrigada.
– Quero saber tudo sobre você, sua enfeitiçadora! O que faz? Onde mora? Este bolo cheiroso é de quê? Vamos beber champanhe?
Sofia começou a rir, e acabou se engasgando. Hellen, entre risos, gritou: – Levante os braços! Braços para cima!
– Vocês são mesmo duas adoráveis palhaças! Esta fita ficará ótima, mas agora colocarei a máquina aqui na mesa, neste cantinho, filmando tudo, e tomarei mais um pouquinho de cerveja com vocês. Brindemos então aos amigos! Principalmente aos mais risonhos! – ela sorria.
Hellen continuou: – Vamos lá, bela Sofia! Responda!
– ‘Okidoki’. Moro em Nova Iorque. Estou prestes a me tornar assistente de direção de uma peça teatral. Este bolo é de laranja. Sim! Vamos beber champanhe! Adoro! Principalmente, porque faz cosquinhas no meu nariz!
– Direção teatral? Hum! Importante! Jane me disse que vai ao México, que vai se encontrar com o seu namorado. Como é o nome do felizardo? Ele é tão bonito quanto você?
– Vou ao México por causa do trabalho que espero conseguir. Ethan é o nome do felizardo, e claro que não!
– O infeliz é um Adônis, confessa! A mulherada dá sossego? Confessa!
– Não dá! – respondeu Sofia entre risos.
– E o infeliz é bom de cama?!
– O infeliz é nota 10! – respondeu Sofia, gargalhando.
– Ah! Missão difícil espera por você no México, bela Sofia! Tome cerveja preta! Ela é muito boa para manter o sangue bem quente... E a mãe dele?
Hellen perguntou de forma tão engraçada, que Sofia se engasgou novamente, mas respondeu em seguida: – Deve ser boa de cama também!
As três mulheres foram tomadas por um intenso surto de risos. Depois, Sofia bebeu mais um pouco de cerveja e completou: – Ainda não conheci minha sogra, nem meu sogro.
– Mas, com certeza, você sabe o que fazem. Ou não? – perguntou Hellen.
Sofia, que, naquele instante, ria das expressões no rosto de Hellen: – Meu sogro é arquiteto; e minha sogra, psicoterapeuta.
– Jane, a próxima vez que a bela Sofia vier a Maruchos, você vai prometer que vai me ligar. Vou ficar acampada aqui na sua casa! Vou trazer uns coelhos, e faremos um bom assado dos lindinhos. Você vai adorar, bela Sofia! E você não se atreva a vir sozinha! Traga o seu Adônis!
Longo tempo depois, capturadas pela beleza do espetáculo que acontecia na praia, caminharam para o jardim e ficaram admirando o pôr do sol. A linha do horizonte era, literalmente, uma explosão vibrante de cores: matizes de vermelho e laranja. Jane estava de braços dados com Hellen; Sofia tinha pegado a câmera e estava filmando o entardecer, aquele inesquecível momento.
Não demorou muito para que o Sol começasse a desaparecer no horizonte. Jane as convidou para retornarem ao pomar. Era chegado o momento de saborear o bolo preparado pela Lindalva. Sofia não foi de imediato. Quis filmar o crepúsculo, que considerou um dos mais belos a que já tinha assistido. Ficou em silêncio capturando o exato instante em que o céu, próximo ao horizonte, tomou uma cor indistinta entre o azul do dia e o escuro da noite.

Josane Mary B. Amorim, nasceu em 30/10/1963 em Cachoeiro de Itapemirim-ES. É advogada por formação, mas longe dessa profissão desde quando saiu do Brasil em 2000. Estudou Inglês na Harvard University-US, onde ganhou por 3 vezes consecutivas o primeiro prêmio no concurso literário "The Emanuel and Lilly Shinagel Essay Prize.” Desde 2003, mora na Holanda. Estreou como romancista em 2011, em “Mevrouw Jane” onde deu a impressão de ser uma autora experiente pelas qualidades que sua obra apresenta.

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3 comentários:

Obrigada pela oportunidade Revista SAMIZDAT.

O conto acima é baseado em um capítulo de meu romance "Mevrouw Jane". Para saber mais sobre tal obra convido-os para visitarem:
http://josanemary.wordpress.com/mevrouw-jane/

Grande abraço aqui da Holanda!

deus dos céus que inveja de saber fazer assim diálogos! deus do céu que leitura boa!

Muito bem retratada uma certa maneira de viver, entre a futilidade e a "beautiful people", que, se calhar, são sinónimos.

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